Os limites da fé (publicado originalmente em 14/1/2023)

Lançado na Netflix algumas semanas atrás, ‘O Milagre’ é filme tenso, de roteiro com tom psicológico, bonita fotografia e atuações razoáveis. A trama se passa em 1862. A enfermeira inglesa Elizabeth (Florence Pugh) é contratada por moradores de pequena vila na Irlanda com a missão de desvendar o que eles chamam de milagre e médicos, de anomalia: Anna, garota de 11 anos (Kila Lord Cassidy), parou de comer há 4 meses e segue ‘com boa saúde’, alimentando-se, segundo ela, de ‘maná do céu’.

Dirigido pelo chileno Sebastian Lelio, o longa foca na devoção cega da família da menina, os O’Donnell, que já perderam um filho, e questiona se há limites à fé. Durante a fita, há discussões numa espécie de tribunal de júri, composto por médico, advogado, morador, juiz, que debate e dá sentenças imediatas.

Elizabeth e uma freira têm de vigiar Anna e, diariamente, durante 14 dias, devem escrever relatórios, uma sem ter contato com a outra, e os apresentar ao ‘julgamento dos veneráveis’. A enfermeira conta com a ajuda do jornalista Will (Tom Burke) a desmascarar os pais da moça, cuja casa recebe visitas de hora em hora, que sempre terminam com módicas colaborações financeiras.

Temas como culpa, sacrifício e tortura permeiam a história. Os moradores desejam crer que foram escolhidos a receber o milagre de Anna, e, apesar de pagarem para o contrário, querem derrubar as teses de Elizabeth seja de que modo for. A ciência, porém, não se importa com o que se acredita, mas com os fatos. A enfermeira, por sua vez, está no dilema: interfere ou não na situação?

‘O Milagre’, cá pra nós, serve de alegoria a passagens atuais da humanidade, que teve – e ainda tem – de lidar com problemas relacionados à ciência, crenças e ‘criações medicinais’. Tal como a vila irlandesa se dispõe a ser ‘experimento’ dos O’Donnell e, assim, ‘receber milagres’, nós, aqui deste lado, fomos obrigados a acreditar em ‘soluções’ intempestivas dos mais variados assuntos, que nos foram enfiados goela abaixo – ‘toma e não questiona’. Há tolerâncias ou necessitamos que Elizabeth e Will nos salvem da hecatombe que se avizinha? Duração: 108 minutos. Cotação: bom.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 19/01/2023
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