Hibernações (publicado originalmente em 7/3/2020)

O tema dos refugiados está ainda na ordem do dia. Um dos 5 finalistas da categoria curta-metragem do Oscar deste ano tratou disso: 'A Vida em Mim' (2019, Netflix).

São 3 casos de pré-adolescentes que estão com a Síndrome da Resignação, patologia descoberta pelos médicos no começo do século 21, entre 2003 e 2005, onde os enfermos desenvolvem uma espécie de superproteção a si mesmos e ficam inconscientes, como se estivessem em coma.

A pressão arterial é normal, assim como os batimentos cardíacos e demais sentidos vitais. Somente estão dormindo por meses. Ou hibernando, se relacionarmos tais casos com o período no qual os ursos se recolhem à espera do verão.

Os focalizados são filhos de pais refugiados, cada qual com a sua história. Um, por exemplo, viu de dentro do carro em que estava um assassinato à queima-roupa. Outro observou o pai ser espancado por 4 indivíduos. E o terceiro olhou a mãe ser estuprada.

Estas situações fizeram esses meninos e meninas desenvolverem a bolha onde se fecham - primeiro param de falar, depois, de comer e beber, e em seguida não saem mais da cama. A Suécia é, curiosamente, não se sabe o motivo, o país onde há o maior número de vítimas da Síndrome.

Os diretores John Haptas e Kristine Samuelson ouvem a angústia dos pais, os atendimentos dos médicos e desnudam, sem apelar ao sensacionalismo, os 3 doentes. 'As crianças sentem o ambiente da casa, a tensão e o medo dos pais, e aos poucos começam esse processo de se recolher.

E a atitude, involuntária, pode durar meses ou anos', diz a médica. Os casos mostrados em 'A Vida em Mim' são exatamente deste calibre: 6, 11, 14 meses de dormência. O medo da deportação mexe com as famílias e a sensação de desespero não cessa.

Enquanto isso, os pais mantêm os filhos vivos: colocam em cadeiras de rodas e passeiam no parque, dão banho, e alimentam os rebentos por sonda. São sequências comoventes - parecem belas e belos adormecidos, por encanto, e que podem despertar de repente.

Alguns críticos cutucaram e chamaram o documentário de frio e deprimente. Ledo engano. Nem uma coisa, nem outra. 'A Vida em Mim' tem como característica principal o amor dos pais pelos filhos. Simples assim. Duração: 40 minutos. Cotação: bom.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 16/03/2020
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