Uma visão do filme de Petra Costa.. Democracia em vertigem ...

ARTIGO | DEMOCRACIA EM VERTIGEM É HONESTO, MAS IGNORA QUESTÕES ESSENCIAIS

O documentário de Petra Costa, na Netflix, mergulha na história que levou ao impeachment de Dilma Rousseff

Fernando Carneiro

A diretora Petra Costa acompanha a gravação de uma cena do documentário Democracia em vertigem

O filme de Petra Costa, Democracia em vertigem, atualmente na Netflix, tem gerado muito entusiasmo nas hostes de esquerda.

Apesar de ser um documentário honesto, feito de boas intenções e algumas boas sacadas, ele ironicamente revela um lado pueril de quem não aprendeu muito sobre o que aconteceu no Brasil.

De quem ainda não entende o que ocorre atualmente. Ou por que chegamos a esse estado atual.

A autora mergulha na história que levou ao impeachment de Dilma Rousseff e à prisão de Luiz Inácio Lula da Silva com completa honestidade intelectual.

Ela apresenta o passado de seus pais militantes, bem como as ligações da família de sua mãe com a Andrade Gutierrez, construtora penalizada, como todas as grandes do país, na Lava Jato.

E por tabela, ligações da família, por matrimônio, com Aécio Neves. Estabeleceu assim seu lugar de fala como uma observadora de elite.

A premissa errada do filme é que a “elite”, forçosamente de direita, como reza a cartilha, por assim dizer, criou toda uma situação artificial e conluios sem fim para forçar a saída de Dilma.

Inclusive, atuando pelo Judiciário, para prender Lula.

Sustenta que foi golpe palaciano de dentro. Insider job.

Como todos na história do Brasil.

Explico. Todos os que lideraram a retirada de Dilma foram (e alguns eram até os 45 do segundo tempo) aliados de primeira hora.

A elite assistia apavorada e torcendo por um bom final. Pois mesmo ela tem uma parte esclarecida e outra não.

E a vertigem do filme, como adjetivo dessa democracia que corre perigo, é muito voltada ao aspecto sufragista da democracia.

Posto que o voto não foi, o que penso ser correto nesse sentido, sempre respeitado após o Pacto de 1988.

Mas o filme poderia ter inserido um pouco de Collor de Mello no mix, por exemplo, pois seria importante nesse aspecto pedagógico.

Os donos do poder vão golpear e fazer cair mil à esquerda e 10 mil à direita, a numeração correta na Bíblia.

Outro ponto é a ausência quase total dos militares no filme.

Eles, que agora são eminências pardas de protagonismo tanto na fuça como em deep background, demonstram que muita democracia foi enraizada nesse país.

Os principais atores da derrocada heterodoxa do PT foram um Legislativo que já tinha sido seu, e um Judiciário com muitas nomeações do próprio, inclusive para a Corte Suprema.

Ou seja, não falo aqui de autocrítica necessária, o que tanto pedem do PT.

Falo de absurda inépcia administrativa e política, bem como uma condução ruinosa e fantasiosa da economia, aliada à vista grossa com casos flagrantes de corrupção. Que começou a incomodar a massa.

Uma ralé moralista que ascendeu graças ao PT. Os agora malditos “pobres de direita”.

Vale ressaltar, mais uma vez, que muitos personagens tidos como artífices do golpismo eram defensores da ordem democrática — sob esse prisma da vertigem do sufrágio.

Inclusive Eduardo Cunha, meses antes de os fatos saírem de controle, afirma peremptoriamente, em cena de arquivo do filme, que seria um absurdo pensar em destituir Dilma do cargo.

O filme passa muito tangencialmente, ao tentar de forma maniqueísta ver bandidos e mocinhos, pelo fato de que quase todos os personagens, golpistas e golpeados, já trocaram afagos de muita intimidade e caminharam, formularam políticas e deitaram em orgia coletiva durante todos esses anos.

Muitos inclusive são parte do governo atual.

Ou seja, a verdadeira elite endinheirada e envergonhada sabe que a única coisa que mantém as massas longe dos portais é uma economia funcionando a pleno vapor.

Dilma e a cúpula do PT e da esquerda não poderiam escutar aprioristicamente o que apregoou Fernando Henrique Cardoso.

Impeachment precisa de dois pré-requisitos: rua e maioria no Congresso.

Algo que foi fulgurante em 2013 e apenas se aprofundou com a reeleição da destituída.

Neste momento, em que maldizemos o mandatário, mal se te um ou outro.

Rua ou congresso. Lembremos que, golpe ou não, antes da reeleição de Dilma em 2014, tivemos as ruas fortes e abastadas.

Dilma queria endurecer o jogo, Lula sempre tentou abafar tudo com panos quentes, mas o estrago estava feito, pois o clima era de barata voa.

O filme passa batido pelos militares. Os militares — nunca achei que fosse proferir esta frase — estão ali agora para garantir essa abalada continuidade democrática.

Apesar de uma grande parcela do país decente e honesta (mas que tampouco comunga com o ideário da esquerda) não aguentar mais esse governo.

Qualquer júbilo, qualquer sinal de vida inteligente e visão estratégica por trás do grande desastre (a chegada de Bolsonaro ao poder depois de elegermos FHC e Lula, por exemplo) será ruinoso para o projeto de salvar o país neste momento extremamente delicado.

Os militares estão no governo aos baldes, mas não se trata de uma presença institucional.

A rigor, são todos da reserva. O problema é: os Bolsonaros são tão bem “estruturados” como a ciclovia Tim Maia, e os militares sabem de tudo porque o único serviço de inteligência operacional aqui é o deles.

Eles, por exemplo, “governaram” o Rio de Janeiro por um ano. Sabem tudo.

Quem trafica, quem alicia, quem mata, quem tem milícia, quem sabota, quem continuava roubando na Petrobras etc.

Apesar disso, ou juntamente por isso, os militares tampouco podem ser os atores que darão o peteleco que apeará Bolsonaro e sua turba do poder.

Pareceria aos eleitores um golpe. Depois disso, o Exército viveria ruína que o obrigaria a ser refundado como instituição. Uma parte gigante dos que pediam golpe militar em 2014, na verdade foi votar (sic) em Bolsonaro.

E, ironicamente, com a ascensão do olavismo, passou a maldizer os militares.

Uma menor vertigem sufragista. Ponto para a democracia.

Fora o pau que come nas ruas e redes sociais, a sociedade brasileira, mesmo fragmentada, começou a levar, inculcados na cabeça, os ditames da Constituição de 88 a sério.

Você enxerga isso em marcha vermelha e verde e amarela. Sim, uma Constituição cheia de falhas e problemas. Mas falo do Brasil desde 1988.

Outro ponto que passou ao largo na idealização da obra, mas um talvez mais sutil: o que já foi construído na redemocratização, com Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma, Temer, com acertos e erros, foi trocado por uma aventura de sargento de milícias eleito precisa e essencialmente pelo sufrágio.

Eis a consagradora ironia que macula um pouco a tese do filme.

Pois o Estado é maior que o governo. As rupturas podem existir aqui e ali, aprovadas pelo Congresso, mas ruptura forte não.

Ou seja, o grupo que governa começará a se frustrar e as inevitáveis divisões internas já começaram inclusive a aparecer, o que fortalece a democracia.

E esse governo está sendo barrado pelo Congresso em questões fundamentais, como emendas ao Código do Desarmamento, que sofreu revés no Senado.

E sofrerá outros, aposto, em muitas questões comportamentais, pois chama a atenção do tema para si. Por exemplo, através do Judiciário, a homofobia foi criminalizada. E por aí vai.

Claro que o entendimento de democracia como algo muito além do voto deve ser a tônica.

A real e verdadeira representatividade de todos os cidadãos, independentemente de renda, cor, sexo, orientação sexual e etnia. Oportunidades iguais.

Mas a esquerda profunda tem de entender que isso vinha sendo conquistado com uma participação maciça de social-democratas e liberais dentro de uma linha cronológica contínua.

E que, precisamente, a direita se mostrou o que sempre foi, paternalista e arcaica. Contra a modernização inclusive do Estado.

Algo que (mais uma ironia) comunga com a esquerda que golpeou. Portanto não foi difícil ver Bolsonaro e Maluf votando com o PT, e os dois declarando que já apoiaram Lula no passado.

A cama foi feita e nela todos deitaram.

Atualmente, Bolsonaro já nos ferrou num outro aspecto: a ausência de convicção liberal mostrou ao mercado que não é confiável, é um corporativista, fez a carreira política num tema só (a defesa do soldo e dos privilégios dos militares) e por isso aplacou a expectativa positiva do empresariado pré-reforma.

O governo assim está nos levando para uma recessão que não estava no radar.

Os militares não parecem ter outras ambições, a não ser levar o Bolsonaro até o fim da pinguela.

Se o presidente fizer por onde, aprova uma reforma da Previdência que deixe o mercado contente, mas faz do resto uma gestão medíocre.

E a Ilha de Vera Cruz preserva a democracia e vamos em frente. Devagar e sempre.

Portanto, é curioso que um filme que questione tão a fundo uma verdadeira e necessária democracia passe ao largo desses dois pontos críticos: o papel dos militares e o das verdadeiras e antigas elites – que de certa forma lavaram as mãos inclusive no processo eleitoral atual.

Por estarem calejadas e cansadas, inclusive. Não quero ficar apontando para ironia o tempo todo.

Mas o impeachment de Dilma e perseguição de Lula, com Moro e Dallagnol em seu encalço, mostrou a vitória incontestável, para o bem e para o mal, da supracitada ralé reacionária, que subiu com os grandes avanços sociais do Brasil, promovidos pelo próprio PT.

A afirmação de Edmund Burke era que as massas eram revoltosas e revoltantes ao mesmo tempo. Em inglês se resumindo a uma palavra. Revolting.

O filme entristece muito as pessoas. Gera muita vergonha alheia. Já no governo Temer, parte da massa do Congresso que protagonizou aquela noite vergonhosa, de votos em relação ao impeachment, estava arrependida.

O PSDB, que era o partido antagônico ao PT, praticamente sumiu do mapa, se comparado ao que era.

E pode-se apostar que o tal “campo democrático”, que costuma ser muito impiedoso exatamente com os seus, e com os que podem compor com ele, voltará com força.

Espero apenas que ele não repita a história nem como farsa, nem como tragicomédia — ficcional ou não.

Nota do divulgador:- Como bom democrata que sou aprecio ler o que os outros pensam... sem ler o que nós escrevemos baseados nos fatos!!! Assim caso possam acreditar tão piamente que Lula e Dilma são tão santos e tão responsáveis pelos seus atos... deveriam confessar seus crimes... de matar tanta gente na fila do SUS???? Ou isso não vem ao caso... faliram a Petrobras que a gasolina custa R$ 5,00 o litro e na Venezuela... logo ali depois da fronteira custa apenas R$ 0,60 o litro... e no Paraguai no mesmo posto Ipiranga lá... custa apenas R$ 1,20??? Quero saber o porque????