É meu (reflexão sobre o filme Adaptação, de Charlie Kaufman).

“Charlie: Naquela época, no colegial, eu estava te observando da janela da biblioteca. Você estava falando com a Sara Marsh.

Donald: Deus, como eu a amava!

Charlie: Eu sei. E você estava flertando com ela, e ela estava sendo muito doce com você

Donald: Eu me lembro.

Charlie: Então, quando você foi embora, ela começou a rir de você junto com a Kim Canetti. Senti como se elas estivessem rindo de MIM. Você não sabia de nada. Parecia tão feliz…

Donald: Eu sabia. Eu as ouvi.

Charlie: Então como você pode parecer tão feliz?

Donald: Eu amava a Sarah, Charles. Aquele amor era meu. Ele me pertencia. Nem mesmo a Sarah tinha o direito de tirá-lo de mim. Eu posso amar quem eu quiser.

Charlie: Mas ela achava você ridículo.

Donald: Isso era problema dela, não meu. Você é o que você ama, não o que ama você. Isso é algo que eu decidi há muito tempo.”

Semana passada, em meios a correria do dia a dia + “preciso desligar a cabeça senão fico louca”, decidi alugar alguns filmes (sim, ainda faço isso).

A escolha da vez foi pegar apenas do roteirista Charlie Kaufman, famoso pelas longas-metragens Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Quero Ser John Malkovich e outros.

Então assisti ao filme Adaptação, em que o roteirista se põe como personagem da história, interpretado por Nicolas Cage, sendo uma pessoa com baixa autoestima e autoconfiança, que bola várias ideias, mas na hora da prática se põe para baixo, sentindo-se um fracasso. Todo o enredo acontece com o seu irmão gêmeo aparecendo, Donald Kaufman (na vida real ele não tem esse irmão, foi apenas criado para esta história), que apesar da semelhança física, consegue atrair muito mais a atenção e o carisma de todos.

O filme chama atenção quando, em uma das cenas quase finais, os irmãos estão se escondendo de alguém que os perseguem, e os dois têm a conversa de um comparando-se a personalidade do outro, até chegar no ponto citado no começo deste texto. Confesso que, quando Donald fala que aquele amor era dele, não consegui mais finalizar o filme para refletir sobre isso.

Estamos em um mundo tão conectado, tão rodeado de pessoas, que a importância da interatividade transborda, mas ainda há algo que não escapa: os nossos sentimentos. Passando já do ¼ de século e alcançando em breve mais uma primavera, confesso que vivi muitas experiências marcantes, diferentes, e, infelizmente, muitas tomaram outros rumos por eu ser um “Charlie”, e não um “Donald”: por me importar com o que partiria do outro.

Até que, esses tempos atrás, tive algumas surpresas que me fizeram sentir coisas inexplicáveis, e comecei a perguntar: o que é isso que sinto? Por que me faz tão bem?

É porque era o MEU sentimento. O fantástico mundo da Mayara (adoro fazer referência àquele desenho do Bobby pedalando pela casa).

E aquilo que sentia, por mais que eu mostrasse empolgação ao próximo e ele entendesse, ninguém poderia, ou pode, ou sequer poderá realmente sentir na mesma medida e intensidade. Cada um é cada um. O que sinto é apenas meu, dentro de mim. E a única pessoa que pode manter ou tirar isso é apenas eu mesma. Sou dona de mim. Cada um é dono de si, e às vezes esquecemos disso.

Somos sozinhos o tempo todo. E até que ponto podemos olhar isso com um certo ar de aproveitamento? Queremos que os outros sentem igual o que sentimos, mas por que não podemos ser egoístas um pouco, e manter isso só para nós, sem implorar pelo que acontece fora?

Acredito (eu, novamente) que quando pelo menos aprendemos a lidar com o que sentimos, tratando como nosso tesouro (o que realmente é), conseguimos expor do interior para o exterior com maior facilidade, e podendo até encantar, mesmo já isso não fazendo uma real diferença, pois estamos completos – o resto é apenas complemento.

Falo isso porque, estes dias, estava feliz com alguns acontecimentos. Eram sentimentos e manias minhas que realizavam. Era aquela empolgação e borboletas no estômago que só eu sei como acontece em meu corpo. Acordei aos sorrisos. Cheguei ao trabalho espetacular: outras vestimentas, expondo alegrias. Recebi elogios esse dia, mas eles não me importavam muito: eu sabia que estava bem, mesmo com elogios e críticas.

Quando aprendemos a respeitar, amar e trabalhar nossos sentimentos, o que expomos é o amor. E o amor contagia, claro: dentro de cada um, de um jeito, mas ninguém, além de você mesmo, pode alterar isso. É algo totalmente seu. Como um carro com volante específico, que só suas mãos sabem guiar. Só você pode tomar o rumo para tornar a viagem o mais inesquecível.

E se o outro não sentir, não compartilhar da mesma “sintonia”? Isso é um problema do outro, e não seu.

E "menos um problema" é o que todos precisamos.