OBEDIÊNCIA

Assisti nesta semana a um filme que se chama "Obediência" que deu o que pensar.

O filme, para mim; não vou entrar na ficha técnica, descubra na internet, se interessar, o diretor, atores, crítica, etc.

Vou falar apenas dos meus sentimentos com relação ao filme e à história.

O que há de intrigante, desde o início, é o alerta de que o filme é baseado em fatos reais; quase sempre a realidade supera a ficção.

Não fosse o aviso, o telespectador seria incrédulo e classificaria a situação como “invencionice” dos roteiristas.

Quem zapear pelo Google terá conhecimento de que o fato foi “juridicamente” bem documentado, com câmeras de vigilância, testemunhos, etc.

Fez bem o diretor avisar logo no começo, porque é dessa nossa descrença que decorre o absurdo.

Vamos aos fatos... certa noite, especialmente movimentada, a gerente de uma lanchonete da rede MC, recebe uma ligação telefônica de uma pessoa que se identifica como “autoridade”.

Não é preciso ser muito esperto para perceber que, apesar dos “verossímeis” argumentos da “autoridade”, trata-se de um “trote”; situação que os personagens suspeitam.

Segundo o dicionário Aurélio, “Obediência” é um “substantivo masculino” que significa: “ato ou efeito de obedecer; disposição para obedecer; submissão à vontade de alguém”.

“Submissão à vontade de alguém”, será o mote do enredo.

Olavo de Carvalho, militante e idiota da direita têm uma definição que é uma “belezura” sobre a burrice voluntária:

“Não há covardia mais torpe que a covardia da inteligência, a burrice voluntária, a recusa de juntar os pontos e enxergar o sentido geral dos fatos.”

Burrice voluntária, é exatamente o comportamento dos personagens do filme.

Ou, se preferir a citação de alguém mais “esquerda”, fique com o trecho da “A servidão voluntária”, de Etienne de La Boétie:

“Assim é: os homens nascem sob o jugo, são criados na servidão, sem olharem para lá dela, limitam-se a viverem tal como nasceram, nunca pensam ter outro direito, nem outro bem, senão o que encontraram ao nascer; aceitam como natural o estado que acharam à nascença”.

“Mas o costume, - continua o filósofo -, que sobre nós exerce um poder considerável, tem uma grande orça de nos ensinar a servir e a engolir tudo até que deixamos de sentir o amargor do veneno da servidão.”

“A servidão voluntária”, texto curto e de fácil leitura discorre sobre a origem do poder: quando uma pessoa ORDENA, o seu poder vem não dele mesmo, mas dos outros que à ordem se SUBMETEM.

É a SUBMISSÃO que alimenta o poder.

Para esse indispensável escritor, a opressão e a submissão são resultados da fraqueza humana, do hábito de obedecer, do comodismo, da covardia, da omissão, da preguiça de questionar, do medo de infringir as regras, etc.

É nessas razões que o “abuso de autoridade” encontra terreno fértil: “submetemo-nos voluntariamente à escravidão”.

Voltando ao filme, veremos que a “suposta autoridade”, com habilidade verbal, faz a comunicação de um crime e pede o auxílio da direção da lanchonete na apuração dos fatos.

Essa “delegação” da “autoridade” fará da boa gerente da lanchonete, (e de outros bons funcionários), “instrumentos da opressão”.

O que se vê a seguir é desconfortável e constrangedor.

A vontade do espectador inteligente é de que o filme acabe logo.

Os personagens omitem-se, como somos capazes de nos omitir sobre muitos constrangimentos/crueldades que vemos diariamente acontecer.

Na versão real o criminoso foi identificado e descobriu-se que havia passado mais de trinta “trotes” semelhantes.

Ele foi a julgamento e inocentado, sob argumento de:

“Não pratiquei crime algum. Apenas passei um trote. As pessoas obedeceram porque quiseram!”

É um filme para pensar...

.......................................................

Só para animar o debate: na década de sessenta, após os horrores nazistas da II Guerra Mundial, uma questão intrigava o psiquiatra e cientista político Stanley Milgram:

“Por que obedecemos às autoridades ordens injustas, especialmente quando cumpri-las significa machucar outra pessoa?”

Para investigar, Milgram decidiu ver como voluntários se comportavam em um laboratório, onde receberam ordens para dar choques elétricos em outras pessoas.

Será que os voluntários iriam ignorar as próprias crenças éticas e machucar alguém só porque uma autoridade mandou?

No experimento, os voluntários tinham diante de si um painel com várias voltagens elétricas.

Milgram contava que eles seriam “professores” e cada vez que um “aluno” deitado em uma maca errasse uma pergunta, eles deveriam dar um choque na pessoa.

Quanto mais erros o aluno cometia, uma voltagem maior deveria ser administrada.

Apesar dos voluntários não saberem, o “aluno” era um ator contratado para fingir receber o choque, ou seja, não sentiria dor de verdade. Mesmo assim, fora instruído a gritar, se contorcer e até simular desmaios quando recebesse um sinal.

Quando os participantes hesitavam em dar os choques, um cientista os mandava continuar.

Acha você, ingênuo leitor, que foi desafiada a ordem e a autoridade?

Pois saiba que, sessenta e três por cento dos “professores” continuaram a dar choques nos “alunos”, aumentando a voltagem até o máximo, até o ator desmaiar ou simular a morte.

Leve em consideração que essas eram pessoas comuns, sem nenhuma inclinação para o sadismo.

A conclusão de Milgram é que a autoridade e as situações têm um poder sobre nossas atitudes maior do que imaginamos.

Somos influenciados pelo clima geral do momento, mais do que pelas nossas crenças.

............................

BIBLIOGRAFIA:

Olavo de Carvalho - “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, Felipe Moura Brasil (org.), 467 páginas, Rio de Janeiro: Record, 2013. NAO ACREDITE; OLAVO É UM IDIOTA, MESMO DIZENDO QUE LEU TUDO !

Etienne de La Boétie, filósofo/escritor humanista, (1530/1563); Editora Edibolso; “Discurso da Servidão voluntária”, escrita no século XVI, depois da derrota do povo francês contra o exército e fiscais do rei. Livro que se encontra em qualquer banca de jornal.

Stanley Milgram; psicólogo; “A experiência de Milgram”; consulte no Google; ou se preferir assista o documentário no “NatGeo”.

............................

Obrigado pela leitura;

Volte sempre.

Sajob – outubro/2015