The Minions somos nós.


Minions: trabalhadores zelosos com corpos indiferenciáveis entre si, dados como superfícies lisas que só se distingem umas das outras numa identidade própria pelos gadgets de agenciamento sobrepostos a seus corpos e que marcam as notas de suas essencialidades (no banco, na igreja, na escola, no hospital, na fábrica, no fórum, no tribunal, etc. etc. etc.), as quais em geral não passam de suportes idiotizados fora da linguagem ou participes de uma linguagem rústica úteis apenas para uma relação codificada que se instrumentaliza e diverte no limite da obediência suportável.

      O filme de animação Os Minions, 2015, direção de Kyle Balda / Pierre Coffin, também nos joga de cheio na questão, a mais importante da modernidade: por qual motivo uma enorme parcela de colaboradores, senão todos, independentemente do contexto social em que está inserido, aceita servir a um ou mais chefes perversos? Esta questão está posta em GOOD PEOPLE AND DIRTY WORK, de EVERET C. HUGHES, Brandeis University, por Primo Levi em É isto um homem? E tambem por Zigmut Baumman em Holocausto e modernidade e que é basicamente esta: pq boas pessoas aceitam fazer o trabalho sujo? No livro Sonderkommando: no inferno das câmaras de gás, o autor Schlomo Venezia testemunha o tempo em que foi obrigado a trabalhar na remoção dos corpos gaseados nas câmaras de Auschwitz. Venezia relata que não havia escolha, era servir ou morrer. O livro todo é atravessado por esta questão de escolha e, embora, seja uma situação limite é o próprio Venezia quem informa que certo dia um homem se recusa a obedecer e, diante de todos, é imediata e exemplarmente executado com um tiro na nuca por um oficial alemão. A conclusão que se tira desta cena é que então não havia a menor chance ou possibilidade de uma escolha que não fosse forçada. Ao se ler Antígona de Sófocles somos levados a esta decisão irreversível por parte da heroína, a de que diante da lei da cidade (pólis), uma lei que contraria leis e princípios mais autênticos e verdadeiros - no caso dela as leis de família -, (oykós) não há que temer diante do preço a se pagar. Parece ser este o tema do Filme O filho de Saul a estrear por aqui no segundo semestre deste 2015. O filme, então, atualiza o problema: como rompermos os muros externos e internos que dividem e separam as pessoas em grupos de famílias, de hierarquias, de condições sociais, sexuais, econômicas, etc, grupos condominizados por síndicos verdadeiramente hitleristas, para finalmente nos solidarizarmos com o outro, familiar ou não, se estamos sob os mesmos regimes de dominação? Seria o caso de se dizer, dado o exemplo deste solitário e suicida resistente, que a escolha de viver e ter que fazer o trabalho sujo é um ato de má fé? Não creio que se deva tão facilmente naturalizar tal conjunção e muito menos generalizá-la num universal irrefutável. Quanto à segunda guerra mundial, é preciso o esforço de compreensão para assimilar por quais motivos insondáveis cada qual fez o que fez e, talvez, entender um pouco suas razões. Até aqui a questão fica circunscrita. Mas, o problema se desdobra quando autores como Baumman, Levi, Agambem, Hughes, Arantes e outros propõem que o mais colossal trabalho sujo da história não é (não foi) o advento de um episódio triste da história que pode ser datado e localizado num tempo sem precedentes e que, também, jamais voltará a acontecer. Ao contrário, o que estes autores de alguma forma enfatizam é que Auschwitz é o paradigma par excellence da modernidade e que as ações daqueles colaboradores zelosos não são exceções a serem lamentadas e esquecidas, mas práticas que se repetem todos os dias em todos os lugares e impetradas por pessoas convincentemente de bem. Entre tantas consequências de peso que esta premissa exige, uma pode ser colocada de imediato: se atuamos e servimos sob a lógica da razão moderna de organização do trabalho para a produção de mercadorias e seus meios periféricos, então não há saída, estamos em Auschwitz. Esta afirmação vem de encontro ao nosso narcisismo e bate em cheio em nossas caras. Nós, os que trabalhamos e pagamos nossos impostos e contas, nós o que vamos à igreja e levamos nossos animais aos domingos para passear, nós que criamos os nossos filhos e cuidamos de nossos entes queridos, nós os cidadão de bem...não somos inocentes, pois de alguma forma perpetuamos as ações realizadas pelos colaboradores que alimentavam, desde seus inúmeros postos de trabalho, os fornos de Auschwitz. A ideia é aterradoramente simples: nosso trabalho, seja em que instituição e em que tempo for, obedece à mesma lógica de racionalidade moderna que tanto tornou possível quanto perpetua Auschwitz. Haveria, portanto, em cada um de nós uma propensão natural oculta, contudo real, a servir e obedecer aos maus – como necessitam os minions –, propensão esta que se compatibiliza com algo próximo a uma espécie de consciência tranquila ou, oprimidos e destituídos do direito de opinar e escolher, temos que nos contentar apenas com a ideia de que, mesmo calados, basta estar vivo? De certo, talvez, a resposta não seja universalizável e tenhamos que nos contentar com a ideia de que cada um é livre para decidir entre se há ou não a possibilidade de escolha em todos os casos. Mas, um ponto é necessário abordar (para os que quiserem ir adiante com a questão). Se somos seres dotados de uma dimensão moral e irredutíveis a biopolíticas de controle, então como participar da tarefa que se abre à nossa frente, a saber, a de escapar a certas lógicas de barbárie que nos mostram que o único caminho é colaborar? Para finalizar, fica uma pergunta, mais uma: por qual motivo nossas escolas não incluem a disciplina “Holocausto”? Não seria porque, como mostra Jurassic World, a melhor maneira de não se incitar a revolta é evitando a comunicação? Bom filme. 04/07/2015