Grandes vilões do cinema

GRANDES VILÕES DO CINEMA


Miguel Carqueija



Num episódio daquele maravilhoso seriado, de saudosa memória (nem é mais reprisado na tv, nem editado em vídeo ou DVD), a “Disneylândia”, Walt Disney falou sobre os seus vilões. “Apresentado” pelo “escravo do espelho” (de “Branca de Neve e os sete anões”), o programa mostrou a importância dos vilões, indispensáveis para dar trabalho e motivação aos heróis.
Irônico, o escravo do espelho (uma sinistra figura da qual só se via o rosto, entre nuvens de fumo que voluteavam para cima) abordou o caso do Capitão Gancho. Trechos do desenho “Peter Pan” foram passando enquanto o narrador frisava as dificuldades do vilão que, no entanto, se esforçava ao máximo. Para início de conversa, Gancho não voava como seu adversário Peter Pan, tipo de herói atípico, galhofeiro e desrespeitoso. Sem uma fadinha para ajudá-lo, contando apenas com seus recursos naturais (incluída aí uma tripulação de piratas estúpidos) o Capitão Gancho sofria do princípio ao fim, inclusive perdera uma das mãos, decepada por Peter, que ainda por cima dera o membro de comer a um crocodilo – que gostara tanto da “iguaria” que agora vivia secando o navio de gancho, atento a uma chance de devorar o “resto”.
Eu penso em como certos vilões caíram no agrado dos espectadores, que muitas vezes se descobrem torcendo por eles. Um caso exemplar é o do tenebroso Dr. Hannibal Lecter, celebrizado no filme “O silêncio dos inocentes” (onde Roger Corman faz uma ponta), magnificamente interpretado por Anthony Hopkins.
Lecter era um psiquiatra canibal, mas de algum modo a sua personalidade requintada termina fascinando os espectadores, também com certeza por fornecer, de sua cela de onde só sai com uma máscara especial, as necessárias dicas para que a jovem estagiária do FBI (vivida por Jodie Foster) localize o “serial killer” e salve a garota seqüestrada. Este assassino serial, sim, é que não atrai a mínima simpatia, é o “boi de piranha” da história onde brilham a heroína e o vilão.
Um eterno vilão, dotado de grande charme, é o Dr. Fu Manchu, o diabólico cientista chinês e líder da organização secreta conhecida como Si-Fan. Com seu bigode e seu rosto impassível, Fu Manchu é o sábio louco que, com suas invenções bélicas, está sempre ameaçando a estabilidade do mundo, que ele deseja dominar. Ainda por cima Fu Manchu é relativamente imortal, pois descobriu a poção da longevidade. Contra ele bate-se, num combate evidentemente desigual, o Inspetor Nayland Schmidt, da Scotland Yard, que não possui os poderes e conhecimentos do vilão e sim, apenas, a honestidade, a determinação e a coragem a toda prova. Fu Manchu foi criado na literatura por Sax Rohmer, mas ganhou um grande número de adaptações cinematográficas. Nos anos 60 o grande Christopher Lee interpretou-o com brilhantismo, numa série produzida por Harry Alan Towers, o Roger Corman britânico.
Darth Vader, hoje em dia, não poderia faltar na lista. Não é um caso típico. Vader – Anakyn Skywalker – é vilão e herói, até uma espécie de messias. Como sabem os fãs de “Star Wars”, de início Anakyn é o garoto escravo, aparentemente nascido de mãe virgem, dotado de grandes poderes latentes e destinado a se tornar um “jedi” – um guerreiro da luz – e a combater o reino do mal, representado pelos “Sith”, membros do “lado negro da Força”. Anakyn, acaba se corrompendo, torna-se o temível Lord Negro e muito depois, ao enfrentar o filho Lucky, volta atrás e termina como herói. Aquela máscara horrorosa, negra e inteiriça, compondo uma aparição ameaçadora, calou fundo no imaginário do grande público. Terá sido um dos grandes charmes da série produzida e em grande parte dirigida por George Lucas.
Não posso esquecer Malévola, a grande e poderosa bruxa de “Sleeping Beauty”, maravilhoso desenho animado de longa-metragem que Walt Disney produziu em 1959 e que pode ser considerado o ápice de sua longa carreira.
Malévola não era uma vilã comum. Hierática, segura de si, carregada de dignidade, era uma figura marcante e inesquecível. Seu grande poder e sua crueldade requintada a tornam uma antagonista de primeira classe, muito mais poderosa que as três fadinhas ingênuas e voadoras, não as figuras habituais de fadas, em forma de jovenzinhas, mas três senhoras gorduchas e nada impressionantes, que ainda por cima se desentendem no uso de seus poderes mágicos. Parecem muito simplórias para enfrentar uma adversária da envergadura de Malévola, que consegue manter um plano maquiavélico por 16 longos anos até triunfar aparentemente quando a princesa Aurora finalmente espeta o dedo na agulha de fiar e cai sob o encanto do sono.
É claro que a história não termina assim e o Príncipe Felipe, incentivado pelas três fadas, parte para o resgate da sua amada. A vilã, porém, é exemplar, bem como o seu vilão auxiliar, um corvo matreiro.
Drácula, criado pelo romancista Bram Stocker, é o modelo do vampiro, do ser das trevas. Nas ocasiões em que vampiros foram de alguma forma humanizados, tal recurso pareceu inconvincente. Tradicionalmente o vampiro não é apenas mal; é demoníaco e blasfemo.
Mania do cinema, o vampiro costuma apresentar alguns aspectos bem característicos. Não morre de velhice, dispõe de poderes sobre-humanos, porém convive com certas fragilidades: não suporta alho, ou a visão do crucifixo, não encara a luz solar, e durante o dia deve dormir na terra de seu país, mesmo que, no estrangeiro, deva transportá-la num caixão.
Apesar disso Drácula, inspirado no Príncipe Vlad da Romênia, é geralmente apresentado como um tipo sedutor e elegante, e nas telas foi interpretado por atores como Bela Lugosi e Christopher Lee.
Entre os grandes vilões da história do cinema já não podemos esquecer Voldemort, o grande antagonista do bruxinho Harry Potter. Voldemort, o “você sabe quem”, aquele que não deve ser mencionado (ou pelo menos inspira em muitos essa espécie de terror) é um feiticeiro do mal, meio morto e que busca com determinação reviver o seu antigo poder e destruir Potter que, por algum meio misterioso, mesmo sendo um bebê o havia derrotado.
A figura minaz, perversa e infame de Voldemort perpassa por toda a história. Ele é o adversário ideal, o gênio do mal, com quem o herói não pode ter nenhum entendimento. A amizade que une solidamente Potter, Hermione e
Rony é, primeiramente, uma aliança de forças contra a aliança maligna.
Quero ainda lembrar o Canceroso, o sinistro personagem que atormentou Fox Mulder e Dana Scully em inúmeros episódios do “Arquivo X” e inclusive no filme de longa-metragem da série. Sempre fumando o seu cigarro fumacento, cínico e arrogante, o Canceroso representa o sistema, a iniqüidade, as forças ocultas, a teoria da conspiração. Ele age em nome de poderes impassíveis e quase irremovíveis, oriundos das regiões subterrâneas do Estado. É o guardião dos segredos oficiais, e opera com um poder resguardado e garantido pelas próprias forças ocultas do Estado. Mulder e Scully querem a verdade sobre a presença alienígena em nosso planeta; esta verdade é proibida e censurada e procura-la significa um ato de temeridade. A luta contra esse inimigo é desigual, e “Arquivo X” é uma das séries mais tensas já realizadas.
Existem também os vilões cômicos. Um verdadeiro bufão é o Dr. Zachary Smith, do seriado “Lost in space’, produzido por Irwin Allen nos anos 60. Smith sempre atrapalhava a vida da Família Robinson mas apesar de tudo era adorado pelos espectadores, especialmente pelas crianças. Sempre armando para se dar bem e fingindo ser muito bonzinho, tinha sempre na ponta da língua a frase, absolutamente mentirosa: “Nada tema! Com Smith não há problema!”
Já os antagonistas do Batman nem sempre são tão caricatos assim, mas no seriado da década de 60 – contemporâneo de “Perdidos no espaço” — eles eram ridículos. O Pingüim (que grasnava), o Coringa, o Charada, a Mulher Gato, o Senhor Frio, o Rei Tut, o Cabeça de Ovo, entre outros, viviam infernizando Gotham City e somente Batman e Robin (e a partir de certa altura da série, também a Batgirl) podiam dar jeito. Geralmente cada caso era contado em dois episódios e no primeiro os vilões levavam a melhor, mas o Cruzado de Capa virava o jogo no segundo episódio.
E agora resta falar de Lex Luthor, o eterno adversário do Super-Homem. Estamos diante de um vilão que mudou muito com o passar do tempo. Nos velhos quadrinhos que saíam no jornal “O Globo” nos anos 50 e 60 Luthor era apenas um cientista louco, perverso e genial, meio velho e desprovido de quadrilhas ou recursos conhecidos. Era obcecado pela idéia de dominar o mundo e para tanto estava sempre inventando alguma arma mirabolante que pudesse inclusive derrotar o Super-Homem. Terminava sempre na cadeia, de onde depois fugia para prosseguir em sua guerra inglória contra o Homem de Aço.
Com o tempo Luthor foi reciclado: passou a ser um plutocrata, uma espécie de dono extra-oficial de Metrópolis, tido como benfeitor, como uma pessoa altamente respeitável. No seriado “Smallville”, ainda em desenvolvimento, a evolução de Luthor chega a ser revolucionária: ganhou um pai tão ou mais perverso que ele, tornou-se jovem e até, durante algum tempo, grande amigo de Clark Kent; um homem sutil e até dotado de sentimentos nobres – pelo menos no início da série. Só muito lentamente ele vai se tornando o grande inimigo de Kent, que até agora (nos episódios que chegaram ao Brasil até 2008) não resolveu se tornar o Super-Homem.
E note-se que Luthor se tornou muito mais interessante que Clark Kent. Razão tinha Walt Disney naquele citado episódio da Disneylândia, em que exaltou o papel dos vilões...