Somos iguais agora (publicado originalmente em 3/4/2012)

Ver um ídolo em carne e osso é um dos momentos mais significativos na vida de alguém. Ali, parado, presta-se atenção nos mínimos movimentos. Como ele gesticula com as mãos, como dobra as pernas para apoiar o violão e o reles instante de levar o copo d’água à boca. Foi desta forma a minha experiência com Chico Buarque de Hollanda. Assisti ao show em São Paulo da turnê ‘Chico’ e tenho a impressão de não conseguir passar para o papel o que foi este espetáculo. Mas, eu prometo, tentarei.

Quando o locutor anunciou ‘... e com vocês, Chico’ o HSBC Brasil explodiu em palmas, gritos de ‘lindo!’ e assovios. Ele entrou com os seus passinhos ligeiros. Foi direto ao microfone. ‘Boa Noite. Muito obrigado, São Paulo’, e Chico resumiu o seu contato com o público. Ainda teria uns dois outros e só. Ao ver um ícone sempre penso em seu passado. Assim, estava a poucos metros de distância do feitor de ‘Roda Viva’, ‘Atrás da Porta’, ‘A Banda’, ‘Geni e o Zeppelin’, e, é claro, do hino do Politeama.

‘Aquele cara um dia sabe-se lá de que maneira, com que lápis ou caneta, numa folha de sulfite ou almaço, escreveu essas maravilhas todas’, meus pensamentos fluíam. ‘Esse cara estava na Record, naqueles festivais dos anos 60! E com 21, 22 anos!’, segui matutando. ‘E agora estou vendo ele aqui, na minha frente’, a ficha emperrava e não caía. Depois de uns minutos, caiu. E na medida em que o show andava, a tão propalada timidez de Chico foi se desmoronando. Ele primeiro, o público depois.

Daí aconteceu o delírio número um: ele cantou ‘Bastidores’. Tenho comigo que as pessoas o queriam para ouvir músicas estouradas, os sucessões. As do CD novo também eram apreciadas, mas sem a mesma importância dessas outras. Mais aplausos, calor, berros de ‘eu te amo!’, sob os quais o sr. Buarque apenas assentia com a cabeça, dava um risinho frouxo, por que acanhado. Na metade do show, pulou ‘Valsa Brasileira’. ‘A voz está falhando. Domingo é fogo’, desculpou-se. E nem precisava.

Sempre considerei mais a vida do que a obra do artista. Destes flashes históricos que citei, os festivais etc, têm muito a dizer sobre Chico. O seu exílio na Itália, Marieta Severo, o parceiro Vinícius de Moraes, seu contato com Pixinguinha e Manuel Bandeira, tudo isto o envolve como um embrulho de presente: e o resultado da obra Francisco Buarque de Hollanda é esplêndido. E nem falei de seus livros, poemas, e somente por cima citei o Politeama. Ele, igualmente, tinha ídolo: Pagão, craque do Santos de Pelé (apesar de ser Fluminense). Então em 84 Pagão visita Chico e este, maravilhado, bate bola com o jogador. Isto quer dizer que (oh!) o sr. Buarque é como a gente, para nosso grande alívio.

Daí veio o delírio número dois: ele cantou ‘Geni’, uma das que nunca antes cantara em shows. A plateia em peso jogou pedra naquela mulher que dava pra qualquer um e era boa de cuspir. O jogo de luzes do cenário, tão comentado quando a música era entoada, realmente é contagiante e segue o ritmo do refrão, levando-se em consideração o nível da atração e a audácia de Chico em querer algo deste tamanho. A banda, capitaneada por Wilson das Neves e Bia Paes Leme, dava show nos acordes.

Um tostão de ‘Cálice’ deu o gosto de quero mais e no final foi o suficiente para trazer Chico de volta, em dois bises. No último, a boca do palco já estava tomada pelos fãs, que queriam resvalar nas mãos que um dia escreveram ‘Meu Caro Amigo’ e ‘Vai Passar’. Vestido todo de preto – talvez quisesse ressaltar seus olhões azuis, vai saber – Chico percorreu as beiradas para satisfazer o desejo dos seus adoradores, numa cena até engraçada. Depois, acenou pra todo mundo, se virou o foi embora. Quase 90 minutos de aclamação, lágrimas, brilhos dos flashes das máquinas fotográficas, sorrisos, cantoria.

Estávamos lá para vê-lo cantar. Mesmo assim pode haver gente indagando: ‘Ele mal chegou e já saiu, nem falou conosco. Só cantou.’ Este ‘só cantou’, considere-se, é das maiores heresias da face da Terra. Vimos Chico cantar, tal como quem estava no auditório da Record em 66 o viu com o MPB 4 e Nara Leão. Somos iguais a essas pessoas agora, sem quaisquer diferenças sobre Chico Buarque.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 04/04/2012
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