Sócrates, o Brasileiro (publicado em 6/12/2011)

Não vi Sócrates jogar no meu Corinthians e tampouco na seleção brasileira. Ele parou de jogar em 1989. Eu tinha sete anos só e nem me interessava por futebol ainda. Ainda. Por isto, a primeira imagem dele era dos vídeos do antigo programa da TV Cultura, o ‘Grandes Momentos do Esporte’, no começo dos anos 90. Os toques de calcanhar eram os que mais me interessavam. Pensava: como ele consegue jogar apenas dando esses passes de costas? Claro, na minha visão de 9, 10 anos, Sócrates jogava de costas, vejam vocês. Santa ingenuidade de quem também nem sabia que o nome do atleta era igual a de um pensador grego que estudaria somente anos depois.

Mais tarde descobri que atleta era o que ele não era.

Formado em medicina, gostava dos goles da cerveja, do vinho. O famoso bom vivant que o Brasil tinha formado nascera em Belém, no Pará. Estreou no esporte bretão no início da década de 1970 no Botafogo de Ribeirão Preto. Passou por Santos, Flamengo, Fiorentina, porém foi o Corinthians seu principal palco, onde os calcanhares brilharam melhor. Atuou 6 anos ali. Mesmo tendo conquistado ‘apenas’ três títulos paulistas, o que na época valia, ficou insatisfeito. Porém, não com a falta de troféus, mas com a situação política nacional. Em 1984 foi embora à Fiorentina porque o Congresso tinha rejeitado a emenda Dante de Oliveira, e o Brasil naquele ano não teria eleições diretas para presidente.

Pra mim, Sócrates representou sempre a certeza, jamais a dúvida. Era coerente, humano e, sobretudo, categórico. Tinha opiniões sossegadas que atingiam em cheio os cartolões do nosso ludopédio. Nesses últimos tempos, no Cartão Verde da igualmente certeira TV Cultura, tinha no programa seu novo palanque e expunha suas ideias da maneira mais médica possível: fria. Seja na campanha das Diretas Já, ao lado de Osmar Santos, Fafá de Belém, ou na Itália, onde quando se reunia com colegas no Partido Comunista da terra da bota, ou quando se lançou como sendo o anticandidato à presidência da CBF, Sócrates provou a que veio: debater o melhor pro Brasil.

É sempre bom lembrar que o Doutor, como era chamado, ou Magrão, jogou duas Copas do Mundo: 1982 e 1986. Nesta primeira, misturou-se com estrelas craques como Zico, Falcão e Toninho Cerezo em uma equipe comandada por Telê Santana que muitos até hoje consideram o melhor time do Brasil de todos os Mundiais, até dos que levantaram a taça. Não ter conquistado uma Copa, entretanto, jamais manchou sua trajetória como cidadão. Sócrates, o nosso pensador.

Como escrevi no começo, não vi Sócrates jogar, mas o considerava, e o considero, ídolo maior do Corinthians do que Neto, o meu ídolo do Timão, que ganhou um título brasileiro. Com o nome de um barão de Roterdã, elástico como passes de calcanhar, Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira deixa um legado que, em minha opinião, demorará muito para ser ultrapassado, isto se for algum dia. Até como cantor ele se arriscou, ao lado de Toquinho, claro, cantando cores de seu clube do coração. ‘Ser corinthiano é ir além de ser ou não ser o primeiro, ser corinthiano é ser também um pouco mais brasileiro’ ele entoava ao som do violão do cantor.

E não será só por comemorar os seus gols com o braço erguido e punho cerrado que ele ficará lembrado, mas como o Sócrates leitor, o homem de opinião, defensor do Brasil e de todos nós também. O nosso Sócrates não era e nunca será o grego, porém, isso sim, o eterno brasileiro.

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Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 06/12/2011
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