'O sistema é f...' (publicado originalmente em 12/10/2010)

Fui e ainda sou fã de ‘Tropa de Elite’ (2007). E por causa do Capitão Nascimento, encarnado pelo Wagner Moura. Talvez se José Padilha optasse por outro ator, o brilho do longa seria bem menor. Há três anos, o roteiro explicitava claramente que os protagonistas seriam o explosivo Neto (Caio Junqueira) e o sereno Matias (André Ramiro). Capitão Nascimento era um enfeite de luxo, coadjuvando a dupla. Depois duma conversa, resolveu-se que o personagem de Moura seria o centralizador da trama, movimentando os de Junqueira e Ramiro. Deu certo. Aliás, muito. Alvo de polêmicas e pirataria, a fita mostrou a fina e a vã violência dos morros do Rio, a corrupção de policiais e os perigos dos traficantes, além dos processos de tortura do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais), do qual o Capitão Nascimento era seu líder.

‘Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro’ estreou sob alarde dia 5 de outubro em Paulínia, numa única sala, para plateia repleta com a equipe de produção, jornalistas e críticos. É o triunfo da vontade de Padilha. Cuidou-se para que cópias criminosas não perambulassem por aí, como ocorreu com o primeiro. O roteiro foi filmado integralmente, página por página, foto por foto, o que é raro de acontecer no cinema (em 2007, para se ter ideia, teve o comum: o script foi alterado a esmo). E o espectador se impressionará com a interpretação de Moura. O filme é dele. O Coronel Nascimento é a película. Em 2010, de cabelos grisalhos, trabalha na Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro, está divorciado e com filho adolescente.

Desta vez, os rivais não são os traficantes, maconheiros, no linguajar do personagem de Moura. São as mílicias, grupos de policiais que se infiltram nas favelas para 'comandá-la', conseguindo, assim, grana alta por meio da corrupção. Nascimento tarda a enxergar o novo bandido, mas seus olhos abrem a tempo.

Bráulio Mantovani e José Padilha tiveram sangue frio para atropelar com o roteiro, envolvendo os políticos, partidos, TV, jornalistas. Um tremendo de um script. O melhor que vi do cinema tupiniquim nos últimos tempos. A narração de Nascimento é cáustica, provocativa, danosa para os errados e de alívio aos que aguardam o final da maldade no Brasil. Aliás, desde que o primeiro 'Tropa' estreou, o então Capitão Nascimento tem tido ares de Super-Homem dos trópicos. A gente esmurra os vilões e malfeitores com as mãos, a força, a revolta e o ódio dele. Os olhos fervem de desesperança nestes instantes. Dá medo.

Moura teve a brilhante interpretação graças, também, além do talento inegável, de Fátima Toledo. É a preparadora de elenco, que, dentre outros trabalhos, coordenou atores do filme 'Cidade de Deus' (2004).

No elenco, de volta, o ótimo André Ribeiro resgata o 'aspira' André Matias. André Mattos dá vida a um apresentador fajuto que ajuda os traficantes. E tem governador, secretário de Segurança, dinheiro etc.

Saí da sala de exibição respirando ofegantemente. E satisfeito. De alguma forma, Nascimento dá o tapa que o 'sistema' merece. Como ele diz, “o sistema é f...”. De fato. E o que chama de 'sistema'? Você se surpreenderá (será?) com a resposta. Das perdas e ganhos, quem vence é o cinema brasileiro. Ainda bem.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 13/10/2010
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