Sobre Ledger e seu Coringa (publicado originalmente em 21/8/2008)

Adiei o máximo que pude para ver ‘Batman: O Cavaleiro das Trevas’ (2008). A fita estreou em 18 de julho. Fui assisti-la sexta passada, 15 de agosto, quatro semanas após o lançamento. A intenção da demora era simples: ler e ver tudo o que escreveram e disseram sobre o ator Heath Ledger, morto em 22 de janeiro deste ano, 62 dias depois do encerramento das filmagens. O Coringa sob seu legado está como os vários artigos e reportagens acerca dele: excepcional, impagável, aterrorizante, temível, sombrio etc. Concordei com a maioria dos comentários, exceto um, talvez o principal: Ledger, com esta interpretação, ‘eternizou’ o personagem e, assim sendo, varreu para debaixo do tapete o Coringa de Jack Nicholson em ‘Batman’ (1989). Esta afirmação, alastrada nos quatro cantos do mundo, está errada. Minha impressão é de confusão. O roteiro de 2008 é, este sim, infinitamente melhor do de 19 anos atrás. É irrefutável. Porém, a interpretação de Nicholson se sobrepõe à de Heath Ledger. Ponto.

Aos 28 anos, Ledger, indicado ao prêmio de ator por seu papel homossexual em ‘O Segredo de Brokeback Mountain’ (2005), aceitou rodar o longa do homem-morcego em 2006. Na composição do Coringa, trancou-se em um quarto de hotel a fim de treinar voz, tiques, andar e falar da figura bizarra do palhaço sinistro. Manteve um diário sobre os pensamentos do Coringa para se ter idéia do quanto se embrenhou neste que seria seu derradeiro trabalho. E, de fato, na telona o ator dá show. O Coringa dele caminha com os ombros tortos, move a língua freneticamente ao falar (quis dar a impressão de certo incômodo com cicatrizes da boca) e a caracterização é de assustar, com os cabelos ensebados, maquiagem totalmente borrada e batom do mesmo jeito, além, é claro, dos dentes amarelíssimos. O diretor Christopher Nolan conseguiu, parece, extrair toda a força de Ledger ali. A conseqüência seria a morte dele, pois nada mais ultrapassaria aquela obra-prima. Sem dúvida, o ator estava endiabrado.

Todavia, nem tanto. Comparemo-lo com o outro Coringa. À época aos 51 anos, Jack Nicholson hesitou o quanto pôde até entrar em acordo com Tim Burton, diretor da trama, e encarnar o papel. As exigências foram muitas, como a inédita participação em bilheteria, o que lhe rendeu mais de US$ 50 milhões. Em cena, contornou a ingênua infantilidade do script unicamente com sua presença. Sempre nas entradas das seqüências, o astro é ele, exclusivo. Passa por cima dos supostos coadjuvantes Kim Basinger, Michael Keaton (que fez ‘só’ o Batman), Jack Palance, enfim, não tem dó de ninguém e os massacra. Há, ademais, elegância extrema seja na sua pintura facial como nos figurinos. Seu Coringa é amante das artes também... Está mais encorpado. Heath Ledger, analiso, seria o filho mais rebelde dele. Aquele que se impõe por querer aparecer. Frase que, aliás, este Coringa novo diz a Batman: “O que seria de mim sem você? E o que seria de você sem mim? Não te mato porque você me diverte...”

Senti, sincera e honestamente, ligação nos formadores de opinião entre Ledger ter falecido tão jovem, com tanto a produzir, e a atuação em ‘Batman’. “Deve-se presenteá-lo com o Oscar póstumo” foi uma das bobagens ditas. A indicação dele a ator principal seria justa, mas teríamos de avaliar os outros e ver quem está melhor. Não é por sua morte trágica (a overdose acidental de remédios) que o termômetro funciona. Existem qualidades, as quais ele possui aos magotes. Nada de pesares. É óbvio que foi um fantástico ator, determinado e seguro de si. Paremos aí. As missas a ele cessaram a tempo. Nicholson desenvolveu Coringa com mais requinte, correção. A película de 89 é menos perfeita que a de 2008, mas aprendamos a separar as coisas, por favor. Nicholson é Nicholson, Ledger é Ledger.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 15/09/2009
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