Claustrofobia pura (publicado originalmente em 18/12/2004)

Falta de ar. Quatro paredes sem uma janela sequer. Ao olhar para os lados, não se vê saídas. O espaço parece diminuir a cada minuto. Quando há várias pessoas no local, a situação tende a piorar mais ainda. Essas manifestações de mal-estar são as características principais da claustrofobia, medo mórbido de permanecer em lugares fechados que atinge razoável porcentagem da população mundial. Esses sintomas podem levar a pessoa a desenvolver outros tipos de enfermidades, como o transtorno obsessivo-compulsivo, chamado pelos especialistas de TOC. No Brasil, esta “doença” tornou-se mais conhecida depois que a atriz Luciana Vendramini veio a público e confessou ter passado um bom tempo da vida dela com isso. Mais recentemente, o cantor Roberto Carlos admitiu, em entrevista à revista Veja, que faz tratamento para se livrar de algumas manias. Três filmes (um de 2002 e dois de 2004) enfocam muito bem não o incomodo em si, parasitando em personagens, mas sim a sensação desagradável desta ansiedade : “Quarto do Pânico”, “Mar Aberto” e “Celular: Um Grito de Socorro”.

No primeiro existe algo que tenta fazer lembrar de Alfred Hitchcock. Só tenta. A trama envolve mãe e filha que desejam comprar nova casa para começar uma vida diferente. A dupla encontra sem demora a moradia perfeita: ampla, confortável, com resquícios da antigüidade. Há nela um local não tanto explorado pelos antigos proprietários: um quarto completamente com paredes de aço onde estão o cofre e outros demasiados segredos da casa. A porta dele se abre com simples toques. Porém, fica praticamente impossível entrar nele senão por estes meros movimentos. As duas compram a casa. Mas o sossego é interrompido logo nos dias iniciais após a mudança. Um grupo de ladrões invade a mansão para recuperar papéis de ações que valem milhões de dólares. O bando é liderado por um ex-empregado da casa, que ajudou a construir o tal “quarto do pânico” quando os últimos moradores ainda estavam lá. Numa determinada madrugada, os ladrões arrombam a porta do “castelo”. A mãe, Meg Altman (Jodie Foster, em interpretação impecável), percebe, acorda a filha e a película começa.

Sarah Altman (Kristen Stewart, nas filmagens com 12 anos), a rebenta pré-adolescente, sempre às discussões com Meg, entende pouco a realidade. Tem asma. Precisa tomar remédios que servem para controlar isto (você já deve supor o que ocorrerá quando ambas ficarem algum tempo presas naquele quadrado fechado). Dentro do quarto de aço, onde estão também televisões responsáveis por monitorar a casa toda (cercada com câmeras escondidas), elas observam os andares dos gatunos. No panic room, ainda existe um microfone para a comunicação com quem está do lado de fora. Instantes de arrepiar. O público sente a não-presença de oxigênio junto com Sarah. A direção de David Fincher (anteriormente havia comandado trabalhos menores) é avassaladora. As rodadas da câmera lembram (eu escrevi “lembram”) “Um Corpo que Cai” (1958) e os efeitos especiais, quando entram dentro de fios, por exemplo, são bastante criativos. E vale a pena conferir por Jodie. Após atuar em “O Silêncio dos Inocentes” (1991), ela deixou de fazer bons papéis até se reencontrar profissionalmente neste.

“Mar Aberto” gerou filas de controvérsias e polêmicas porque a metade de quem o assistiu não gostou do fim e os demais 50% adoraram. Trata-se de uma história real onde um casal que estava a procura de férias há anos as consegue finalmente e decidem ir para a praia. Lá discutem a relação que anda meio desfigurada. Em um desses passeios coletivos, embarcam para mergulhar em alto mar e entrar em contato com seres aquáticos. Só que a guia do divertimento os esquece no meio do nada, longe de tudo. É curioso, pois apesar dos dois estarem naquela imensidão de água salgada, esse não-conseguir sair dali dá o estalo de minúsculos pontos. Eles só têm ali para olhar ao redor. Como vão poder nadar até qualquer lugar, se nem sabem onde estão? Filmado com câmera digital (inovação ao cinema), com baixíssimo orçamento (130 mil dólares, pouco até mesmo para padrões brasileiros), e atores desconhecidos (Daniel Travis e Blanchard Ryan, os casados), a fita teve magnífica bilheteria. Arrecadou milhões de dólares e fez o diretor Chris Kentis multiplicar seu dinheiro sem nada cansar.

Kentis filmou num mar certo e contou com a “participação” de tubarões de verdade. Com só 1h19 de duração, a película deu o que falar. É evidente que não contarei o desfecho do roteiro aqui, mas quem tiver imaginação rasa pode acertar qual destino do marido e da esposa (que, aliás, aparece nua numa das passagens e exibe alta boa forma). Além dos protagonistas, mais seis atores estão no filme. Basta. Para poucos minutos, poucos atores. Foi o longa-metragem número um de Travis e o oitavo de Ryan. Estelle Lau, uma das atrizes, exerceu também a função de produtora. Gravaram tudo no Caribe e a repercussão não poderia ser melhor. O “ouvir falar” valeu mais pelo enredo em si. Uns iam aos cinemas para comprovar de detestariam ou aplaudiriam. Os outros eram por bisbilhotice de fato. No meio do mar, Daniel e Susan vão novamente discutir a relação. “Porque você não disse isso então?”, “Está cansado de mim?” são questões corriqueiras. O estresse chega, as lágrimas idem, e, claro, o desespero, principalmente quando a noite vem acompanhada de raios e trovões assustadores.

Com “Celular: Um Grito de Socorro” os elogios vieram acompanhados de bom humor. Do mesmo roteirista de “Por um Fio” (2003, que se passa no interior de uma cabine telefônica – doses extras de claustrofobia...), o filme possui Kim Basinger (agora cinqüentona) como astro. Ela é Jessica Martin, professora seqüestrada nas seqüências do começo da fita. Jogada no sótão imundo, tenta de qualquer maneira conseguir unir fios e ligar de um telefone despedaçado. Ao conseguir, quem atende num orelhão é Ryan (Chris Evans), surfista boa-praça que no primeiro momento acha aquilo tudo um trote de mau gosto. Jessica implora seu salvamento e o rapaz bronzeado acredita na mulher. Daí em diante é o pontapé para aventuras confusas sediadas nas ruas de Los Angeles. Dirigida por David R. Elis, “Celular: Um Grito de Socorro” pode exagerar em certas coisas, mas contrabalanceia isto com salpicadas de cenas engraçadas. É a professora em perigo. Quem não gostaria de salvar Kim Basinger e levá-la no colo? Nada de puritanismos por aqui. O surfista, nos seus delírios, deve saber com quem está falando. Ah, deve...

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 14/06/2009
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