Qualquer semelhança pode ser mera coincidência (publicado originalmente em 10/11/2004)

Dois filmes lançados recentemente, se esmiuçarmos direito, sem maltratar qualquer dos lados, pois são dois belos longas-metragens, formariam um belo casal. Ambos têm boa qualidade, ficaram entre os mais elogiados pela crítica nos seus respectivos anos, contabilizaram algumas indicações ao Oscar e contaram com estrelas hollywoodianas. “O Informante” (1999) e “Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento” (2000) possuem protagonistas distintos, mas unidos em igual ideal: ganhar certos processos movidos contra empresas multinacionais fortes e bilionárias. Na fita de cinco anos atrás, o então desconhecido Russel Crowe (ele havia estado em “Los Angeles – Cidade Proibida”, de 1998, e na festa da Academia o citaram apenas como “um ator australiano” – Crowe nasceu na Austrália de fato...) interpretou o ex-empregado de determinada empresa de tabaco, esta responsável por colocar nos cigarros que vendia quantidades a mais de nicotina para viciar depressa seus consumidores. Estas informações caem nas mãos de Al Pacino, aqui o jornalista do programa de TV 60 Minutes. Bombas.

Na época com 35 anos, Russel foi envelhecido para o papel. Apareceu de cabelos grisalhos, ou quase brancos, aparentando ares cansados de 45, 50 anos. O aspecto desleixado do ator foi retirado e, no lugar, acrescentaram ternos e gravatas. Após ser demitido da tal produtora de cigarros, depara-se com outra realidade: não pode mais dar do bom e do melhor à família (tem dois filhos pequenos), já que o salário cheio de zeros que recebia lhe é cortado. Soma-se a isso ameaças e intimidações vindas da fornecedora processada, a qual não quer ver seu nome afundado na lama. Nesta conta ainda cabe as pressões do personagem de Pacino para que o desempregado químico dê entrevistas exclusivas ao programa cujo produtor é o jornalista. São frases rancorosas, aflitas e medrosas. As denúncias contra a multinacional invadem os jornais, o “delator” Russel concede as entrevistas, mas, como a emissora está presa à rede de tabacaria, através de contratos assinados, o 60 Minutes terá de ser editado, este o maior receio de Al. As lições do bom periodista manam, deságuam. Podem ser listadas e apreciadas.

Agora, troque as figuras. No lugar da tabacaria milionária, outra grande corporação, desta vez ligada a eletricidade. Ao invés do jornalista e do ex-empregado, o veterano advogado (Albert Finney) e uma jovem de trinta e poucos anos, com três filhos e separada do segundo marido (Julia Roberts). O resultado desta multiplicação repartida está em “Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento”. Julia deteve o papel-título, baseado em fatos reais. Atuou esplendorosamente. Desempregada, Erin procura obstinadamente um trabalho. Está sem renda, sua conta bancária somente é visitada por moscas e os azares teimam em não cessar. Consegue salário numa firma de advocacia, onde, exercendo a função de arquivista, encontra documentos comprometedores sobre contaminações de cromo-6 em famílias de uma cidadezinha dos Estados Unidos. Seu chefe, Ed Masry, o advogado setentão, decide ajudá-la a dar assistência àquelas pessoas desamparadas, atingidas e adoentadas devido à substância, que as deixou com canceres, tumores, dores de cabeça, provocaram abortos etc. Inicia-se a vagarosa batalha.

Erin Brockovich é dura na queda. Aceitar “nãos” como resposta nunca acontece para ela. Seus objetivos são claros: dar respaldo aos necessitados do município atingido pelo produto e contribuir na educação dos filhos, através dos salários. Os métodos dela para alcançar as metas são práticos: por exemplo, quando Erin vai ao arquivo dos registros de águas, exibe um atraente decote ao funcionário e lhe joga insinuações provocativas, do tipo “não estou mais casada” ou “sua calça é muito bonita”, para que, assim ele a deixe entrar e mexer nos papéis antigos. Tal como Russel Crowe, ela também recebe bravatas. Seu mais novo namorado implora para que ela amasse e atire seu emprego no lixo, mas isso a senhora Brockovich não faz. E ele vai embora. Albert Finney está particularmente bem no corpo do “Mr. Leis”. Seus gestos impulsivos, sua voz gutural e a aparência rechonchuda lhe dão mais que personalidade: status de saber o que está fazendo. O caso é concluído da maneira esperada: são 333 milhões de dólares de indenizações para os vitimados, com 2,5 milhões entregues direto a Erin.

No Oscar, tanto “O Informante” quanto “Erin Brockovich” correram na categoria melhor filme do ano. Perderam para o indigesto “Beleza Americana” (1999 – como puderam dar a estatueta para Kevin Spacey?) e “Gladiador” (2000, esse sim, não tinha como reverter a situação), respectivamente. Crowe, no quesito ator, viu seu objeto dourado lhe escapar das mãos para o citado e estapafúrdico Kevin. Para Julia, ao contrário, a recompensa veio, depois dela ter duelado em 1990 por “Uma Linda Mulher” e dois anos antes, como coadjuvante, por “Ligações Perigosas”. Russel ganharia junto com Julia na festa de 2000, quando encarnou Maximus, o gladiador, e estaria também em 2001, desta vez pelo seu trabalho “Uma Mente Brilhante”. Na direção, Michael Mann (responsável pela fita de 1999) perdeu para Sam Mendes (“Beleza Americana”) e Steven Soderbergh (Erin) foi derrotado pelos pós de “Traffic” (2000). Não há como negar que as duas películas se enlaçam perfeitamente, como o par notável guardado dentro da mesma caixa de presentes. Erin e o informante: feitos um para o outro?

Nem tanto. Tanto Julia quanto Russel brotaram para o campo da calçada da fama unidos. Nos lançamentos dos dois filmes, a repercussão de seus papéis foram unânimes. De um lado, a mulher de talento Erin. Do outro, o intensivo químico atormentado por saber demais. “Erin Brockovich” e “O Informante” fecharam a década de 1990 com chave de ouro. O desprezo por fitas como a citada e não honrosa “Beleza Americana” foram enterradas. A supremacia da dupla permaneceu. Mais do que nunca.

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 06/06/2009
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