A adorável má educação (publicado originalmente em 25/8/2004)

São três personagens. Para precisar mais, três e meio se contar também Verdell, o cachorro. O trio principal, porém, se compõe por Melvin Udall, Carol Connely e Simon Bishop. Talvez, “Melhor é Impossível” (1997) seja a comédia da década de 1990. Ou dos últimos tempos. O caso deste filme, de sete indicações ao Oscar (roteiro, filme, direção, ator, atriz, ator-coadjuvante...), ganhador de duas estatuetas (Jack Nicholson – ator, e Helen Hunt – atriz), está na construção das pessoas que moram no prédio onde a fita quase toda se desenrola. Jack é Udall, escritor de 60 anos possuidor da famosa doença TOC (transtorno obsessivo-compulsivo). Cultiva diversas manias, como não pisar nas linhas das calçadas, ligar e desligar as luzes certo número de vezes, comer sempre no restaurante do centro da cidade etc. Para piorar este quadro, é extremamente grosseiro com quem quer que seja, odeia ser indagado sobre quaisquer assuntos e sua má educação tem reputação conhecida nos cantos da cidade.

Carol (Helen) é garçonete. Figura simples e pacata, trabalha exatamente no mesmo lugar onde Melvin faz suas refeições. E é ela quem tem de atendê-lo. Esbarrando nos 35 anos, sofre com o filho, Spencer. Este é levado a prontos-socorros devido às doenças respiratórias que insistem em não largá-lo. Ela mora em um bairro mediano junto com a mãe, que a ajuda nas despesas da casa. Greg Kinnear faz Simon. Pintor e homossexual, reside no prédio no qual também mora o escritor do TOC. É Simon o dono de Verdell, cão que adora. Promove festas em seu apartamento, especialmente quando alguma exposição dele tem sucesso. Frank Sachs (vivido por Cuba Gooding Junior), amigo do artista, está ao lado dele em todas as horas para defendê-lo. Bishop tem um problema: seus pais o ignoram por causa de sua opção sexual. Expulsaram-no de casa ainda na adolescência. Quer recuperar seu lar e reatar as relações com eles, mas não encontra espaço suficiente para abrir o coração, principalmente o do pai.

As cartas foram jogadas na mesa. São três problemas: as manias de Melvin, as doenças do filho da garçonete e o preconceito com Simon. Os três se envolverão dentro da película a partir dos dois derradeiros quesitos. Dirigido por James L. Brooks e escrito e roteirizado por Mark Andrus, “Melhor é Impossível”, quando foi lançado, agradou a todos (fato dificílimo quando o enredo se baseia em cenas cômicas), tanto aos críticos quanto ao público. Refletiu as preocupações cotidianas do mundo atrapalhado em que vivemos. Iniciando, histórias comuns, as quais podem ocorrer com todos. O que muita gente não esperava era a parceria entre Nicholson e Helen vingar. Ambos deitaram e rolaram nos sets de filmagem. Os 30 anos de diferença entre a dupla não ficou exposta. Jack arredondou suas falas e pôde, através dos movimentos, parecer ter menos idade e contracenar fielmente com Hunt. O filme engrena rapidamente. Adianta marcha quando Bishop apanha de ladrões que invadem sua casa.

Melvin, Carol e Simon vão, juntos, em busca do paradeiro dos pais do pintor, que agora está endividado, praticamente falido. Brooks soube aproveitar bem a situação que tinha na mão e rendeu o máximo que podia dos atores. Deixou Nicholson à vontade para criar em cima do personagem dele e fez Helen Hunt aprender a não ser apenas atriz de televisão (a imensa maioria dos trabalhos da atriz foram em emissoras de TV, nos seriados norte-americanos) e se dedicar aos closes mais perfeitos. O roteiro na ponta da língua dos profissionais fez de “Melhor é Impossível” ser, se me permitem o vil trocadilho, o melhor possível. Numa entrevista à revista Época de dezembro passado, Jack Nicholson afirmou aceitar nos últimos anos trabalhar apenas em películas bem humoradas para rebater angústias provocadas pelos atentados de 11 de setembro de 2001. Deliciou-nos com “Tratamento de Choque” (2002), “As Confissões de Schmidt” (2003) e “Alguém Tem Que Ceder” (2003). Ironias saborosas.

Outros percorreram estradas diferentes. Hunt, por exemplo, pendurou o avental de Carol e foi para os filmes mais emocionantes. Trilhou caminhos doces em “A Corrente do Bem” (1999), além de ter a honra de ser dirigida por Wood Allen em “O Escorpião Escarlate” (2001). Gooding Junior fez mais comédias (fracas). E Kinnear também continuou na sétima arte (participou de um dos episódios do seriado “Friends” pouco tempo atrás). Ponto curioso de “Melhor é Impossível” ficou por conta da classificação das idades em diversos países. Aqui não houve restrições. Já na Argentina, os menores de 13 anos tiveram de ficar de fora das salas de exibição. Na Holanda, 12; Noruega, 11; Áustria, seis; e na Coréia do Sul, 15 (a mais alta entre os pesquisados). As duas horas e vinte minutos de duração da fita revelaram talentos, como Andrus, simultaneamente ao fenômeno “Titanic” (1997), obtiveram sucesso moral. Afundou o navio na festa do Oscar 1998 em categorias importantes, como ator e atriz.

Manias obsessivas, educação revoltante com respostas amargas, preocupação com a respiração dificultosa do filho, a distância e o abandono dos pais, homossexualismo, o amor do cachorro, este dividido entre donos (Melvin e Simon) são temas desta película. O interessante é notar como cada uma destas características são pintadas na fita. Algumas com mais terreno que outras, elas sabem de fato influenciar os espectadores. Jack Nicholson, Helen Hunt e Greg Kinnear, mais Cuba Gooding Jr. e Verdell formaram os passos do estrondoso impacto que causou o filme de James L. Brooks. Voltar à premiação da Academia há seis anos mostra as injustiças. Roteiro e ator-coadjuvante, por exemplo. O brilho de “Melhor é Impossível” permaneceu daí em diante. Comprada pela TV Record, a película tem arrecadado bons índices de audiência. Mas os cortes da emissora paulista desagradam quem sabe das seqüências de cenas. Em algumas ocasiões, o filme fica sem sentido devido a essas tesouradas.

Estabelecida as normas, assistir a fita significa colar nos pensamentos das pessoas o sentimento de “se concentrar no ideal central”. Isto fica explicitado na fala final de Udall: "Sei que posso fazer melhor do que isso."

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 30/05/2009
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