Cheiro de pipoca (publicado originalmente em 8/5/2004)

Aos cinco anos, em 1987, pisei pela primeira vez em um cinema. Foi aqui em Jacareí. Assisti a “Ursinhos Carinhosos” (1985), acompanhado, se não me engano, por minha tia. O Cine Rio Branco, no centro, era então o maior e considerado o melhor cinema da cidade. Lembro-me da enorme cortina que cobria a tela gigante e se abria, como acontece nos teatros, e anunciava o espetáculo. Uma recordação boa que me vem neste instante é meu esforço firme para segurar o choro emocionado ocasionado pelo final comovente da história dos ursos. E não chorei de fato.

Quando saí de lá, olhei espantado aquela construção toda. Jamais havia entrado em um lugar tão grande. Claro, compramos pipocas antes de sentar para apreciar tudo aquilo. Posso, sem fazer força, sentir ainda o aroma que só as pipocas das portas dos cinemas têm.

A maior parte da minha infância se passou nos dois cinemas jacareienses, o Rio Branco e o Rosário. Não era freqüentador assíduo, pois uma fita ficava em cartaz durante certo tempo e não iríamos ver duas vezes as mesmas cenas. Ficava ansioso para saber qual seria a próxima atração, mas nunca conseguia descobrir.

Há 17 anos não existia internet e, portanto, o futuro não era exposto de maneira tão clara como acontece hoje. Para averiguar qual enredo entraria no par de salas de Jacareí, tinha de ir até lá ou então telefonar para pedir informação. Entre 1987 e 1996, quando Rio Branco e Rosário foram fechados, assisti a películas genuinamente brasileiras. Refiro-me a Xuxa Meneguel, Sérgio Mallandro, Renato Aragão (Didi), Dedé, Mussum e Zacarias. Nas décadas de 1970 e 1980, os moradores lotavam ecrãs para encarar com fervor e paixão as aventuras deles.

As poltronas beges eram ocupadas por gente de todo tipo: pobres, negros, brancos, ricos, orientais, idosos, adolescentes, crianças etc. Os complexos cinematográficos não estavam na moda como atualmente (apenas 8% das cidades do Brasil possuem cinema). O sistema “up to date” era coisa inexplicável e inatingível para esses sertões cobertos por terra batida. Assim, os pipoqueiros ficavam felizes e levavam algum dinheiro para casa. Se pensarmos isso agora, em pleno século 21, praticaremos o estilo clássico e agonizante do démodé. Quanta frescura...

Voltemos aos seis artistas. Eles dominavam. Vi, embasbacado, “A Princesa Xuxa e os Trapalhões” (1989) e simplesmente me inebriei com os olhos formosamente azuis daquela loira intrépida que lutava para ficar ao lado de um velho maluco (Didi, que havia pintado os cabelos de amarelo). Também prestigiei “Os Trapalhões na Terra dos Monstros”, feito em seguida. Contava com a participação de outra garota linda, Angélica, com apenas 15 primaveras. Duas décadas atrás, a produção desses infantis nacionais era em ritmo alucinado e atropelador.

Mal um dava adeus e outro, novinho em folha, já aparecia. O quarteto trapalhão, por exemplo, filmava dois a cada 12 meses. Fui espectador em “Uma Escola Atrapalhada” e “Lua de Cristal” (ambos de 1990), “Xuxa e os Trapalhões e o Mistério de Robin Hood” (1991), entre outros. E rendia. Bilheterias onde pessoas se espremiam para comprar um ingresso. Passávamos pela loja de doces antes de irmos às cadeiras. Nos divertíamos muito. O local enchia. As gargalhadas altas da platéia me fascinavam. As comédias afrouxavam os mais sérios. E como...

A estrada dos Trapalhões começou em 1964, quando Aragão juntou-se aos cantores Ivon Cury e Wanderley Cardoso, além do lutador Ted Boy Marino, na extinta TV Excelsior. Foram à Rede Record, onde a cantora Vanusa entrou no lugar de Ted Boy. O grupo permaneceu desse jeito até 1970. Didi, então, se separou dos três e se transferiu para a TV Tupi. Unido a Manfried Santana (Dedé) e a Antônio Carlos Bernardes (Mussum), iniciaram um programa, chamado de “Os Insociáveis”. Em 1974, Mauro Gonçalves (Zacarias) entrou na trupe, que se completou.

Na Rede Globo, o programa “Os Trapalhões” ia ao ar aos domingos às 19 horas e saiu da grade em 1993. Com a morte de Zacarias (março de 1990) e Mussum (julho de 1994), a dupla não teve ânimo para prosseguir. Isso porque os dois mais engraçados eram precisamente Mauro e Antônio. Ao listar os trabalhos de cinema deles, o número ultrapassa 50 projetos concluídos. Ultimamente, somente Didi (cada vez mais e mais sem graça) e Xuxa (nesse igual patamar) seguem nos sets de filmagem, com encenações anuais. Um tédio arriscado e bastante ruim.

A “Rainha dos Baixinhos” tem no currículo filmes não só para crianças. Em 1980, aos 17 anos, era modelo-fotográfico com relativo êxito. Passados meses, no ano de 1982, fez “Fuscão Preto”, uma fita demasiadamente picante. Ela proibiu, com ajuda da Justiça, a veiculação desse material pouco tempo atrás. Além disso, tirou fotos nua, as quais poucas pessoas têm acesso, se é que não foram todas queimadas. Os pequenos não entenderiam. “Xuxa e os Duendes” (2001), “Xuxa Popstar” (1999) e “Xuxa Requebra” (2000) não são páreos para o carro amaldiçoado.

Até o apresentador Fausto Silva se jogou neste mundo dos longas-metragens quando, ao lado de Sérgio Mallandro (hoje um desprestigiado vendedor de anúncios), fez “Inspetor Faustão e o Mallandro” (1990). O gordo até cantava, dá para acreditar? Com as mudanças (leia-se progresso), cinemas abaixaram a lona e se recolheram para sempre. Estão envolvidos por poeira e bichos. Ou então viraram Igrejas Evangélicas, o que é mais comum. Quanta recordação boa colocada de lado... Os pipoqueiros fugiram, as filas não estão mais no lugar, tudo se arruinou.

Angélica e a dupla Sandy & Júnior quiseram promover suas histórias e não se deram nada bem. A primeira, com “Show de Verão” (2004) esperava aproximadamente um milhão de fãs. Somente 100 mil tiveram coragem de ir vê-la e saíram torrados de raiva de tão ruim que o filme é. Os dois irmãos, pasmem, aguardavam cinco milhões com o emblemático “Acquária” (2003). Uns 900 mil viram e não gostaram. Esses dados são oficiais. O prejuízo foi catastrófico. Pensarão dez vezes, com um pé atrás, para organizarem outros roteiros de péssimo gosto.

Os derradeiros enredos que vi, tanto no Rosário como no Rio Branco, foram “O Rei Leão” (1994), “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil” (94), dirigido por Carla Camurati, e “Batman: O Retorno” (1992). Com a volta das salas de cinema para a cidade, dia 16 de abril de 2004, os sentimentos confusos regressam. Pelo menos, como estão dentro de um shopping, teremos a segurança e garantia (?) de que essas salas não virarão templos de rezas se um dia o complexo ruir. Ufa... E Aleluia!

Rodrigo Romero
Enviado por Rodrigo Romero em 16/05/2009
Código do texto: T1598382
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