A VIRTUALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES HUMANAS

Virtual é em primeiro lugar, um modo de ser particular; é um modo diferente de estabelecer relações que foi largamente confundido, na expressão da linguagem comum, e no uso corrente, com o falso, o ilusório, o imaginário ou a fantasia.

Esta visão, hoje ultrapassada, se apóia num conceito muitas vezes negativo do virtual, desembocando numa concepção do futuro do mundo, dos homens e de suas relações, nada animadora e às vezes, mesmo assustadora e dramática.

Nesta direção, o real perde toda a sua realidade em função das intensas buscas e feitos virtuais. Poderíamos, então, realmente, temer uma “desrealidade” das relações dos homens com o mundo e, sobretudo, das relações humanas que se estabelecem entre o “eu-tu” e na formação do “nós”.

Longe da realidade, o homem estaria assim se perdendo e minimizando seu processo humanizante, desalojando-se de sua característica social.

O virtual levaria a uma fuga do real, instalando uma vida de relação paralela que poderia ou não, na maioria das vezes, se tornar, de alguma forma real.

Enclausuradas no isolamento deste modo diferente e nada real de se relacionar, as pessoas estariam submetidas ora ao prazer, ora à decepção, na medida em que, entrando no virtual, se tornariam alienadas do real, substituindo a realidade pela fantasia.

Nesta tendência anti-social, estaria se formando um indivíduo “sem leis”, “sem superego”, tornando caótico o viver em sociedade.

A não presença física deixaria um espaço livre, virtual, para o desabrochar da fantasia plena e das idealizações a respeito de si mesmo ou do interlocutor que se constitui no outro. Quando esta fantasia sai do controle de seus usuários, gera uma situação de envolvimento tal que ficaria difícil desvencilhar-se daquele ser criado. Expressando o que gostariam de ser ou como gostariam de ser tratados ou vistos, criam um modo próprio que os satisfaz plenamente, não precisando do real, para tornarem-se eles mesmos.

Neste contexto, não se espera nunca que o virtual se converta em real. O virtual jamais será real. A distância entre o “eu virtual” que criei e o “eu real” que me faz ser, é tão profunda que a relação entre os dois não pode acontecer sob pena de “a imagem” se desfazer e morrer totalmente.

Assim, se não há intenção de se chegar a uma relação interpessoal concreta, pode-se duvidar de uma tal forma de comunicação que nos surpreende. Deixando-nos interrogativos a respeito do futuro social da humanidade.

Confrontando com o real e dele separado, a criação do eu virtual, isento da exigência da presença física, levaria o homem a uma dualidade de ser, “a dois diferentes e simultâneos modos de ser, um na internet e outro fora dela” que, nesta visão, seriam irreconciliáveis.

Um virtual assim ameaçador destruiria no homem a capacidade de ser único e de responder por sua integridade pessoal.

Haveria um caminho novo que facilitasse o “desmonte desta oposição fácil e enganosa entre Real e Virtual?”. Em que consiste, entao, a realidade do virtual?

O virtual possui uma plena realidade, enquanto virtual. O processo de uma virtualização no mundo moderno ocupa um lugar importante e bem mais amplo do que o da mera comunicação interpessoal.

Podemos encontrá-lo na informação, na Educação, na Cultura, na Arte, na Empresa, na Produção, no Consumo, no Conhecimento, nos Bancos, no Sistema de Trocas, na Organização de Entidades ou Instituições, no Mercado, etc. Como tal, a virtualização se apresenta como um espaço dinâmico que, não exigindo a presença física, encurta as distâncias, anula o tempo, reforça o aqui e agora, torna velozes as operações, as informações, a coleta e troca de dados, sem o desconforto dos deslocamentos exigentes para se ter o contato pessoal.

Comprime o espaço e anula o tempo, quer dizer, o tempo e o espaço nós o fazemos. Mas, a desmaterialização. Não há uma imaterialidade no virtual, “o conhecimento e a informação não se tornam imateriais, mas desterritorializados.

É claro que, para se dar ou se constituir o processo de virtualização devem existir as condições primordiais como uma Home Page e a Web Internet que são as mediadoras da constituição desse processo e ele só aparecerá com a entrada da subjetividade humana. “ A Internet não é simplesmente computadores conectados às linhas telefônicas comunicando-se livremente”. São pessoas criando novas personalidades, novas concepções de lugar, de tempo, de relacionamento, de realidade, de natureza como um todo”. Com o uso da Internet o homem desenvolve uma “dupla consciência”. É o mesmo “eu” que se desdobra e enriquece numa unidade mais complexa.

Fala-se virtualmente, lê-se virtualmente, cria-se virtualmente, medica-se virtualmente, compra-se virtualmente, negocia-se virtualmente através do computador. Essa virtualização é eficaz, produz resultados concretos, palpáveis e reais. Experimenta-se toda a realidade do virtual. Quer dizer, se as condições necessárias existirem e forem acionadas devidamente, esse virtual que se apresenta como um real em potência, se tornará ato, ação, isto é, se concretizará.

Estaríamos aqui muito longe de pensar que o virtual, assim exercido, e entendido, levaria a uma fuga, ou ao falso, ao imaginário, ao fantasioso em seu dado operativo.

O virtual é um caminho novo, ao alcance, permitindo transformar diferentes e dinâmicas possibilidades em ato, de maneira veloz e congruente.

Essa potencialidade do virtual, é o seu “existir”, é sua existência real em estado de potência dinâmica a ser virtualizado, nascido, recriado numa infinidade de possíveis combinações que nunca se esgostam.

O virtual é o potencial que não se confunde com o simplesmente latente. Este é estático, permanentemente o mesmo, predeterminado como um “dado” pronto, acabado, parado, à espera de ser simplesmente utilizado. O latente está lá, já previsto, já conhecido, já antecipado, sem nenhum dinamismo para o seu acontecer. Espera a hora para se “tornar”, para deixar sua latência ainda informe. O latente permanece nas profundezas de cada ser inerte no seu “não ser”.

O mesmo não acontece com o potencial que realiza o virtual. Ele é um ser, ser em potência que ainda não desdobrou todas as suas possibilidades; é um ser em desenvolvimento, ser dinâmico, um conjunto de forças e tensões, de “nós de tendências e problemas”, que ao se atualizarem realizam soluções imprevistas.

É assim que o virtual se atualiza. Neste atualizar-se ele acontece porque existia, tinha existência. A atualização do virtual é processo que volta a ele sob a forma de virtualização, pleno de criatividade, trazendo as soluções à problemática mesma do virtual.

Virtual se opõe assim a atual e não ao real na ordem mesma do processo criativo. Esta é a realidade prima do virtual.

Estamos longe da concepção de um virtual destruidor da realidade humana que, como um vasto útero irresponsável, abrigaria todas as ilusões e fugas de um real doloroso e indesejável.

Quando o virtual está assim concebido, como potência dinâmica, opondo-se ao atual e não ao real, podemos admitir, por exemplo, sem maiores objeções, algumas concepções de especialistas que afirmam serem os encontros sexuais na internet apenas uma maneira nova de as pessoas se relacionarem sexualmente, e que não é nem melhor, nem pior. Só diferente. Ou, “informaticamente” falando, que um vírus de computador tenha vida, já que se auto-reproduz”. Ou que um “Ser Humano Virtual”, atualmente em formação nos grandes laboratórios de pesquisa científico-médica, ultrapassando a apresentadora cibernética de notícias, “terá um corpo vivo, que respira, cujas células vão se replicar e morrer e cujo sangue vai fluir quando for cortado”. “O Humano Virtual vai viver apenas dentro do computador, mas o corte simulado vai provocar a mesma enxurrada de reações fisiológicas experimentadas por uma pessoa real”. O “Ser Humano Virtual” não será uma representação meramente visual de um corpo humano, mas será um verdadeiro ciber-humano.

Não tenhamos medo dessa comunicação. O caminho do virtual não nos tira de nossa “casa”, apenas nos faz entender a “nova morada do gênero humano”.

Clusius
Enviado por Clusius em 31/08/2010
Código do texto: T2469382
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