"Vendaval" é um poema melancólico e introspectivo escrito por Fernando Pessoa. A obra aborda temas como solidão, desolação e a intensidade das emoções humanas. O vento do norte, representado como um símbolo poderoso da natureza, serve como metáfora para as complexidades e desafios emocionais que o eu lírico enfrenta.

O poeta começa invocando o vento do norte, descrevendo sua força profunda e fria. O vento é convidado a explorar lugares tão desolados quanto o próprio coração do poeta. A utilização de imagens como deserto, penhasco e coval vazio cria uma atmosfera de desolação e isolamento, sugerindo um interior emocional árido e solitário.

 

A referência à "indômita praia" e à "raiva do oceano" enfatiza a natureza incontrolável e selvagem das emoções que habitam o poeta. A analogia entre a natureza hostil e a alma do eu lírico sugere um estado de tormenta interior, onde a alegria e o humano parecem ausentes.

Ao descrever a alma como um "vácuo e tristeza", Pessoa revela uma profunda sensação de vazio existencial. A planície árida e a praia em fereza representam a tristeza que é percebida pela observação externa, enquanto o vazio interno é o que o eu lírico sente.

 

A mágoa de ter consciência da vida é expressa de maneira intensa, direcionada ao vento do norte, que é comparado ao caos e à força que rasga os robles (carvalhos). A metáfora do vento arrancando a alma é poética, sugerindo o desejo de libertação da carga do pensamento constante e do tormento interior.

A segunda metade do poema destaca a angústia de ser consciente e pensar constantemente. O eu lírico pede ao vento que o arranque da existência, buscando uma fuga do fardo da consciência que o atormenta.

 

A última estrofe do poema expressa o desejo do eu lírico de se dissolver, de ser transformado em areia pelo vento noturno e pelo caos furioso. O poeta anseia por liberar seu tédio profundo e se libertar das amarras da existência consciente.

No final, o poema atinge um clímax de desespero, onde o eu lírico se torna um "paria desfeito dos ares", lançando seu coração contra as vidraças daqueles que têm lares e razão. Essa ação simboliza a rejeição do eu lírico, sua condição marginalizada e seu desespero diante das contradições da vida.

 

"Vendaval" é uma obra rica em simbolismo, transmitindo a intensidade das emoções e o desejo de libertação do fardo da existência consciente. O uso de imagens naturais e elementos atmosféricos cria uma atmosfera poderosa que ecoa a tormenta interior do eu lírico.

 

     Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
     Não achas, soprando por tanta solidão,
     Deserto, penhasco, coval mais vazio
     Que o meu coração! 


     Indômita praia, que a raiva do oceano
     Faz louco lugar, caverna sem fim,
     Não são tão deixados do alegre e do humano
     Como a alma que há em mim! 

 

     Mas dura planície, praia atra em fereza,
     Só têm a tristeza que a gente lhes vê
     E nisto que em mim é vácuo e tristeza
     É o visto o que vê. 

 

     Ah, mágoa de ter consciência da vida!
     Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
     Que rasgas os robles - teu pulso divida
     Minh'alma do mundo! 

 

     Ah, se, como levas as folhas e a areia,
     A alma que tenho pudesses levar -
     Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
     De eu ter que pensar! 

 

     Abismo da noite, da chuva, do vento,
     Mar torvo do caos que parece volver -
     Porque é que não entras no meu pensamento
     Para ele morrer? 

 

     Horror de ser sempre com vida a consciência!
     Horror de sentir a alma sempre a pensar!
     Arranca-me, é vento; do chão da existência,
     De ser um lugar! 

 

     E, pela alta noite que fazes mais'scura,
     Pelo caos furioso que crias no mundo,
     Dissolve em areia esta minha amargura,
     Meu tédio profundo. 

 

     E contra as vidraças dos que há que têm lares,
     Telhados daqueles que têm razão,
     Atira, já pária desfeito dos ares,
     O meu coração! 

 

     Meu coração triste, meu coração ermo,
     Tornado a substância dispersa e negada
     Do vento sem forma, da noite sem termo,
     Do abismo e do nada!