Análise do poema “Soneto” de Ana Cristina César (3ª etapa do PAS)
SONETO
Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu
Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida
Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
Ou é um lapso sutil?
Ana Cristina César pertencia à terceira geração modernista e ao grupo de artistas (literatura, música, dança, artes visuais...) chamado de movimento marginal (assim se definiam como aqueles que estavam à margem em diversos aspectos: políticos, econômicos, estéticos, mercado editorial) que também eram denominados como a geração dos mimeógrafos, pois tiravam cópias das obras e vendiam em diversos lugares como bares, universidades, praças etc.
Boa parte dos poemas dessa escritora possui linguagem simples, convincente e passível de várias possibilidades de interpretação. E neste poema não é diferente.
O poema “Soneto” publicado na obra “A teus pés”, em 1982, contém a seguinte estrutura poética:redondilha maior (sete sílabas poéticas), versos brancos e as aliterações /s/; /f/ e /m/.
O eu-lírico é inquieto e busca as respostas para as suas angústias. Questiona-se se é louco, se não é e quem ele é dentro da poesia...
A segunda estrofe é uma intertextualidade do poema de Fernando Pessoa “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.” Enquanto no poema do escritor português ele afirma que o poeta é um fingidor, no poema de Ana Cristina,percebemos que o ato de fingir está associado ao eu lírico, que vai se revelando ao longo de toda a poesia. Já no final da segunda estrofe como mulher “fingida” e, na terceira estrofe, como a própria autora do poema sendo a mesma citada dentro da obra. Essa revelação é feita por camadas: na primeira estrofe pode ser qualquer eu-lírico, na segunda estrofe é uma fingida dialogando com outro “fingido”, na terceira sabemos ser a Ana Cristina. É também na terceira estrofe que o eu lírico busca respostas por meio da interlocução “aqui meus senhores”, aqui onde? Na própria poesia.
A descrição de si, a “loura donzela” é mais uma ironia metafórica, pois a autora de fato era loura, porém, a palavra donzela remete a diversos significados: virgem, solteira, dama de companhia, filha de nobre antes de casar etc. Qualquer um desses ou vinculará à ideia de inocência ou o contrário e, por isso, a ironia.
Na quarta estrofe, as palavras “mor” no sentido de alguém maior, e “lapso sutil”, referência à efemeridade do eu-lírico mostram alguém que se sente fragmentado,esquecido em dúvidas sobre si mesma.
Esse é mais um dos poemas da autora centrado no ego, no eu. Cujas provocações e dúvidas acerca de si mesma compõem toda a poesia. Outras características marcantes estão presentes:
• A importância que ela dá ao interlocutor “pergunto meus senhores”;
• As múltiplas personalidades “se sou louca”, “se sou sã”, “se sou eu” – não é à toa que ela traz Fernando Pessoa para a sua composição poética;
• Intimismo (angústias íntimas como explicar a própria identidade);
• Confissão, trazendo ao leitor uma sensação de intimidade com o eu-lírico;
• Provocações irônicas “fingindo que sou fingida”;
• Consciência de finitude e efemeridade “fenômeno mor ou lapso sutil?” do indivíduo.
Embora os sonetos tenham uma estrutura clássica, preferida pelos poetas, a escritora rompe com a tradição ao utilizar linguagem simples, escrever para as angústias do agora, do momento presente e optar pelos versos brancos.