Anti-Capitu

Junto com Dostoiévski e Emily Brontë, Machado de Assis é uma das minhas referências literárias. Como o título sugere, vou falar um pouco sobre o clássico Dom Casmurro. Na verdade, farei algumas considerações sobre a personagem Capitu. Alguns poderão achá-las de mau gosto, porém, elas são realistas. Tirem suas conclusões.

Capitu era uma garota de classe média baixa; o acaso de ser vizinho de uma família nobre se devia ao fato de o pai, o Pádua, ter ganhado algum dinheiro na loteria. Entretanto, viviam com meios parcos. Bentinho, por sua vez, tinha acesso aos bens materiais e culturais. Vivia como um fidalgo. Essa discrepância entre os dois é a chave para entendermos a obra.

Vejam o capítulo da inscrição, no qual a Capitu é pega de surpresa por Bentinho quando esta rabiscava no muro os nomes: “Bento Capitolina”. Ele, com sua inteligência mediana, interpretou-o como uma declaração de amor, quando na verdade se tratava de uma expressão da vaidade e astúcia da “cigana de olhos oblíquos”. A vontade de fazer brilhar pelo mundo o seu nome, que, por outros meios, não irradiaria luz sequer a uma pequena viela.

Ao que parece, Capitu era uma interesseira; se amou Bentinho, foi daquele amor frouxo, mero capricho da infância. Ela queria ascender socialmente. Eis tudo. O autor já nos indica algo nesse sentido ao narrar que, apesar da idade, ela tinha “ideias atrevidas”. A razão de ficar triste com a ideia de Bentinho entrar no seminário e, consequentemente, tornar-se padre, é porque lhe dificultava - quando não se extinguia - o sonho de vir a ser uma aristocrata.

A prova definitiva de que lhe não tinha amor sincero, a meu ver, é que, quando adulta, esqueceu-se da canção do preto que vendia doce " Chora menina, chora porque não tem vintém". Ambos haviam jurado não esquecê-la. Parece-me que a razão disso foi porque já não havia motivos para guardá-la. É a obliteração consciente.

Esse fenômeno pode ser visto também em “Memórias Póstumas” quando o pai de Brás Cubas “esquece” a origem humilde da família tentando fazer crer ao filho e à sociedade que eles descendiam de pessoas influentes, por assim dizer, desde sempre. Ora, o mesmo se passou com Capitu que, embora não tentasse alterar o passado de pobreza, também não dava oportunidade ao resgate dessas reminiscências.

Agora, se traiu ou não é algo subjetivo, porque o autor nos dá tantos motivos positivos quanto negativos para crer no adultério. Mas basta lembrar que até mesmo o Bentinho se apaixonou de certo modo por Escobar, então, por que diabos ela não se apaixonaria também?

Estevão Júnior
Enviado por Estevão Júnior em 20/09/2016
Reeditado em 20/09/2016
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