ANÁLISE DA MÚSICA POSE DE HUMBERTO GESSINGER

ANÁLISE DA MÚSICA POSE DE HUMBERTO GESSINGER

1. Introdução

Sem a música a vida seria um erro, já dizia Nietsche. Desde tempos remotos a humanidade se vale de diferenciadas formas corporais, auditivas ou imaginarias para expressar seus sentimentos e pensamentos. Poesias, músicas, romances entre outros gêneros são utilizados para expressar as mazelas humanas.

Shakespeare usava suas tragédias para demonstrar as intrigas capazes de matar como aquela revelada em Otelo. O dramaturgo inglês usava também para demonstrar já naquela época, antiga, mas tão atual, a desvalorização da mulher em sua obra: O Mercador de Veneza escrita por volta de 1596.

No Brasil encontramos a narrativa de Machado de Assis que usa o personagem Bentinho para demonstrar a influência da maledicência e da manipulação para transformar o que seria uma linda história de amor em ciúme doentio que vê a mulher adúltera que teve, em seu julgamento, um filho com o melhor amigo.

Eduardo Galeano, ganhador do Prêmio Internacional de Direitos Humanos, no Livro dos Abraços, mistura crítica à poesia e diz em um trecho de Celebração da voz humana:

Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais. (1997, p.23):

Eduardo Galeano reconhece o poder da palavra que não quer calar, que não pode calar diante da verdade que está exposta, mas que necessita que alguém ouse levantar a voz para mostrar aos demais, ainda que essas palavras não agradem para ser celebradas ou que desagradem a ponto de serem perdoadas.

Este ensaio trata justamente deste assunto: A voz humana, que não quer e não pode calar-se diante da sociedade. Para isso, propõe-se uma análise da música POSE, do compositor, multi-instrumentista e cantor Humberto Gesinger, líder da banda Engenheiros do Havaí na década de 90, quando então a música POSE foi composta, uma vez que, Blacking (2000, p.10) assume que a “música é um produto do comportamento de grupos humanos, seja formal ou informal: é som humanamente organizado”. Ademais, nesse ponto, tanto Merriam (1964), quanto Blacking, já demonstraram que “música pode ser, e é, usada na sociedade para todo tipo de propósitos, bons e ruins, criticas e elogios”(Blacking, 1995, p.151).

O Cancionista mistura ironia e crítica na sua música demonstrando a realidade dos anos 90 e que continua muito atual hoje em 2015.

Vamos remar contra a corrente, desafinar o coro dos contentes.

Neste trecho Gesinger traz situações vivenciadas pela sociedade brasileira, que é conhecida pelo mundo como pacata e sorridente (RIBEIRO, 1995) onde o autor demonstra sua indignação e propõe mudanças, nadando contra a corrente de inércia em que vivia o país, apesar das crises financeiras, desmandos políticos e imensa dívida exterior que assombrava os brasileiros, além da desvalorização da moeda que era algo constante. Entretanto, vale salientar que “a música não veicula políticas (...), pode, contudo, exercer-se politicamente”' (NOGUEIRA, 1992: 148).

No coro dos contentes, faz alusão ao povo alegre e manipulável, devido á baixa ou nenhuma instrução, que aceita e se satisfaz em ser reconhecido mundialmente como o país do carnaval e do futebol. Seria quase, portanto, um país das maravilhas de povo sorridente, mas por baixo de tamanha alegria impera jogos políticos sórdidos. Outro verso que merece atenção especial devido a atualidade é o subsequente:

Vamos velejar num mar de lama, se faltar o vento a gente inventa.

Este verso relaciona-se atualmente com a situação em que vive o país devido ao desastre ecológico causado pelo rompimento da barragem e pela lama toxica que por consequência vem destruindo a vida do Rio Doce e seus ecossistemas desde Mariana, Minas Gerais até Regência onde encontrou o litoral do Espírito Santo. Este fato ocorreu em 05 de Novembro de 2015 causando grande comoção no Brasil devido às consequências gravíssimas e imensuráveis sofridas pelo meio ambiente e também as comunidades que sobrevivem das águas do Rio Doce.

Este mesmo verso pode estar se referindo á corrupção que consumia e consome o país fazendo-o mais pobre e da pobreza, discursos eleitoreiros para que os mesmos políticos continuem no poder, apenas fazendo um rodízio para iludir o povo que volta pra casa “num navio fantasma”, flutuando na ilusão de que dias melhores virão.

A segunda parte do verso: Se faltar o vento a gente inventa, diz respeito ironicamente, ao jeitinho brasileiro, que consegue sobreviver fazendo malabarismos sem perder o bom humor, fazendo piada de suas tragédias e sem lutar por seus direitos.

Gessinger também aborda a violência cotidiana e o capitalismo voraz do mundo moderno em sua música através dos versos:

Vamos passear depois do tiroteio

Vamos dançar num cemitério de automóveis

Vamos duvidar de tudo que é certo

Vamos namorar à luz do pólo petroquímico [...]

Sempre usando do recurso de linguagem ironia, Gessinger enriquece o texto, quando diz para namorar a luz dos polos petroquímicos á despeito da falta de lugares mais românticos como praias e parques, livres da poluição e da ganância humana, nada romântica ou que enlevem a alma de enamorados, que além de tudo é convidado (a) a passear depois do tiroteio evidenciando as catastróficas relações de conflito entre policiais e o crime organizado.

2. Referências

Blacking, John. Music, Culture and Experience: selected papers of John Blacking. Chicago: University of Chicago Press.1995.

Merriam, Alan P. The Anthropology of Music. Evanston: Northwestern University Press. 1964.

Nogueira, Ilza. Música: um discurso potencialmente político. ART19 Revista da Escola de Música e Artes Cênicas da UFBA. 1992.

RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Cristina Costa e Carlos Jordan Lapa Alves
Enviado por Cristina Costa em 04/07/2016
Código do texto: T5687164
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