Macunaíma: o herói sem nenhum caráter

Macunaíma é uma obra escrita por Mário de Andrade e publicada em 1928. Neste momento, o país passava por diversas transformações, é uma época marcada pelos anseios de renovação cultural e artística no país, especialmente no Sul e Sudeste, que passavam por um processo de crescimento econômico e desenvolvimento de uma nova burguesia, formada notadamente pelos imigrantes que vieram para o país no início do século XX.

Mário de Andrade foi participante ativo dos movimentos e ações que caracterizavam a primeira fase do Modernismo no Brasil, sendo um dos precursores desta tendência e integrante do time de artistas que realizaram a Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, na cidade de São Paulo. O escritor possui uma produção literária marcada pelos desejos expressos pelos autores da Primeira Geração Modernista do país, reforçando em seus textos a crítica pela linguagem rebuscada, bem usual entre os Parnasianos, bem como uma crítica acentuada a alguns dos princípios que regiam a burguesia brasileira do período e, mais do que isso, expressava a busca pela identidade do povo brasileiro, reivindicando uma produção literária que fosse identificada com a realidade do país.

Macunaíma, o segundo romance de Mario de Andrade, é marcado pela linguagem utilizada na composição do texto, uma linguagem popular e característica da região Norte do país, onde se passa boa parte da história. A leitura da obra oportuna o conhecimento da cultura popular do pais, bem como costumes da época, mesmo que apresentados no texto a partir de uma óptica que visa o exagero e também o humor.

Para alcançar esses efeitos, o próprio autor enfatiza no prefácio do livro, que a narrativa contará com elementos sobrenaturais, que teria a presença do erotismo em muitas cenas e diversas peripécias do personagem em diversos cantos do país; bem como destaca que a obra teve como inspiração outro texto, Vom Roroima zum Orinoco, de Theodor Koch-Grünberg, que igualmente utilizava-se de narrativas orais populares e regionais para a composição da história

Logo pelo título da obra, percebe-se o jogo praticado por Mário de Andrade e a crítica que ia de encontro aos anseios dos autores da Primeira Geração Modernista. Macunaíma é a representação do povo brasileiro, o fato de não ter "nenhum caráter" não se relaciona necessariamente com a construção moral do personagem, na verdade, soa neste subtítulo a reivindicação pela identidade nacional. Para o escritor, o povo brasileiro não possuía nenhum caráter, porque vivia da cópia dos modelos europeus, deixando de lado ou renegando aquilo que poderia ser de fato seu. Assim, não tem caráter no sentido de não possuir uma identidade nacional, não exprimir nas obras literárias os costumes, as necessidades ou mesmo a própria linguagem usual da população brasileira.

A história conta as peripécias do personagem principal, Macunaíma, um herói que nasce negro e feio em uma tribo indígena na região Norte do país; a descrição inicial do personagem em nenhum momento lembra a definição de alguém que poderia ser considerado um herói, ele é um bebê feio e com o passar dos anos torna-se mal-educado, visto como um menino de pouca ou nenhuma inteligência, pois disse as primeiras palavras apenas aos seis anos de idade, uma frase que passou a ser a principal expressão para sua descrição: "Ai, que preguiça!".

Macunaíma constitui-se como um anti-herói, um personagem que tinha preguiça de tudo, afeito aos prazeres do sexo, adorando o corpo feminino e as "brincadeiras", como se referia ao ato sexual, tendo sido amante da mulher do próprio irmão, que o enfeitiçava para que se tornasse um príncipe bonito. No decorrer da narrativa vários casos são contados, muitos deles marcados pelo elemento sobrenatural, assinalando um tom surrealista na obra, assim como demonstra a relação com as narrativas orais populares.

Macunaíma, à medida que cresce, viaja para várias cidades do país na companhia dos irmãos, passando inclusive pela região Sudeste, no Rio de Janeiro e São Paulo. Nessas andanças, encontra uma fonte que o torna bonito, e mais do que isso, torna-o muito semelhante a um europeu: branco, olhos azuis, alguém que maravilhava os olhos de quem o visse, neste trecho ressalta-se a metáfora elaborado por Mário de Andrade.

A construção desse trecho da obra, uma das mais conhecidas do romance, pode apresentar dois aspectos importantes: o primeiro deles é a influência exercida por aquilo que vem de fora, tornando-se semelhante a um europeu, Macunaíma exerce uma atração que faz inveja aos seus irmãos; o segundo aspecto tem a ver justamente com eles, os dois jovens que o acompanhavam também tentam aproveitar da fonte, no entanto, o primeiro deles consegue apenas ficar com a pele avermelhada, simbolizando os indígenas, enquanto o segundo permanece negro, desse modo, apresenta-se a miscigenação do povo brasileiro, fruto da mistura das raças indígena, branca e negra.

Na narrativa, também chama a atenção os diversos romances de Macunaíma, a única paixão verdadeira, por uma índia chamada Ci, o nascimento e a morte de um filho com esta mulher, a morte dela e sua ida ao céu para se tornar uma estrela; a saudade que sofre o herói e a adoração que devota à pedra muiraquitã, deixada por sua amada. Em seguida, em outro momento da narrativa, Macunaíma perde a pedra após uma luta que travou com o monstro Capei.

O amuleto acaba parando nas mãos do gigante Piamã, que havia comprado a muiraquitã. Macunaíma luta contra o gigante, vencendo-o e recuperando sua pedra apenas depois de muita perseguição ao gigante por todo o Brasil, até alcançá-lo e matá-lo, jogando-o em um buraco com a água fervendo.

A narrativa também é marcada por diversas transformações do herói, seja em príncipe, ou em branco, ou um telefone, ou mesmo quando o personagem é morto e logo em seguida ressuscitado, tudo narrado com uma naturalidade quase pueril pelo narrador.

Macunaíma é, enfim, um herói da nossa gente, que apesar de ser marcado pelos diversos defeitos que o constituem, é também caracterizado pela esperteza que possui. Em geral, o narrador transmite o modo preguiçoso com que Macunaíma passa sua vida, em diversos momentos o personagem passa aos leitores um sentimento quase de repulsa por algumas de suas ações. Mas o personagem é também essa representação do povo brasileiro, é símbolo do confronto contra os padrões europeus e a cópia acrítica dos modelos artísticos da Europa. Mário de Andrade soube expressar através da narrativa alguns dos princípios que nortearam a Primeira Geração Modernista, compondo uma obra que, conquanto não seja de fácil leitura, se mostra essencial para a compreensão da posição dessa geração frente à produção literária desenvolvida no período.

Jéssica Catharine
Enviado por Jéssica Catharine em 22/01/2016
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