O BEM E O MAL EXPRESSOS NA OBRA O RETRATO DE DORIAN GRAY, DE OSCAR WILDE

INTRODUÇÃO

O Retrato de Dorian Gray foi publicado originalmente por Oscar Wilde no ano de 1890 e reeditado em 1891, o romance conta a história de Dorian Gray, e é ambientado no período Vitoriano, na Inglaterra. O personagem aparece na trama como um belo jovem de 18 anos possuidor de uma beleza pura, que não se limitava ao exterior, se estendendo ao comportamento do jovem e, mais profundamente, a sua alma. O livro nos faz refletir sobre a tênue linha que separa o bem e o mal, retratando a corrupção da alma humana, no caso de Dorian, através de um pacto que fez com a própria imagem após reconhecer sua beleza exterior em um quadro pintado pelo amigo Basil.

Neste trabalho focaremos na análise do comportamento de Dorian Gray, relacionando-o à presença de dois personagens que mudaram a vida do jovem rapaz, Basil Hallward, representando o bem, a paixão e a moral; e Henry Wotton, representando o prazer, a inteligência, o cinismo e a decadência, sendo o responsável por iniciar Dorian em uma filosofia de deturpação do senso comum e desconstrução dos valores burgueses, fazendo com que, a partir de determinado momento, a corrupção da alma se tornasse algo que atraia aos dois rapazes.

No decorrer do livro percebemos também uma constante menção e exaltação da beleza estética em detrimento da moral, algo que podia ser considerado ultrajante no período, em que estaria em discordância com o puritanismo europeu predominante na época Vitoriana, que persiste no pensamento de que a moral é que faz o homem, e que o pecado marcaria negativamente a consciência do indivíduo.

A TRANSFORMAÇÃO E OBLITERAÇÃO DA ALMA DE DORIAN GRAY

No decorrer do romance, dois personagens foram fundamentais para a mudança na conduta de Dorian Gray, são eles Basil Hallward e Henry Wotton, cada um manifestando certa influência no jovem rapaz, que chega à Londres ainda passível de mudanças em seu comportamento. Ao mesmo tempo em que Dorian era influenciado pelos dois homens representantes daquela sociedade, ele também exercia fascínio sobre os rapazes, em Basil, primeiramente, por sua beleza exterior e, em seguida, por sua personalidade; em Henry por sua pureza e ingenuidade, que mescladas à sua bela aparência faziam-no perfeito instrumento para que Wotton o penetrasse de sua filosofia.

Lord Henry é responsável por fazer com que Dorian Gray se perceba no quadro pintado por Basil e lamente profundamente o fato de que sua imagem perfeita se perderia ao longo dos anos, e com isso também a admiração das pessoas e tudo que ele facilmente conseguiria apenas por ser belo:

"Dorian não respondeu. Passou negligentemente defronte da efígie e voltou-se para admirá-la. Mal pousou o olhar no quadro, recuou e corou de prazer. Uma luz jubilosa lampejou-lhe nos olhos, como se nesse momento se visse pela primeira vez. [...] A noção da sua beleza dominava-o como uma revelação. Nunca a tivera antes dessa hora [...]

- Que tristeza ! Eu envelhecerei, ficarei horrível.... Mas esse quadro sempre se manterá jovem. Nunca será mais velho do que esse dia de junho … Se fosse o contrário ! Se fosse eu que me mantivesse jovem e o retrato ficasse velho! Por isso, — por isso — Eu daria tudo ! Sim, não há nada no mundo todo que eu não daria por isso." (p. 32-33)

Após este momento, Dorian, inconscientemente, faz um pacto com sua imagem retratada na pintura, após reconhecer-se belo e notar o que perderia com o passar dos anos. Depois disso, o retrato passa a apresentar todas as deformações ocasionadas pelo passar dos anos, bem como as consequências dos pecados cometidos pelo rapaz, que passará a reconhecer o poder do retrato e a perceber o aprisionamento de sua alma na pintura, enquanto seu corpo permaneceria eternamente jovem.

No comportamento de Dorian percebemos no início da obra a inconsciência em relação ao ato praticado, percebendo sua gravidade somente após a primeira modificação na pintura. Após dar-se conta do que foi feito, o rapaz sente-se culpado e teme pelo que poderá acontecer, mas este sentimento logo dá lugar ao crescente egoísmo que permanecerá na personalidade do jovem à medida que pratica a filosofia de vida adquirida por meio dos diálogos com Henry. Assim,

Lord Henry, homem extremamente inteligente, perspicaz, irônico, cativante e com grande vivência nos relacionamentos humanos — , capaz de exercer forte influência sobre as demais pessoas — sente-se desafiado pela beleza e aparente inocência do jovem Dorian, aproxima-se deste e passa a instigá-lo e a estudá-lo em suas reações e atitudes, fazendo com que Gray tome consciência de sua beleza e do valor de sua juventude, iniciando-o assim num mundo de vícios e desregramento.

O primeiro ato sombrio que promove a transformação do retrato gira em torno do relacionamento entre Dorian Gray e Sybil Vane, uma jovem atriz de teatro que se apaixona pelo rapaz, encontrando no amor que sentia um ideal maior que a beleza produzida por sua atuação nas peças teatrais. Dorian apaixona-se pela moça, pela sua esplêndida beleza e por seu desempenho ao representar personagens shakespearianas, no entanto, após uma má atuação da menina, o rapaz rompe cruelmente com Sybil, que mais tarde provoca seu suicídio.

Dorian Gray, já impregnado com a filosofia de Henry em relação à beleza e ao prazer, procurava em Sybil a representação perfeita do belo, quando a moça o decepciona no teatro a expressão do mal é realizada através das palavras ditas por Dorian, desse modo, a primeira transformação da pintura aparece na boca da efígie, que assume uma aparência cruel e repugnante. Desse modo, a pintura passa a externar os atos sombrios do rapaz, exteriorizando tudo aquilo que o homem pretende esconder.

De posse do conhecimento sobre a concretização do seu desejo, Dorian procura esconder a imagem, temendo que alguém perceba as modificações. Depois passa a buscar compreender os benefícios que lhe traria a pintura de Basil, que poderia lhe proporcionar a realização de uma vida regada de admiração, luxos e prazer.

Dorian foi contaminado pelo hedonismo de Henry Wotton, afastando-se cada vez mais de Basil, que apreciava a beleza exterior do rapaz, mas também buscava conservar a bondade e pureza do jovem, que o fascinaram desde a primeira vez que o viu. Outro elemento decisivo para a mudança comportamental de Dorian encontrava-se em um livro que recebeu de Henry, pregando uma vida em que a busca pelo prazer pleno imporia as regras de uma vida:

Dorian é apresentado a escritos hedonistas, onde a busca do prazer deve ser o objetivo primordial e único de todos os homens; onde as causas, os modos e as formas não têm nenhuma importância, perante o objetivo principal; onde os pecados são esquecidos apenas quando outros ainda maiores são cometidos.

Por sua grande beleza, Dorian Gray sempre provocou fascínio em todas as pessoas de seu convívio social, após perceber os benefícios do quadro o rapaz buscava elevar ainda mais o deslumbre que provocava, influenciando, através da filosofia apreendida, a vida de outros indivíduos, que não possuíam a mesma sorte usufruída por Dorian, de permanecer eternamente jovem, o que ocasionou na degradação da existência de muitos sujeitos.

Em certo momento da narrativa, Dorian passa a adorar a imagem refletida na pintura, distanciando-se a largos passos da figura pura que representava quando chegou à cidade Londrina. As deformações que apareciam no retrato agora atiçavam a curiosidade do rapaz, que se questionava até que ponto poderiam chegar as transformações na efígie, o que logo se tornou uma obsessão para o jovem, que apreciava o contraste entre seu belo rosto conservado e a imagem que guardava sua alma revelando o degredo provocado pelos atos pecaminosos, desse modo, o desejo por corromper a própria alma tornava-se mais forte, sobrepondo-se o comportamento cruel acima da bondade e da busca pelo comportamento moral.

O Mal e o Bem que habitam em si lutam, se contorcem, um e outro querem prevalecer e quebrar o equilíbrio. Ao fazer o pacto, Dorian não tinha consciência de que seus atos iriam ser “impressos” sobre a tela, que o que o equilibrava era conter dentro de seu mesmo eu os dois opostos de forças que se contradiziam, mas no qual o Bem prevalecia. Ao escolher o caminho do Mal sucessivas vezes, este foi se cristalizando, este foi prevalecendo sobre a superfície do quadro.

As modificações na pintura continuam, bem como a conservação da aparência juvenil do Dorian Gray real, o que provocava a curiosidade e até a inveja dos indivíduos que conviviam com o rapaz, gerando uma atenção indesejável a Dorian, marcada por “olhares penetrantes que pareciam decididos a descobrir os mistérios do velho dândi”.

O ápice das transformações do retrato ocorre quando Basil é assassinado por Dorian Gray após um diálogo entre os dois, no qual Basil tenta mostrar a Dorian a crueldade de muitos de seus atos e a perversa influência que provocava a diversas pessoas do convívio social de ambos, demonstrando interesse em ver novamente a antiga bondade do rapaz e, mais do que isso, procurava apontar a corrupção que Dorian promovia na própria alma. O jovem ouvia as acusações de Basil e num rompante, ou em um momento de insanidade provocado pela fúria, afirmou a Basil que ele poderia ver o real degredo se tanto assim o interessava, convidou-o a contemplar a própria obra deturpada pelos pecados de Dorian em sua desenfreada busca pelo belo e pelo prazer.

Em um súbito instante de raiva Dorian mata Basil a facadas, não suportando mais as acusações proferidas pelo pintor em relação à sua conduta. Mostra-lhe a imagem deturpada para, em seguida, tirar a vida daquele que deu à luz ao instrumento de sua decadência enquanto homem, que duraria eternamente. Após este ato a mão da pintura começa a sangrar, o jorro contínuo que seria sempre lembrado pelo rapaz, fazendo-o algum tempo depois, reconhecer a ruína em que se afundava.

Desse modo, torna-se progressivamente mais notável a mudança no comportamento do personagem, inicialmente construído de modo puro e visto pela sociedade como a representação da conduta moral, algumas vezes hipocritamente, desejada e exaltada pela sociedade característica do período Vitoriano, apresentada através de Dorian, perfeito esteticamente e moralmente. No livro, Oscar Wilde não descreve todos os atos praticados por seu personagem, deixando a cargo do leitor levantar hipóteses sobre qual a pior forma para se destruir a alma através dos pecados.

CONCLUSÃO

A mudança notada no comportamento de Dorian Gray é apresentada por Oscar Wilde carregada de uma imensa crítica a hipocrisia da sociedade do período. O autor apresenta através da figura de Henry Wotton a constante desconstrução dos valores burgueses destacando, desde o princípio do livro, a questão da sexualidade e a busca pelo prazer como forma de atacar a sociedade e os princípios religiosos que cercavam a produção artística do período.

Através de Dorian Gray a dualidade entre o bem e o mal são postas ao leitor, retomando diversos conceitos filosóficos consagrados, dentre os quais destaca-se a relação entre a alma e o corpo. Wilde constrói um personagem que permanece sempre na linha tênue entre provocar a corrupção da própria alma e alcançar o ápice do prazer e da realização do seu conceito de belo; e a consciência que sempre o acomete ao reconhecer a crueldade dos seus atos.

O mal de Dorian Gray é expresso no romance especialmente através do egoísmo do personagem, que cresce no decorrer da narrativa até um ponto em que torna-se impossível controla-lo, o mesmo acontece em relação à vaidade, tão presente na personalidade de Dorian após reconhecer-se na pintura de Basil.

Os dois personagens que influenciaram a vida do jovem, Basil e Henry, também representam na narrativa a dualidade entre o bem o mal, nota-se, desse modo, que aquele que mais domina a conduta de Dorian é Henry, que o leva a praticar a filosofia marcada por uma enorme desconstrução do senso comum, persuadindo o jovem a buscar a completude da sua existência por meio da busca pelo prazer, que deve sempre ser saciado.

REFERÊNCIAS:

O RETRATO DE DORIAN GRAY. Disponível em: <http://livrospralerereler.blogspot.com.br/2011/06/o-retrato-de-dorian-gray.html>. Acesso em: 11 jan. 2015.

TENÓRIO, Patrícia. O Retrato de Dorian Gray: a luta entre o Bem e o Mal no romance de Oscar Wilde e na pintura de Ivan Le Lorraine Albright. Disponível em: < http://www.neliufpe.com.br/wp-content/uploads/2013/07/13.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2015.

WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.

Jéssica Catharine
Enviado por Jéssica Catharine em 19/06/2015
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