Análise do poema "Napoleão em Waterloo", de Gonçalves de Magalhães

Gonçalves de Magalhães, autor do poema Napoleão em Waterloo, foi um dos escritores precursores do romantismo brasileiro, ele, juntamente com Domingos José, Manuel de Araújo Porto-Alegre, Francisco de Sales Torres Homem, entre outros nomes importantes, buscaram no velho mundo europeu, mais especificamente em Paris, o conhecimento e estímulos necessários para a construção ou definição de uma nova literatura no Brasil, que se mostrasse mais independente em relação ao que era produzido em Portugal. Silvio Romero referindo-se ao autor menciona o seguinte: "Nenhum escritor brasileiro fez tão rápida e tão brilhante carreira; nenhum teve tanta fama, tão fácil nomeada e nenhum caiu tão depressa e tão profundamente. Hoje é preciso reabilitá-lo, fixando-o num lugar definitivo."

Daquele grupo que foi à Paris, Magalhães foi o nome de maior destaque, cabendo ao rapaz, em 1836, a publicação da obra intitulada Suspiros Poéticos e Saudades, em que o autor destaca logo no prefácio a importância da construção de uma arte literária caracteristicamente brasileira. A afirmação do crítico literário em relação à rápida glória e declínio do poeta faz referência ao fato de Magalhães ter sido muito criticado, sendo apontado por José de Alencar como um poeta de pouca imaginação.

Segundo Franchetti (2006: 124) o poema Napoleão em Waterloo foi publicado no livro Suspiros Poéticos e Saudades e foi uma das composições mais festejadas pela crítica daquele período e pelos poucos leitores que formavam o público da época. O poema aparecia em meio a títulos como “A infância” “A tristeza”, “A velhice” e apresentava ao leitor os tipos contrastantes de poesias que poderiam figurar no movimento romântico.

Estruturalmente, o poema é formado por vinte estrofes com versos distribuídos de forma irregular. Predominantemente, encontramos versos decassílabos, mas com algumas alterações, como versos dodecassílabos em certas estrofes. Em relação às rimas, há a predominância de versos brancos, livres e pouco cadenciados. A grande presença de versos livres é uma característica muito presente no Romantismo do Brasil.

Em relação ao conteúdo, o poema relembra a história da última guerra liderada por Napoleão, na região de Waterloo, em que o exército francês foi derrotado pelos britânicos e prussianos. Com a ruína de seu exército, Napoleão foi preso na ilha de Santa Helena, onde passou os últimos dias de sua vida, na poesia encontramos, além do fato histórico, a menção de personagens históricos, como Grouchy, que também foi derrotado junto com o exército napoleônico. Uma das características principais do poema é o fato de que ele não apresenta o aspecto melancólico presente em outras composições do livro, pelo contrário, todo o seu ritmo é marcado por certo entusiasmo que se entrelaça com o tema de guerra trabalhado pelo autor.

Segundo Camilo (2013: 22), o poema foi composto por Magalhães quando o autor estava viajando pela cidade de Waterloo, hoje considerado território Belga, em 18 de junho de 1836, o escritor consegue, de certa forma, captar a essência do fato histórico inserindo-se exatamente no ambiente onde o fato ocorreu. Dessa forma, Magalhães “relembra” através da imaginação e conhecimento histórico o cenário de guerra e desespero, mas remonta o acontecimento por um viés glorioso, como se a desgraça do destino de Napoleão e do seu exército fizesse com que o poeta “relembrasse” os grandes feitos do imperador francês, ou melhor, suas qualidades reconhecidas por conta das inúmeras vitórias que conquistou sobre os mais diversos exércitos. Tomemos como exemplo os seguintes versos:

Sim, aqui stava o Gênio das vitórias,

Medindo o campo com seus olhos de águia!

O infernal retintim do embate de armas,

Os trovões dos canhões que ribombavam,

O sibilo das balas que gemiam.

Nessa estrofe podemos notar o tom quase de devoção que Magalhães oferecia à Napoleão, apesar do autor narrar a batalha em que o imperador foi derrotado, em diversos momentos encontramos uma narração de louvor à Bonaparte, ocorrendo inclusive o questionamento do autor em relação ao por quê do fracasso do exército francês sobre as tropas inimigas: “Oh! por que não venceu? — Fácil lhe fora! / Foi destino, ou traição? — Águia sublime / [...] Por que se nivelou aqui cos homens?”. Neste último verso é interessante notar que, de certo modo, Magalhães compara a figura de Bonaparte não aos homens, mas a figura de uma espécie de deus, no entanto, com a derrota, o imperador mostra-se como um homem, aquele que está sujeito a falhas. Em estrofe seguinte mais uma vez Magalhães apresenta a figura de Deus:

Pela última vez coa espada em punho,

Rutilante na pugna se arremessa;

Seu braço é tempestade, a espada é raio!...

Mas invencível mão lhe toca o peito!

É a mão do Senhor! barreira ingente;

Basta, guerreiro, Tua glória é minha;

Tua força em mim stá. Tens completado

Tua augusta missão. — És homem; — pára.

Eram poucos, é certo; mas que importa?

Nessa estrofe, Magalhães apresenta a figura divina como um acompanhante de Napoleão e seu exército, mostrando assim o grande herói francês como, de certa forma, um homem puro, e não como um personagem histórico que cometeu diversas atrocidades em vida a fim de conseguir maior poder e conquistas. A derrota em Waterloo, assim, teria para Magalhães a resposta lógica de que Deus decretou um “Basta!” às conquistas francesas, que deveriam cessar através do reconhecimento de que todos que lutavam eram meros homens, seres mortais não invencíveis.

No poema, um dos primeiros a serem publicados no romantismo brasileiro, em 1836, podemos perceber algumas características que são inerentes ao movimento romântico, apesar dessa composição mostrar-se com certos atributos que a distingue desse movimento, especialmente em relação à temática abordada. No romantismo como um todo uma das principais características é a espiritualidade, que não necessariamente corresponde a presença da figura divina, mas na obra de Magalhães podemos encontrar a figura de Deus, como mostrado anteriormente, fruto de sua grande devoção a fé cristã católica.

Podemos notar também uma espécie de sentimento de saudade por épocas gloriosas, além do sentimento nacionalista implícito, apesar de não ser brasileiro. De certa forma, Magalhães constrói um poema de exaltação nacionalista, tendo construído a figura do herói nacional francês personificado em Napoleão Bonaparte, destacando, assim, suas qualidades e vitórias sobre outros povos e elaborando uma explicação para o fracasso que abateu o destino glorioso de Napoleão.

REFERÊNCIAS:

CAMILO, Vagner. Bonaparte dos poetas: notas sobre as figurações napoleônicas no Romantismo brasileiro. Revista Chilena de Estudios Latinoamericanos. Número 1, Outubro 2013. pp. 9-35

CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6.ed. Belo Horizonte: Vila Rica Editoras Reunidas Ltda, 2000.

FRANCHETT, Paulo. Gonçalves de Magalhães e o romantismo no Brasil. Revista de Letras, São Paulo, jul./dez. 2006. pp. 113-130

MAGALHÃES, Gonçalves. Suspiros poéticos e saudades. Disponível em: http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/suspiros_poeticos.pdf. Acesso em: 27 out. 2014.

ROMERO, Silvio. Primeira fase do romantismo: o emanuelismo de Gonçalves de Magalhães e seu grupo. Disponível em: http://www.consciencia.org/goncalves-magalhaes-grupo-primeira. Acesso em: 27 out. 2014

Jéssica Catharine
Enviado por Jéssica Catharine em 03/01/2015
Código do texto: T5089738
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