É possível penhorar bens do cônjuge do devedor para quitar dívida, diz STJ. Assim, a esposa pode ter seu patrimônio penhorado em razão de uma dívida do meu marido.

É possível penhorar bens do cônjuge do devedor para quitar dívida, diz STJ. Assim, a esposa pode ter seu patrimônio penhorado em razão de uma dívida do meu marido.

É perfeitamente possível fazer a penhora online de valores depositados na conta corrente da mulher de um devedor para quitar sua dívida, desde que sejam casados pelo regime da comunhão universal de bens e que fique resguardada sua metade do patrimônio comum. Assim como pode ser penhorado algum bem que lhe pertença para resguardar e garantir a dívida do marido.

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial para permitir que credores penhorem valores depositados na conta corrente da esposa do devedor, para quitar uma dívida já em cumprimento de sentença.

Comunhão universal de bens cria patrimônio único, que pode ser atingido por dívidas de apenas um dos cônjuges, segundo STJ.

As instâncias ordinárias indeferiram o pedido de penhora porque a cônjuge não integrou a relação processual. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul apontou que, ainda que o devedor seja casado no regime de comunhão universal de bens, não há presunção de que os valores depositados são de esforço comum do casal. Relator no STJ, o ministro Marco Aurélio Bellizze reformou essa conclusão. Explicou que a comunhão universal de bens forma um patrimônio único entre os casados, que engloba todos os créditos e débitos, o que torna perfeitamente possível a penhora para quitar dívida.

A exceção são os bens listados no artigo 1.668 do Código Civil, que devem ser excluídos da comunhão. Em suma, são os bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade e as dívidas anteriores ao casamento. "Não há que se falar em responsabilização de terceiro (cônjuge) pela dívida do executado, pois a penhora recairá sobre bens de propriedade do próprio devedor, decorrentes de sua meação que lhe cabe nos bens em nome de sua esposa, em virtude do regime adotado.

Mas importante elucidar a diferença entre dívidas pessoais e dívidas comuns para compreender a extensão da responsabilidade patrimonial de cada um dos companheiros diante da execução de uma dívida. Para tanto, destaca-se os ensinamentos de Rolf Madaleno, Ana Carolina Carpes Madaleno e Rafael Madaleno no livro Fraude no Direito de Família e Sucessões publicado pela Editora Forense: “A distinção entre dívidas pessoais e dívidas comuns está na destinação desse passivo que direciona para uma responsabilidade conjunta quando se trata de dívidas contraídas no interesse da família, e estas entram na esfera da responsabilidade de ambos os consortes ou conviventes, qualquer um dos dois que se apresente como contratante, significando que os débitos alheios a essa destinação afetam tão somente a responsabilidade daquele que assumiu o encargo (p. 59, 2023)”.

As dívidas originadas antes da celebração do casamento, ainda que contempladas ou exigidas na constância do matrimônio, são consideradas dívidas pessoais do cônjuge devedor e, por isso, não podem atingir os bens particulares de seu companheiro.

Confira-se as disposições do Código Civil acerca do regime de comunhão parcial de bens, em regra, aplicável a todos os casamentos, cuja celebração tenha se dado sem pacto antenupcial, assim como, nos casos de união estável sem escritura pública estabelecendo regime diverso da comunhão parcial. Art. 1.664. Os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal. Art. 1.668. São excluídos da comunhão: I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

De igual modo, dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes não obrigam os bens comuns, tampouco o outro companheiro, quer se trate de dívidas contraídas antes, durante, ou depois do casamento.

Por outro lado, as dívidas contraídas em benéfico da família, ou seja, aquelas atreladas à educação, saúde, moradia, alimentação, além de todas as despesas ordinárias e extraordinárias que favoreçam a subsistência, a comodidade e a estabilidade familiar - considerando o padrão econômico em que a família está inserida – podem atingir os bens comuns e particulares do casal, ainda que as obrigações tenham sido contraídas individualmente por um dos cônjuges.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais reputa pela indispensabilidade da comprovação de que a dívida tenha sido convertida em benefício do casal para que seja deferida a penhora de bens do cônjuge. Confira-se: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. PENHORA DE BENS DO CÔNJUGE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DÍVIDA COMUM DO CASAL. TERCEIRO ESTRANHO À LIDE. PRETENSÃO AFASTADA. I. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei. II. Condição indispensável para se alcançar a penhora de bens dos devedores é a comprovação da titularidade e domínio do bem que se busca constrição. III. Não reconhecido o cônjuge como devedor no título executivo e não comprovado nos autos que a dívida contraída pelo executado foi para uso comum do casal, não há o que se falar na penhora de bens do cônjuge, porquanto terceiro estranho à lide. (TJ-MG - AI: 01269553920238130000, Relator: Des.(a) Luiz Artur Hilário, Data de Julgamento: 09/05/2023, 9ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 10/05/2023)

Atualmente, prevalece a presunção de que as dívidas são contraídas em benefício da família, portanto, é ônus do cônjuge prejudicado demonstrar que a dívida cobrada ou executada não trouxe proveito econômico para a família.

Ante o exposto, cabe esclarecer ainda que, segundo o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, o regime patrimonial de bens escolhido pelo casal para reger o seu matrimônio não torna ambos os consortes automaticamente responsáveis pelas obrigações contraídas por apenas um deles, sendo indispensável analisar especialmente as peculiaridades atinentes à origem e a finalidade da dívida. “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. ATIVOS FINANCEIROS. CONTA-CORRENTE. TERCEIRO. CÔNJUGE. INADMISSIBILIDADE. CASAMENTO. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. SOLIDARIEDADE. EXCEÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONTRADITÓRIO. AMPLA DEFESA. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Não se admite a penhora de ativos financeiros da conta bancária pessoal de terceiro, não integrante da relação processual em que se formou o título executivo, pelo simples fato de ser cônjuge da parte executada com quem é casado sob o regime da comunhão parcial de bens. 3. O regime de bens adotado pelo casal não torna o cônjuge solidariamente responsável de forma automática por todas as obrigações contraídas pelo parceiro (por força das inúmeras exceções legais contidas nos arts. 1.659 a 1.666 do Código Civil) nem autoriza que seja desconsiderado o cumprimento das garantias processuais que ornamentam o devido processo legal, tais como o contraditório e a ampla defesa. 4. Revela-se medida extremamente gravosa impor a terceiro, que nem sequer participou do processo de conhecimento, o ônus de, ao ser surpreendido pela constrição de ativos financeiros bloqueados em sua conta corrente pessoal, atravessar verdadeira saga processual por meio de embargos de terceiro na busca de realizar prova negativa de que o cônjuge devedor não utiliza sua conta-corrente para realizar movimentações financeiras ou ocultar patrimônio. 5. Recurso especial não provido. (STJ - REsp:1869720 DF 2019/0370639-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 27/04/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/05/2021)

A obrigação contraída por apenas um dos parceiros, independentemente do regime de bens escolhido pelo casal, não pode ser instantaneamente atribuída ao outro, devendo ser resguardado o direito de propriedade daquele que não contraiu a dívida. Dessa forma, em regra, cada cônjuge deve responder com seu patrimônio particular por suas dívidas pessoais.

A execução, portanto, não pode alcançar terceiro estranho à relação processual, neste caso, o cônjuge do devedor, sem que tenha sido assegurado o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, a fim oportunizar ao cônjuge prejudicado a apresentação de uma defesa que possa resguardar seus bens particulares e seus bens comuns de uma dívida incompatível com a organização familiar.

Guaxupé, 03/07/24.

Milton Biagioni Furquim

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 03/07/2024
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