Uma grata surpresa jurídica

Uma grata surpresa jurídica.

É bem de ver que somente agora dei-me conta do parecer jurídico da lavra da jurista Carina Barbosa Gouvea referente ao testamento do ‘Rei do Gado’, o pranteado Olavo Barbosa, de Guaxupé, de modo que no Brasil, recentemente e pela primeira vez, ocorreu tal caso, não encontrando em terras tupiniquins nenhuma decisão semelhante (anulação testamento por discriminação). A bem da verdade determinei que duas netas fossem incluídas na partilha da avó, que tinha excluído ambas do testamento por serem fruto de relacionamento não matrimonial do pai.

Os fatos, resumidamente, se passaram da seguinte forma: a testadora possui duas filhas e um filho. As filhas possuem 5 filhos frutos de relação marital, sendo que o filho possui duas filhas frutos de relações não maritais, com mães distintas.

O testamento em questão contemplou todos os filhos e cinco netos da testadora, discriminando, inclusive, as frações destinadas a cada um. Porém, não foram contempladas as duas netas advindas da relação não marital.

Segundo a parecerista o caso embrionário no Brasil acabou por causar um turbilhonamento de “emoções acadêmicas”, vez que a decisão inédita invocou, pela primeira vez, a possibilidade de ruptura da autonomia da última vontade baseada na discriminação. Por curiosidade ‘apanhei’ deveras, sem socorro nas salas de aulas das universidades quando da análise da minha inédita decisão anulando o testamento em face da discriminação das duas netas bastardas.

Colhe-se do Parecer que no Brasil, recentemente e pela primeira vez, caso similar ocorreu. A matéria foi escrita por Rover73 onde o Juiz Milton Biangioni Furquim, de Guaxupé (Minas Gerais), determinou que duas netas sejam incluídas na partilha da avó, que tinha excluído ambas do testamento por serem fruto de relacionamento não matrimonial do pai.

O caso embrionário no Brasil acabou por causar um turbilhonamento de “emoções acadêmicas”, vez que a decisão inédita invocou, pela primeira vez, a possibilidade de ruptura da autonomia da última vontade baseada na discriminação.

Assim, de acordo com o juiz, segundo a parecerista, ainda que a autora do testamento possa dispor livremente da parte disponível da herança, esse direito encontra limitações constitucionais, devendo o Poder Judiciário afastar estes abusos. “A última vontade da testadora, assim como todos os atos jurídicos, de esfera pública ou particular, devem ser compatíveis com os instrumentos normativos de hierarquia superior, podendo sofrer controle de legalidade, supra legalidade e/ou constitucionalidade.”

Continua a parecerista de que, para subsidiar a decisão, de declarar o direito das netas excluídas de participarem da partilha, uma cadeia sistêmica de critérios argumentativos foi construída pelo juiz. Primeiramente, a decisão lembrou que a Carta Constitucional aboliu toda diferenciação entre filhos/netos legítimos, ilegítimos ou adotados, sem qualquer ressalva de situações preexistentes - não haveria discriminação se a avó tivesse aquinhoado terceiros ou apenas um ou dois entre tantos netos, no entanto, houve a disposição em favor de cinco dos sete netos, deixando de fora apenas duas netas concebidas por um de seus filhos em relação não marital de forma indisfarçadamente discriminatória; invocou abuso do direito como ato atentatório à igualdade; a situação acabava por atentar contra a dignidade da pessoa humana das netas excluídas, além de desvirtuar o instituto do testamento para, por meio dele, dar vazão aos chamados planejamentos sucessórios; e, por fim, que o tratamento discriminatório contaminaria a igualdade familiar.

Mas pode haver interferência judicial em um testamento por motivos de discriminação?, pergunta a parecerista.

Portanto, esta conjugação do caput do artigo 227 com o §6o, segundo a decisão: Assim, é possível sustentar que o ato de liberalidade do testador encontra-se limitado e que não é mais possível, dentro desta concepção, a mantença de argumentos rígidos e impenetráveis, como “os não contemplados em testamento não têm moralmente e nem por direito a possibilidade de exigir atos de liberalidade”.

No tópico 3.1 a parecerista desenvolve uma análise do caso paradigmaático brasileiro (decisão de Guaxué), quando busca encontrar elementos para verificação se se tratou de uma decisão ativista ou coerente com a unidade material do sistema normativo brasileiro.

1 ANÁLISE DO CASO PARADIGMÁTICO BRASILEIRO : UMA DECISÃO ATIVISTA

OU COERENTE COM A UNIDADE MATERIAL DO SISTEMA NORMATIVO

BRASILEIRO?

O olhar para a definição destes sentidos é extremamente complexo ressaltando que o principal foco está na dignidade daqueles que foram discriminados por liberalidade do testador. As decisões acima mencionadas, sejam as canadenses e a precursora na Brasil, são significativas em alguns aspectos: a moldura constitucional e de proteção à dignidade está no centro das decisões e estas estão sendo construídas de modo a reposicionar o sujeito para o centro protetivo do ordenamento jurídico.

Indagação interessante foi realizada pelo juiz prolator da sentença: pode ser considerada moral e juridicamente válida disposição testamentária eivada dessa discriminação, vedada pela ordem constitucional e supralegal brasileira? Isso porque tal disposição contempla uns netos (cinco) em detrimento de outros (dois) - mulheres e frutos da relação não matrimonial.

A parecerista, então, além de deixar claro que nossa decisão revelou-se ser a primeira no Brasil com o tema desenvolvido, logo sem qualquer outra correspondência, de modo que as experiências aqui retratadas abrem caminho para a compreensão de um novo sentido, que deve servir também como parâmetro de fundamentação, seja na constituição teórico-abstrata da liberdade de testar e na autonomia da última vontade, seja na materialização destas liberdades.

Ao final lembro que referida decisão, pelo seu viés inédito, nos bancos acadêmicos fui ‘surrado’ pelos juristas, sem pena nem dó, com poucos saindo em defesa da tese aqui desenvolvida, mas de forma anêmica.

Vale a leitura do parecer da lavra e Carina Barbosa Gouvea que buscou fazer um histórico do tema desenvolvido e que apenas a nossa de Guaxue, e uma outra no Canadá usaram enfrentar a questão sob o manto da proteção constitucional contrário aos atos discriminatórios.

Os tópicos do parecer são:

CONSULTA....................................................................................................................................3

1. QUESITOS ................................................................................................................................ 3

PARECER ......................................................................................................................................4

1. QUESTÕES PRELIMINARES E FUNDAMENTAÇÃO..................................................... 4

1.1 INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL: UMA PRECIOSA

LIÇÃO .......................................................................................................................................................... 5

1.2 A INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS ATRAVÉS DA

CONSTITUIÇÃO E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: A ABERTURA DO CAMINHO ........... 9

2 O DIREITO CIVIL NO SÉCULO XXI: O SUJEITO COMO CENTRO PROTETIVO DO

ORDENAMENTO .................................................................................................................................... 11

2.2 A UNIDADE MATERIAL DO SISTEMA NORMATIVO: UM CAMINHO NECESSÁRIO .......... 14

3 A SUPREMACIA DO TESTAMENTO E A AUTONOMIA DA ÚLTIMA VONTADE VERSUS

DISCRIMINAÇÃO : A PREVALÊNCIA DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS ..... 18

3.1 ANÁLISE DO CASO PARADIGMÁTICO BRASILEIRO : UMA DECISÃO ATIVISTA OU

COERENTE COM A UNIDADE MATERIAL DO SISTEMA NORMATIVO BRASILEIRO? ............ 23

RESPOSTAS AOS QUESITOS................................................................................................... 29

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................

Por fim, vale a pena perder uns minutinhos de leitura.

Gaxupé, 1º/05/24.

Milton Biagioni Furquim

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 01/05/2024
Código do texto: T8053932
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