O outro lado da unificação dos órgãos policiais

A segurança pública adquire em tempos de violência maior importância junto a população superando a questão do desemprego. Não adianta estar empregado e ser assaltado na volta do trabalho, ou ser morto quando se está na fila da padaria da esquina, por meninos que se tornaram assaltantes, e procuraram dinheiro para adquirirem novas pedras de crack.

As atividades criminosas vem crescendo e a resposta do Estado não tem sido eficaz. A população aumentou, mas isso não significa diminuição dos índices de violência. Segundo a Revista Veja, Contas do Cárcere, no Estado de São Paulo, a cada ano o sistema prisional recebe 6.000 novos presos. Em 14 anos, o número de presos no Estado que atualmente é de 84.000 deve dobrar. (Revista Veja, Contas do Cárcere, 08/03/00, p. 20).

Como forma de resolver toda essa problemática, o governo Federal juntamente com os governadores de alguns Estados, entre eles o do Estado de São Paulo, estão defendendo a unificação das Polícias Civil e Militar, para formar a chamada polícia do Estado.

A Polícia Civil e a Polícia Militar possuem competências definidas no texto constitucional, art. 144, cabendo a primeira a realização da função de polícia judiciária, destinada a apuração das infrações penais, executadas as militares e àquelas que forem de competência da Polícia Federal, § 4.º do art. 144 da C.F. A PM fica reservada a função de policiamento ostensivo e preventivo, o que se denomina de polícia administrativa, § 5.º do art. 144 da Constituição Federal.

A divisão dos órgãos policiais junto aos Estados Federados existe desde a vinda da família Real para o Brasil em 1808. A Polícia Militar possui suas origens na Guarda Real, tendo inclusive incorporado a sua estética militar, fundamentada na hierarquia e disciplina. Em 1831, por meio de decreto do então regente Padre Antonio Diogo Feijó foi autorizada a criação dos Corpos Policiais no Estado. Em São Paulo, a Força Policial foi criada em 15 de dezembro de 1831, por ato do Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar.

A problemática da segurança pública que incomoda a população nos médios e grandes centros urbanos não será resolvida por meio de um decreto, que modifique o nome das forças policiais para polícia do Estado. A violência possui suas origens em questões como o desemprego, a falta de oportunidades, a baixa renda, o analfabetismo, entre outros, sendo o crime o resultado dessas ingerências.

Os órgãos policiais, fato este que nem sempre é esclarecido a população, combatem o resultado da violência mas não a sua causa, e mesmo assim o fazem com limitação de recursos. A falta de uma estrutura que possibilite um melhor preparo dos agentes policiais é um outro problema sério, pois, na sua grande maioria são cidadãos honestos, e cumpridores de seus deveres, sendo que muitos deles colocam suas vidas a serviço da coletividade.

Ao invés de se buscar a unificação dos órgãos policiais estaduais, que não irá resolver as questões de segurança pública, deve-se pensar na reestruturação dos órgãos policiais para que estes possam oferecer a população um serviço de qualidade, em atendimento ao princípio da eficiência previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal.

A polícia do Estado, se esta for a vontade livre e consciente da população e dos interessados envolvidos diretamente nas questões de defesa social, poderá ser criada aos poucos, ou talvez nem precise ser criada. O reaparelhamento da Polícia Civil e da Polícia Militar com a adoção de comandos unificados e subordinados ao Secretário de Segurança Pública, ou Secretário de Defesa Social, darão uma resposta eficaz a sociedade. Como bem observa Álvaro Lazzarini em sua obra Temas de Direito Administrativo, Editora Revista dos Tribunais, no capítulo sobre A Unificação das Polícias, é preciso regulamentar o art. 144, § 7º, da Constituição Federal, que trata da organização e funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, o que até a presente data não ocorreu.

A polícia possui suas deficiências, mas essa realidade não é uma prerrogativa apenas do Brasil. A edição de 8 de março de 2000, da Revista Veja, traz uma reportagem denominada Gangue fardada, que trata do problema de corrupção na Polícia de Los Angeles, a 2.ª maior cidade dos Estados Unidos. (Revista Veja, 08/03/2000, p. 46-7). Segundo o artigo, alguns integrantes da força policial de Los Angeles forjavam provas e depoimentos para incriminarem supostos infratores. As denúncias são em quantidade assombrosa e podem envolver mais de 70 policiais. Não podemos esquecer ainda, que a mesma polícia acusada de corrupção em 1991 espancou um motorista negro. Com a absolvição dos policiais, a cidade viveu uma comoção social, que exigiu

inclusive a presença da Guarda Nacional.

A polícia de Los Angeles que é uma força municipal em decorrência do federalismo americano, diverso do adotado pelo Brasil, é uma polícia unificada, com um corpo uniformizado, e organizado hierarquicamente, e outro destinado a função de polícia judiciária. Com base nos fatos ocorridos, o que devem fazer os cidadãos de Los Angeles, criarem uma Nova Polícia?

A questão da violência policial não é uma exclusividade do Brasil, ou dos chamados países de terceiro mundo, mas uma exceção restrita a alguns integrantes das forças policiais. O problema da segurança pública não pode e não deve ser resolvidos por meio de decreto ou projeto de Lei, devendo a matéria ser tratada com uma certa reserva.

A unificação das forças policiais até pode tornar-se uma realidade, mas se for o caso tal unificação deve decorrer do tempo e de uma maior discussão entre a sociedade e os integrantes dos órgãos de segurança pública. Na realidade, deve-se em um primeiro momento investir na Polícia Militar e na Polícia Civil, para que estas tenham condições materiais e financeiras para desenvolverem um serviço de qualidade.

Os órgãos policiais devem ser integrados por meio das escolas de formação dos agentes policiais, que devem ser únicas. A criação das UP - Unidades de Polícias, com uma Delegacia de Polícia e uma Companhia de Polícia Militar no mesmo prédio, é um outro passo importante, juntamente com as URP - Unidades Regionais de Polícias, que serão as sedes dos Comandos Unificados subordinados ao Secretário de Segurança Pública e ao Governador do Estado.

Caso se entenda necessário, as modificações nos órgãos policiais devem ser feitas de forma gradual, e talvez a unificação não seja a verdadeira opção para o sistema de segurança pública brasileiro, por força de sua origem histórica. O melhor caminho está no reaparelhamento dos órgãos policiais, e no desenvolvimento de atividades conjuntas, por meio de comandos unificados.

A polícia é atividade essencial para a existência do Estado de Direito e o desenvolvimento da sociedade. As mudanças pretendidas devem ser realizadas com reservas, para se evitar o caos e a anomia das Leis. A desorganização da segurança pública interessa apenas as organizações criminosas. O império da Lei se constrói com instituições fortes, que estejam voltadas para a realização de suas funções, como tem sido exemplo no decorrer dos anos a Polícia Militar e a Polícia Civil.

Notas:

O texto foi originariamente publicado no site Direito em Debate, mas sofreu algumas alterações para ser inserido neste site em 22 de setembro de 2007, sendo que o texto data do ano de 2000.

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