Princípio da Razoabilidade nos Processos Administrativos Militares
1.Introdução
A Constituição Federal de 1988 não é um texto distante da realidade do país, ao contrário do que vem sendo afirmado, restabeleceu o Estado democrático de Direito e ainda possibilitou o fortalecimento das instituições e dos direitos e garantias individuais do cidadão, seja este civil ou militar, que teve seus políticos restabelecidos.
O país tem sérios problemas que não estão relacionados com sua Constituição, texto de excelente qualidade, mas com questões de caráter estrutural. O controle das contas públicas que ultimamente é um mal igual ou superior à inflação, constitui-se em verdadeiro óbice para a realização dos objetivos nacionais e permanentes da nação brasileira.
A questão de segurança pública é considerada pela população como um dos problemas mais graves da atualidade, a ponto de levar a realização de estudos e manifestações por parte de setores especializados e leigos. A sociedade sem uma estrutura de segurança não alcança o desenvolvimento pretendido, que possibilita a diminuição das diferenças sociais, eliminação de problemas como doenças, desemprego, corrupção, analfabetismo, entre outros.
A qualidade dos agentes policiais, voluntários na função que livremente escolheram, vem diminuindo, o que leva ao envolvimento com atos ilícitos. A população, destinatária final do produto de segurança pública, tem medo, conforme pesquisas realizadas pela Folha do Estado de São Paulo, dos policiais civis ou militares.
O cometimento de atos ilícitos pelos agentes policiais leva à adoção de procedimentos na área penal, administrativa e civil. O policial infrator, que viola o seu juramento, responderá na Justiça Penal pelo crime que cometeu, o qual poderá estar capitulado no Código Penal, nas Leis Especiais, ou no Código Penal Militar (CPM). A nível interno, responderá a um processo administrativo, que poderá ter como conseqüência a exclusão dos quadros da Corporação. No aspecto cível, ainda poderá ser acionado juntamente com o Estado para indenizar os danos materiais ou morais suportados pelo administrado, na forma do art. 37, § 6.º, da Constituição Federal, responsabilidade patrimonial do Estado.
Em sua grande maioria, os agentes policiais são pessoas de excelente qualidade, com probidade administrativa, e ao mesmo tempo divulgadores de cultura em seu meio, respeitando os direitos e garantias dos administrados. Esses verdadeiros policiais são obrigados a conviver com os outros agentes, que não possuem o mesmo preparo, são arrogantes, e voltados para o abuso de autoridade e cometimento de ilícitos criminais.
Os agentes policias infratores devem ser punidos, em respeito ao Estado democrático de Direito. Na busca da aplicação da lei, à Administração Pública Policial não deve violar os direitos e garantias fundamentais disciplinados na Constituição Federal, que assegura aos acusados em processo judicial ou administrativo a ampla defesa e o contraditório, como forma de se preservar o contrato social, que afastou o exercício da auto-tutela.
A punição administrativa deve ser eficaz, quando comprovada a culpabilidade do agente, para se evitar o cometimento de novas infrações. A aplicação de sanção possui o seu aspecto educativo, mas esta deve ser proporcional a falta cometida, para se evitar o excesso, e a prática de arbitrariedades.
2. O policial infrator
A sociedade não mais aceita a impunidade, e quer reconstruir o país, as instituições, na busca de uma comunidade que seja livre, marcada pelo respeito à Lei, possibilitando o desenvolvimento, a geração de novos empregos, tendo como conseqüência a tranqüilidade e a paz social.
O policial infrator, ou seja, àquele que desobedece ao regulamento ao qual se encontra sujeito, e viola o seu juramento, da mesma forma que deve acontecer com qualquer outro funcionário ou cidadão, deve ser julgado, e comprovada a acusação deve ser punido, e se for o caso demitido dos quadros da Corporação, a qual ingressou de forma voluntária. Mas, a busca de uma punição ao policial infrator não pode ser marcada pelo abuso, pela intolerância, acompanhada da parcialidade dos julgamentos, onde alguns aplicam interpretação diversa ao princípio do inocência, ou seja, na dúvida o réu é culpado.
O princípio constitucional da inocência como demonstrou Paulo Tadeu Rodrigues Rosa é perfeitamente aplicável ao direito administrativo, que possui as mesmas formalidades e garantias previstas para o processo judicial, em atendimento ao disciplinado no Texto Constitucional. Esse entendimento é compartilhado pelo professor Eliezer Pereira Martins que entende que a Constituição Federal trouxe para o direito administrativos princípios até então inexistentes.
Alguns julgadores administrativos ainda não conseguiram se adaptar ao novo Texto Constitucional, e ao invés de julgarem com base nas provas, de forma objetiva e imparcial, e esse fato se deve muitas vezes a falta de formação jurídica, realizam um julgamento subjetivo fundamentado em suas convicções pessoais, que poderá levar ao abuso, a arbitrariedade, fato este que foi muito bem retrato por Eliezer Pereira Martins em sua obra "O Militar Vítima do Abuso de Autoridade".
A segurança pública é assunto sério, e esta atividade deve ser exercida por profissionais de qualidade, que não vejam no cidadão um inimigo, um mero "paisano", mas uma pessoa que possui direitos e garantias asseguradas pela Constituição Federal. O mau profissional, que se afasta dos princípios da corporações policiais que a décadas vêm servindo os Estados-membros da Federação, deve ser punidos, mas em conformidade com a lei, com julgamentos razoáveis. O emprego da força, coação administrativa é legítimo, uma vez que o Estado não pode ser omisso no exercício de suas funções constitucionais, mas isso não autoriza a prática de atos abusivos, que são incompatíveis com o Estado democrático de Direito.
Ao contrário do que vem sendo sustentado por alguns doutrinadores, como Hely Lopes Meirelles e Diogo de Figueiredo Neto, o Poder Judiciário possui legitimidade e competência para analisar o mérito do ato administrativo, seja através da análise da razoabilidade da decisão como defendido por Celso Antônio Bandeira de Melo, ou mesmo diretamente em relação ao mérito administrativo.
3. Análise do Mérito Administrativo pelo Poder Judiciário.
O processo administrativo militar que se aplica tanto aos integrantes das forças armadas como das forças auxiliares, aos poucos vem ganhando sistematização, o que lhe confere características de um ramo autônomo do direito, e que sofreu profundas modificações com a Constituição Federal de 1988.
Os militares que exercem uma função especial relacionada com a manutenção da segurança nacional, forças armadas, e da segurança pública, forças auxiliares, são cidadãos, que também possuem direitos e garantias fundamentais, que devem ser observadas e respeitadas tanto pela sociedade com pelas autoridades militares.
Ao contrário dos civis, mas de uma forma não muito diversa, os militares encontram-se sujeitos a dois princípios fundamentais que são : a hierarquia e a disciplina. Mas, isso não significa que em decorrência desses princípios os julgamentos administrativos militares possam se afastar do razoável, e dos cânones constitucionais, devido processo legal, ampla defesa e contraditório, entre outros.
A respeito da aplicação do princípio da razoabilidade no processo administrativo militar, o Dr. Fernão Borba Franco, nos autos n.o 42/98 da Vara da Fazenda Pública preleciona que, segundo ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio da razoabilidade, previsto no art. 111 da Constituição do Estado, é limite imposto ao legislador e ao administrado, devendo ser por ambos observado. Prossegue, dizendo que em princípio a irrazoabilidade "corresponde à falta de proporcionalidade, de correlação ou de adequação entre os meios e os fins, diante dos fatos (motivos) ensejadores da decisão administrativa". Prossegue, citando exemplos de falta de proporcionalidade, de razoabilidade ou de adequação, concluindo que no exame do caso concreto muitas vezes a discrição conferida ao legislador deixa de existir, pela redução das opções abertas ao arbítrio do administrador (Discricionariedade administrativa na constituição de 1998, Atlas, São Paulo, 1991, pp 146/151. O trecho transcrito está na p. 147).
O Estado deve sob pena de responsabilidade na forma disciplinada no art. 37, § 6.º, da Constituição Federal, punir o militar, federal ou estadual, mas isso não significa que as decisões administrativas possam ter um caráter pessoal, sujeitando o funcionário a vontade do julgador, que decide em alguns casos sem qualquer critério técnico-científico, fundamentado o ato na chamada discricionariedade, a qual a muito Hely Lopes Meirelles já ensinava que não se confunde com arbitrariedade.
As decisões administrativas que se afastam do razoável, como por exemplo, a punição que melhor se aplicava no caso seria uma detenção de 10 dias, e não a exclusão dos quadros da Corporação, pode e deve ser revista pelo Poder Judiciário, que é o guardião dos direitos e garantias fundamentais do
cidadão. O art. 5.º, inciso XXXV, da Constituição Federal disciplina que, nenhuma ameaça ou lesão a direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário, instituindo desta forma em nosso país o princípio da jurisdição una, que já era consagrado na Constituição de 1967, e na Constituição de 1946, ao contrário do que ocorre na França onde existe uma jurisdição administrativa e outra judicial, denominado de sistema dúplice.
Conclusão
O agente policial infrator deve ser punido pela Administração Pública, mas isso não autoriza a prática de abusos, ou a realização de julgamentos que tenham o caráter subjetivo, que é incompatível com as garantias constitucionais.
Nos processos administrativos militares, a busca da punição ao transgressor não pode e não deve se afastar das garantias constitucionais, uma vez que a Constituição de 1988 instituiu as mesmas garantias que são asseguradas aos acusados em processo judicial, aos litigantes em geral.
O art. 5.º, inciso XXXV, permite que o Poder Judiciário analise a razoabilidade da decisão administrativa, ou seja, se esta não é abusiva, e se o julgamento não se encontra desprovido do caráter de imparcialidade, que deve acompanhar as decisão proferidas pela Administração Pública. Existem estudiosos que defendem inclusive que o Judiciário possui competência para analisar o mérito do ato administrativo, em decorrência do princípio da jurisdição una.
A sociedade não mais aceita a existência de policiais infratores que não respeitem os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, que podem e devem ser cerceados quando necessário, sem que isso signifique a prática do abuso de autoridade. Mas, a busca da punição não pode cercear direitos que são assegurados aos acusados, entre eles a aplicação do princípio da inocência.
A construção de um Estado democrático de Direito tem como fundamento o respeito aos direitos previstos e disciplinados na Constituição Federal, que é a norma fundamental de uma nação. Desrespeitar a Constituição é negar o próprio Estado de Direito, e se afastar da Justiça. Os infratores devem ser punidos, para se evitar o sentimento de impunidade, mas a busca do exercício do jus puniendi deve ocorrer em conformidade com a Lei.
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Nota :
O artigo foi originariamente publicado no site O Neófito.
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