Polícia, Violência e Sociedade

A violência ao lado do desemprego é uma das principais preocupações da população brasileira, que a cada dia se sente prisioneira, refém em suas próprias residências. As ruas se tornaram um lugar inseguro, onde andar de carro ou sozinho, significa a possibilidade de ser assaltado, ou até mesmo morto, por pessoas que não respeitam as leis previamente existentes.

Quando um integrante de uma família de pessoas conhecidas junto à imprensa sofre qualquer ato ilícito, o discurso de lei e ordem passa a ser a bandeira da salvação, da modificação do sistema de segurança pública, capaz de levar a tranqüilidade a toda a sociedade brasileira de norte a sul do país.

Os mais humildes sofrem arbitrariedades, violências, todos os dias, e na maioria das vezes são esquecidos. Afinal, as sevícias que suportam não rendem notícias, ibope, ou qualquer outro benefício.

Acusa-se a Polícia, janela da sociedade, como sendo a responsável pelo aumento da criminalidade por falta de uma melhor política de defesa social. Para os estudiosos a criminalidade deve ser combatida com o emprego da força, para se evitar que as pessoas inocentes sejam mortas pelos chamados marginais, ou organizações criminosas. Mas, será que a Polícia é realmente a culpada pelo aumento da criminalidade? Não haveria outros fatores que concorrem ou contribuem diretamente para a realidade que é noticiada pelos telejornais?

Segundo o art. 144, caput, da Constituição Federal, a segurança pública é um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, o que significa que cada um dos brasileiros e estrangeiros que vivem no território nacional possuem a sua parcela de responsabilidade. A Polícia não é a responsável pelo aumento da criminalidade, sendo que existem outros elementos que contribuem diretamente para esta realidade, como o desemprego, a falta de oportunidades nas áreas de educação, saúde, entre outras questões.

A maioria dos críticos das atividades desenvolvidas pelos órgãos policiais nem mesmo conhecem o que é uma organização policial, não visitaram um quartel, uma companhia de polícia, ou mesmo uma delegacia, na busca de conhecerem as atividades desenvolvidas por esses órgãos, ou acompanharem uma diligência desenvolvida para a preservação da ordem pública.

Na maioria das vezes, os órgãos policiais não possuem os recursos necessários para combaterem a criminalidade, devido à falta de políticas voltadas para área de segurança pública, que somente adquire interesse em momentos de eleição, quando então surgem várias propostas voltadas para melhoria das condições de vida dos eleitores, que não possuem condições de investirem em segurança privada.

A realidade das ruas é diversa do discurso, da precisão das ciências matemáticas. O agente policial combate os criminosos com armamentos que eram utilizados nas décadas de 60-70, sendo que a população dos diversos Estados-membros da Federação aumentou de forma considerável.

Enquanto os marginais se utilizam de armas semi-automáticas, granadas, rifles, fuzis AR-15, metralhadoras, armamentos de uso reservado das Forças Armadas, adquiridos ilicitamente no mercado negro, os policiais são chamados a enfrentarem esta realidade com revólver calibre 38, viaturas precárias, delegacias sem estrutura, computadores ultrapassados, mas com a obrigação de preservarem a ordem pública e a integridade física e patrimonial dos cidadãos mesmo com o sacrifício de suas próprias vidas, sob pena de omissão.

Nos estudos sobre forças policiais, tornou-se comum mencionar a cidade de Nova Iorque, sede do NYPD, Departamento de Polícia de Nova Iorque, como modelo de Polícia a ser seguido, em decorrência do programa denominado Tolerância Zero, que teria levado a resultados positivos no combate à criminalidade. Mas, bata uma mera comparação da estrutura material da Polícia daquela cidade com a Polícia, por exemplo, do Estado de São Paulo, para se concluir que primeira possui muito mais recursos do que a segunda no exercício de sua atividade fim.

Na cidade de Nova Iorque, com uma população de aproximadamente 8 milhões de habitantes, existem 1.593 viaturas para um efetivo de 46.039 homens, sendo que o Estado de São Paulo, com uma população de aproximadamente 36, 5 milhões, possui 1.379 viaturas para um efetivo de 88.308 homens. A Polícia de Nova Iorque possui 328 furgões de 12 lugares, enquanto que a Polícia de São Paulo não possui nenhum. Esses dados, que são de 1995, são suficientes para demonstrarem a diferença existente entre as duas Instituições que estão voltadas para a função de segurança pública[i].

A Polícia como qualquer outra Instituição recruta os seus integrantes da própria sociedade, que no passar dos anos tem enfrentado uma queda de qualidade tanto no aspecto educacional como no aspecto moral. É bem verdade que estes fatos não justificam erros, ou a má qualidade do serviço prestado, mas seria uma falta de bom senso pensar que uma Polícia desprovida de recursos humanos e materiais seria capaz de resolver todos os problemas relacionados a criminalidade. Os atuais problemas enfrentados pelo país são de ordem estrutural, o que exige a adoção de medidas voltadas para a melhoria da qualidade de vida da população e a geração de empregos.

Não podemos esquecer ainda que a Polícia combate os efeitos externos, ou seja, não enfrenta as causas que levam às pessoas a marginalidade, ao desrespeito da Lei. A cada dia a população carcerária aumenta, e o governo não consegue acompanhar a demanda, uma vez que esta cresce em progressão geométrica. As rebeliões estão se tornando comuns, em quase todos os lugares, Delegacias, Cadeias Públicas, Presídios. Em qualquer unidade prisional o número de vagas é inferior a demanda.

As Forças Policiais estão cumprindo com as suas funções constitucionais, mas o mesmo Estado-Administração que determina o cumprimento da lei, ou seja, que manda prender o infrator, não tem lugar onde colocá-lo, criando desta forma verdadeiros depósitos de seres humanos. Nestes locais, a violência, as doenças, e outros problemas, são uma realidade, que tem assustado a população na forma de rebeliões, onde reféns e funcionário acabam sendo mortos.

O sistema possui uma lógica que deve ser observada e respeitada para se evitar o caos, a anomia das Leis, que pode conduzir a desagregação do Estado, e até mesmo a um estado de exceção, onde a autotutela afasta o Estado democrático de direito. A ilegalidade não deve ser suportada, pois viver em um Estado democrático de Direito significa cumprir à lei e respeitar às autoridades constituídas. Mas, o uso exclusivo da força por meio dos órgãos policiais não será suficiente para conter o aumento da criminalidade.

É preciso à adoção de políticas voltadas para o desenvolvimento econômico, a geração de empregos, a melhoria da saúde, dos estabelecimentos públicos de educação, incentivo a planos de moradia, e soluções para as questões de segurança pública, para se evitar o aumento da criminalidade.

O Estado de Direito pressupõe que as pessoas não irão morrer na porta dos hospitais sem atendimento, que as crianças não ficarão sujeitas à sorte para terem acesso a uma incubadora, ou que pessoas tenham que depender da caridade de seus semelhantes para que possam se alimentar e viver com um pouco de dignidade.

A sociedade por força do artigo 144, caput, da Constituição Federal, também é responsável pela segurança pública, e por todas as mazelas que são suportadas pelos demais integrantes da coletividade. O comodismo deve ser deixado de lado, abandonando-se o jargão que tudo depende da atuação do Estado.

Para existir o consumo é preciso existir renda, emprego, possibilidade de ascensão às oportunidades em decorrência do esforço e da dedicação de cada um, para se evitar o descumprimento da Lei, o aumento das pessoas que se encontram na marginalidade lutando nos semáforas pela sobrevivência.

O infrator deve ser punido, uma vez que o direito existe para ser observado e respeitado, sob pena do uso da força para o restabelecimento da ordem. Mas, sem recursos, os órgãos policiais enfrentam dificuldades para cumprirem a missão prevista na Constituição Federal.

O país passa por modificações, transformações, conceitos que até então eram absolutos estão sendo abandonados, exemplos dessa realidade são as privatizações das Estatais. O caminho a ser trilhado já é conhecido, mas é preciso dedicação na busca de uma sociedade melhor, livre, justa, e soberana, onde a força da Lei possa se sobrepor a qualquer abuso, ou arbitrariedade, e onde as pessoas tenham dignidade, princípios que são fundamentos da República Federativa do Brasil.

[1] COSTA, Carlos Alberto. Segurança Pública. Revista Força Policial n° 13 jan/fev/mar/97, p. 20-21

Versão original publicada no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 20.07.2004.