Absolvição criminal e reintegração do militar estadual com base na Emenda Constitucional n º 45/2004

As forças policiais conforme ensina a doutrina, Álvaro Lazzarini, em sua obra Direito Administrativo, Revista dos Tribunais, são as responsáveis pela preservação da ordem pública em seus aspectos, segurança pública, tranqüilidade, e salubridade pública, conforme dispõe o art. 144, caput, da Constituição Federal de 1988, e as Constituições dos Estados-membros.

No exercício de suas funções, os militares estaduais que integram as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares, art. 42 da CF, são regidos tanto pelos diplomas civis, Código Penal Brasileiro, Código de Processo Penal, Leis Especiais Criminais, como pelas leis militares, Código Penal Militar, Código de Processo Penal Militar e os Regulamentos Disciplinares, que em atendimento a art. 5º, inciso LXI, da Constituição Federal, devem ser instituídos por meio de lei proveniente do Poder Legislativo, como o fizeram o Estado de São Paulo e Minas Gerais.

A prática de um ato ilícito por um militar estadual faz nascer para a Administração Pública Militar o denominado jus puniendi, sujeitando o infrator a uma responsabilidade penal, administrativa, e até mesmo civil, obrigação de indenizar a vítima. A possibilidade de ser responsabilizado por um mesmo ato tanto no campo penal como no âmbito administrativo não é uma regra geral para todas as Forças Auxiliares do Estados da Federação.

O Estado de Minas Gerais, por força do Código de Ética e Disciplina dos Militares Estaduais, no caso de um crime doloso praticado por um militar estadual determina que a abertura do processo administrativo deve aguardar o término do processo-crime, a não ser que o ato praticado cause prejuízo a imagem da Instituição Militar Estadual, como ocorre por exemplo com a prática do crime de tráfico de entorpecentes capitulado no art.12, da Lei 6368/76.

A questão dos reflexos do ato criminal na esfera administrativa não pode deixar de levar em consideração que o direito administrativo disciplinar militar é um ramo autônomo do direito, e não se encontra vinculado ao direito penal. Neste sentido, a prática de um ato ilícito poderá ter repercussões tanto no campo penal como no âmbito administrativo, possibilitando desta forma a abertura de um processo-crime e também de um processo administrativo, que poderá levar a perda da função pública do servidor militar.

O Estado de São Paulo com base no regulamento disciplinar vigente da Polícia Militar, o mesmo ocorrendo com o regulamento anterior, não vincula a abertura de um processo administrativo ao término do processo criminal. Neste sentido, se um policial militar ou bombeiro militar praticar um crime de peculato capitulado no art. 303 do CPM, e art. 312 do CP, poderá ser processado na área penal, e também no âmbito administrativo, em razão da transgressão disciplinar grave representada pelo ato de improbidade, que fere os preceitos estabelecidos no art. 37, da Constituição Federal que alcançam a Administração Pública, Civil ou Militar, e também os seus integrantes.

O dilema da questão surge quando pelo mesmo ato o militar estadual é absolvido na seara penal, e perde a sua função no âmbito da Administração Pública Militar. Segundo algumas legislações estaduais, nestas situações o militar poderá ser reintegrado ao serviço público com todos os direitos e garantias inerentes ao posto ou a graduação que exercia na data da demissão ou exclusão, o que denomina na doutrina de efeito ex tunc.

A Constituição Federal assegura ao militar, federal ou estadual, prerrogativas funcionais que estão estabelecidas nos arts. 42 e 142. No tocante, aos reflexos do ato ilícito penal no âmbito administrativo algumas Constituições como a do Estado de São Paulo, e algumas Leis Federais, como o Estatuto dos Funcionários da União, estabelecem que a absolvição no campo penal permitirá a reintegração do servidor aos quadros da Administração Pública.

O art. 126, da Lei Federal nº 8.112/1990, estabelece expressamente que a responsabilidade administrativa do servidor público será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria, não fazendo menção a absolvição por insuficiência de provas. É importante se observar, que as normas jurídicas que tratam dos reflexos da absolvição criminal no campo administrativo não discriminaram qual a espécie de absolvição permitirá a reintegração do militar.

O Poder Judiciário como guardião dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, e também como responsável pela pacificação das lides tem entendido que a absolvição por insuficiência de provas não assegura ao militar o direito de ser reintegrado ao posto ou graduação que exercia antes da demissão ou expulsão dos quadros de sua Corporação.

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça de forma majoritária têm decidido que a absolvição do servidor militar, estadual ou federal, por insuficiência de provas não assegura ao interessado o direito de ser reintegrado na função pública. O direito administrativo possui autonomia, sendo que neste campo é analisada a conduta do militar como integrante de uma Corporação Militar regida por princípios de hierarquia, disciplina, e ética, que são essenciais na vida militar.

Em razão do advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, a competência para decidir sobre a reintegração ou não do militar estadual absolvido por uma infração penal com reflexos na administração publica passou a ser da Justiça Militar Estadual.

O Juiz de Direito do Juízo Militar, anteriormente Juiz-Auditor, e não o Conselho de Justiça, Especial ou Permanente, é o órgão jurisdicional competente para processar e julgar as ações de reintegração de cargo propostas por ex-militares estaduais contra o Estado ou contra a Fazenda Publica do Estado.

Os recursos das decisões proferidas pelos Juízes de Direito do Juízo Militar deverão ser remetidos nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, para Tribunal de Justiça Militar, e no demais Estados da Federação para o Tribunal de Justiça.

O legislador constituinte derivado de forma escorreita trouxe para a Justiça Militar Estadual, que se faz presente nos 26 Estados-membros da União e no Distrito Federal, a matéria disciplinar para ser analisada. Desta forma, as Justiças Estaduais Castrenses tiveram a sua competência ampliada, permitindo desta forma um fortalecimento deste órgão do Poder Judiciário, que desde a Constituição de 1946, vem prestando relevantes serviços ao Brasil.

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1.Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 10.10.2005

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