Estatuto do desarmamento e as atividades desenvolvidas pelas guardas municipais – Aspectos legais e constitucionais

No Brasil assim como ocorre em outros países, Estados Unidos da América entre outros, a polícia não é única. Nos Estados-membros em regra existem duas polícias, a Polícia Civil e a Polícia Militar. Na União, a polícia divide-se em: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal.

O legislador de 1988 resolveu reinstituir as Guardas Civis, que existiram no passado e foram criadas para suprirem as lacunas deixadas pelas Forças Públicas, que na época mais se dedicavam às atividades de segurança interna. O policiamento urbano, trânsito, cinema, e as questões comunitárias, foram assumidas pelos guardas municipais por serem atividades essenciais para a preservação da integridade física e patrimonial do cidadão.

Segundo a norma constitucional, as Guardas Civis têm por objetivo preservar os próprios dos municípios, o que significa que estas corporações não podem exercer atividades de policiamento ostensivo e preventivo, que nos Estados-membros são exclusivas da Polícia Militar, ou mesmo atividades de Polícia Judiciária que são reservadas à Polícia Civil. Na União, cabe à Polícia Federal exercer as atividades de policiamento ostensivo e de polícia judiciária, conforme dispõe o art. 144, § 1º, incisos I, II, III e IV.

As Guardas Civis possuem a competência prevista no art. 144, § 8º, da Constituição Federal, e não integram os órgãos de segurança pública instituídos no art. 144, incisos I a V. O texto constitucional é claro, mas alguns estudiosos buscam uma interpretação extensiva que não encontra amparo legal quanto ao campo de atuação dos guardas municipais.

Em razão do aumento da criminalidade que tem feito várias vítimas, os guardas municipais passaram ainda que de forma indevida a serem empregados em atividades de policiamento ostensivo como ocorre na cidade de São Paulo e em outros municípios espalhados pelo Brasil, inclusive com o emprego de armas.

A população que sente a violência no dia-a-dia não está preocupada com discussões acadêmicas. Para o cidadão não importa o posto, a graduação, a Corporação, daquele que irá atender a ocorrência. Os civis querem uma resposta por parte do Estado, não se preocupando com o título do agente que representa a administração pública.

O Estatuto do Desarmamento que tem por objetivo retirar das mãos da população as armas ilegais, princípio este que com certeza será estendido aos infratores que se encontram na marginalidade e nos morros das grandes cidades e periferias, com seus lança-granadas AR-15, AR-15 Baby, lançadores de foguete, entre outros artefatos e armamentos, estabeleceu que os guardas municipais não mais poderão utilizar armas de fogo.

Segundo a lei federal, art. 6º, somente em determinados municípios, em regra de médio e grande porte, é que os guardas municipais estarão autorizados a utilizarem armas de fogo. Percebe-se que o novo texto apresenta incongruências e desconhece a realidade das ruas, onde o infrator não respeita os agentes da administração pública que não tenham condições de apresentar uma resposta quando esta for necessária.

Na realidade, o emprego das guardas municipais no sistema de segurança pública necessita ser regulamentado como prevê o próprio art. 144 da CF. Há muito tempo esta regulamentação poderia ter ocorrido por meio de emenda constitucional. Se mais de 40 emendas foram feitas, nada impede que uma outra seja apresentada, ainda mais em um campo tão essencial para os direitos e garantias fundamentais.

As atividades desenvolvidas pelas Guardas Municipais possuem relevância e merecem atenção do legislador. Se um vigia de banco tem o direito de utilizar uma arma de fogo no exercício de suas funções este direito não deve ser negado a um guarda municipal que estará no exercício de suas atividades defendendo o patrimônio do município, que muitas vezes possuem um valor inestimável.

Apenas a título de elucidação, imagine como deverá atuar um guarda municipal que no interior de uma cidade do Estado de Minas Gerais se depare com um grupo de pessoas tentando furtar uma obra sacra do interior de uma Igreja. Se o grupo estiver armado e atirar contra o guarda municipal como este agente do Estado deverá reagir? Por força do Estatuto do Desarmamento se for uma cidade de pequeno porte, ele deverá sair correndo, ou buscar reforço com algum tacape ou estilingue que esteja ao seu alcance.

No ano de 2002, quarenta e uma mil pessoas foram assassinadas, um número bem superior aos soldados americanos mortos nas duas edições da guerra do Iraque, o que demonstra que o País enfrenta ainda que de forma velada uma guerrilha urbana, onde o inimigo não mostra o seu rosto, mas pode a qualquer momento fazer uma nova vítima.

Apesar da ausência de regulamentação as Guardas Municipais não podem e não devem ser excluídas das atividades de segurança pública que são desenvolvidas junto aos hospitais municipais, postos de saúde, repartições públicas, escolas municipais, entre outros, que são essenciais para as pessoas que vivem nos municípios.

O uso das armas de fogo é uma prerrogativa dos órgãos policiais e das Forças Armadas como ensina Otto Mayer, mas esta prerrogativa não pode ser negada aos guardas municipais independentemente de o município possuir ou não um determinado número de habitantes.

A integridade física e patrimonial do cidadão é uma garantia fundamental que deve ser preservada. Não basta apenas desarmar a população, é preciso criar as condições necessárias que possam levar a uma vida onde o medo não seja uma constante, e o retorno ao lar com segurança seja uma realidade.

Aos agentes que integram as forças de segurança e aos guardas municipais deve ser assegurado um tratamento que permita o exercício efetivo de suas funções, sem que estes fiquem sujeito à ação dos grupos criminosos que não mais respeitam as autoridades constituídas, como ficou evidenciado com a morte dos juízes de Direito dos Estados de São Paulo e Espírito Santo.

A vida e a liberdade são o maior bem que o cidadão possui. A preservação delas é um dever do Estado. As forças de segurança devem atuar no exercício de suas competência com os meios e os instrumentos necessários, sem limitações que possam impedir o exercício efetivo das funções para as quais foram criadas.

Publicado originariamente no Boletim IBCCRIM nº 154 - Setembro / 2005