Tribunal de Justiça Militar reconhece a aplicação da Lei Federal nº 10.792/2003 na Justiça Militar Estadual de Minas Gerais

A Lei Federal nº 10.792/2003 alterou o Código de Processo Penal determinado que o Interrogatório a partir de sua vigência ficasse sujeito ao princípio do contraditório, o que anteriormente não ocorria. Desde o advento da referida Lei Processual, Paulo Tadeu Rodrigues Rosa em artigo publicado no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, IBCCRIM, no dia 20/04/2004, Disponível em http://www.ibccrim.org.br, tem defendido a aplicação efetiva desta lei federal na Justiça Militar, Estadual ou Federal, mesmo esta não tendo feito referência expressa ao Código de Processo Penal Militar.

No dia 05 de maio de 2007, o Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, após apreciar os embargos infringentes nº 169, fez publicar no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais, a decisão que foi tomada por maioria de votos, onde reconhece a efetiva aplicação da Lei Federal 10.792/2003 na Justiça Militar Estadual.

Em razão da importância do acórdão que foi proferido, instituindo precedente a respeito da matéria, este deve ser transcrito na íntegra, então vejamos:

EMBARGOS INFRINGENTES Nº 169

Origem: Correição Parcial nº 65 – Embargos de Declaração nº 59 – Processo nº 23.641/2ª AJME

Revisor e relator p/acórdão: Juiz Fernando Galvão da Rocha

Relator: Juiz Cel PM Paulo Duarte Pereira

Embargante: Cb PM E. A.G.N

Embargado: Acórdão do TJM

Advogado: Dr. Fabrício Santos Almeida

SUMÁRIO

Embargos Infringentes – Correição Parcial – Possibilidade de advogado de um dos réu fazer reperguntas em interrogatório de outro – Princípio constitucional da ampla defesa – Provimento do recurso.

EMENTA

- A possibilidade do advogado do réu formular reperguntas, na oportunidade do interrogatório, aplica-se na Justiça Militar Estadual, mesmo que a Lei nº 10.792/03 tenha modificado apenas o Código de Processo Penal Comum – Aplicação do princípio constitucional da isonomia.- Na ação penal promovida contra vários réus, a relação jurídico-processual que se estabelece envolve a multiplicidade de partes em um mesmo pólo, sendo impossível o seu fracionamento para isolar um réu dos demais. - Cada um dos co-réus tem interesse de defender-se das imputações formuladas pelo Ministério Público, bem como de qualquer informação oriunda do interrogatório dos demais réus que possa prejudicar a sua situação jurídica. - Conceder oportunidade para que a defesa técnica de um acusado participe no interrogatório de outro é medida que preserva o direito do primeiro produzir prova em sua defesa – observância do princípio constitucional da ampla defesa. - Recurso provido para determinar a renovação dos interrogatórios dos co-réus e permitir a participação efetiva da defesa técnica do embargante.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos dos Embargos Infringentes nº 169, sendo embargante o Cb PM, embargado o acórdão do TJM e advogado o Dr. Fabrício Santos Almeida, acordam os Juízes do Tribunal Pleno, por maioria de 3 votos a 2, em dar provimento aos embargos para determinar renovação do interrogatório dos co-réus e permitir a participação efetiva de sua defesa técnica. Vencidos os Juízes Cel PM Paulo Duarte Pereira, relator, e Cel. PM Rúbio Paulino Coelho, que conheciam dos embargos infringentes, para negar-lhes provimento. Relator para o acórdão o Juiz Fernando Galvão da Rocha.

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos infringentes interpostos pelo ilustre causídico do

militar alhures qualificado, com fundamento no voto vencido do Juiz Jadir Silva, que dava provimento à correição parcial interposta pelo

embargante.

O ora embargante Cb PM, interpôs, através de seu defensor, CORREIÇÃO PARCIAL, contra decisão exarada pelo MM. Juiz da Segunda Auditoria Militar Estadual, nos autos do Processo n° 23.641/01, que indeferiu pedido da defesa para que procedesse reperguntas aos réus co-autores: Tenente PM, Cb PM, e Sd PM, para fim de aplicação ao contraditório, além de que o conteúdo

do interrogatório dos mesmos dizia a respeito de seu cliente, o que foi

indeferido pelo Juiz da 2ª AJME , ao fito de indeferir o pedido com fulcro no artigo 188 do Código Penal Comum, analogicamente, eis que, o interrogatório continua privativo do juiz, restando às partes rogarem pelo suprimento de algum esclarecimento pertinente e relevante. Tanto que a oportunidade de esclarecimento é dada ao defensor do respectivo réu, e não a defensor de outros réus, a não ser que o interrogatório impute fato prejudicial ao réu defendido por outro advogado.

Ao final requer sejam julgados procedentes os presentes embargos

infringentes e de nulidade e, por conseqüência, dado provimento à

correição parcial para determinar ao Juízo da 2ª AJME o retorno dos

autos à fase do interrogatório para que seu causídico possa elaborar

perguntas aos também acusados.

Seguiram os autos ao Exmo. Sr. Procurador de Justiça, Dr. Epaminondas Fulgêncio Neto, que emitiu o parecer de fls. 12 e 13, in verbis:

“Trata-se de embargos infringentes interpostos pelo Cb PM , com fundamento no voto vencido do Juiz Jadir Silva, que dava provimento à correição parcial interposta pelo embargante. Consta nos autos que o embargante e mais sete militares foram denunciados por lesão corporal e constrangimento ilegal. Os denunciados foram

representados, em Juízo, por advogados diferentes.

O advogado do embargante, Dr. Fabrício Santos Almeida, durante o

interrogatório dos réus - os quais NÃO ERAM CLIENTES DO DR. FABRÍCIO SANTOS ALMEIDA, requereu ao Juiz que lhe fosse dada a oportunidade de fazer-Ihes perguntas, o que foi indeferido, dando causa a interposição de correição parcial.

O Juiz Jadir Silva, sob o fundamento de que o interrogatório não é mais ato privativo do Juiz, em razão da Lei nº 10.792/03, votou pela procedência do recurso.

O entendimento desposado pelo Dr. Jadir Silva também é adotado pela

maioria dos Juízes das Auditorias Militares Estaduais e pelo parquet (mesmo que a Lei 10.792/03 tenha modificado apenas o Código de Processo Penal Comum). Ocorre que, no presente caso não foi indeferida a participação dos procuradores dos réus no interroqatório, mas sim a interferência do advogado Dr. Fabrício Santos Almeida, que era defensor só do embargante.

As partes relacionadas diretamente nos interrogatórios dos réus, eram seus procuradores, o Ministério Público, o Juiz e o

assistente de acusação (que no caso não existia). Partes, no sentido estrito da palavra e para fins do ato do interrogatório, não engloba os procuradores dos co-réus.”

S. Exa., ao final, pugna pelo não provimento dos presentes embargos.

É o relatório (do relator vencido).

VOTOS

JUIZ FERNANDO GALVÃO DA ROCHA, REVISOR E RELATOR PARA O

ACÓRDÃO

Srs. Juízes, a possibilidade de o advogado do réu formular reperguntas, na oportunidade do interrogatório, se aplica na Justiça Militar Estadual, mesmo considerando que a Lei nº 10.792/03 tenha modificado apenas o Código de Processo Penal Comum. Em atenção ao princípio constitucional da isonomia, não se pode dar tratamento diferenciado aos réus em decorrência de sua condição de militar. Se o advogado de policial civil acusado da prática de crime pode intervir na oportunidade de realização do interrogatório de seu constituinte, não há razões para que a defesa de policial militar encontre

restrições a esta espécie de intervenção defensiva.

Entendo ainda que, na ação penal promovida contra vários réus, a relação jurídico-processual que se estabelece envolve a multiplicidade de partes em um mesmo pólo, sendo impossível o seu fracionamento para isolar um réu dos demais. No âmbito de uma relação processual desta natureza, cada réu tem interesse de defender-se das imputações formuladas pelo Ministério Público, bem como de qualquer informação oriunda do interrogatório dos co-réus que

possa prejudicar a sua situação jurídica.

Desta forma, a única interpretação que concilia a literalidade do disposto no art. 188 do CPP com o princípio constitucional da ampla defesa é aquela que considera cada um dos co-réus como parte de uma mesma relação jurídica, interessados em defender seus interesses da ação potencialmente prejudicial dos demais.

Por isso, em atenção ao princípio constitucional da ampla defesa, entendo que o presente recurso deva ser provido para possibilitar à defesa técnica do acusado CB PM fazer perguntas aos co-réus, na

oportunidade de seus interrogatórios.

Conceder oportunidade para que a defesa técnica de um acusado participe no interrogatório de outro é medida que preserva o direito do primeiro produzir prova em sua defesa. Neste sentido é a lição do prof. Eugênio Pacelli de Oliveira, que tomo a liberdade de transcrever:

“... não temos dúvidas em ver incluído, no princípio da ampla defesa, o direito à participação da defesa técnica – do advogado – de co-réu durante o interrogatório de todos os acusados. Isso porque, em tese, é perfeitamente possível a colisão de interesses entre os réus, o que, por si só, justificaria a participação do defensor daquele co-réu sobre quem recaiam acusações por parte de outro, por ocasião do interrogatório. A ampla defesa e o contraditório

exigem, portanto, a participação dos defensores de co-réus no interrogatório de todos os acusados.” (Curso de Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 29)

Não se pode esquecer que a ampla defesa, assegurada na Constituição da República, realiza-se por meio da defesa técnica, da autodefesa, da defesa efetiva e na consideração de qualquer meio de prova lícito que possa demonstrar a inocência do acusado.

No que diz respeito ao exercício da defesa técnica, a amplitude de seu

exercício só pode encontrar limites na atuação lícita do patrono do réu na defesa de seus interesses. E não se pode considerar ilícito que o advogado de um réu participe do interrogatório de outro.

Isto não significa, entretanto, que o interrogado esteja obrigado a responder as perguntas formuladas pela defesa do co-réu. A amplitude do direito de defesa do interrogado lhe garante o direito ao silêncio.

Por tais razões, dou provimento ao recurso interposto pelo Cb PM para determinar a renovação dos interrogatórios dos co-réus e permitir a participação efetiva de sua defesa técnica.

JUIZ CEL PM PAULO DUARTE PEREIRA, RELATOR VENCIDO

Presentes os pressupostos básicos de sua admissibilidade, o que me faz conhecer os embargos infringentes. É de sabença geral que foi publicada a Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, que modificou todo o procedimento referente ao interrogatório na Justiça comum, sendo que o art. 188 do Código de Processo Penal Comum ficou com a seguinte redação: "Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante." Com essa modificação, o interrogatório na Justiça Comum deixou de ser um ato pessoal do magistrado processante, admitindo a intervenção das partes, ou seja, do Ministério Público e do defensor do réu. As modificações trazidas pela Lei nº 10.792/03 foram específicas para o Código de Processo Penal Comum. Claro que, buscando atingir um processo mais justo, fundamentado nos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, a Justiça Militar poderá, por política criminal, vir a aceitar a interferência das partes no interrogatório.

Porém, o que o advogado do embargante chama de ABUSO, foi o fato de o Juiz de Direito Cooperador da 2ª AJME não permitir sua ingerência em interrogatório de co-réus, para os quais não advogava. É certo que a correição parcial se destina a corrigir error in procedendo, não error in judicando e, segundo Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes (Recursos no Processo Penal 2ª Ed. Revista dos Tribunais 1997 p. 253), não é qualquer ato do juiz que enseja CORREIÇÃO, mas somente o que represente erro ou abuso. O erro consiste em equívoco na interpretação da lei ou na apreciação do fato.

O abuso é o excesso ou a prática consciente da ilegalidade. Em regra, exige-se que o erro ou abuso ocasione a inversão tumultuária dos autos e fórmulas legais da ordem do processo, ou seja, que conturbe a correta tramitação processual. Todavia, após acurada análise nas alegações do culto e combativo advogado, não se vislumbra nenhum erro ou abuso na conduta do juiz, ao indeferir a oitiva de co-réus em fase de interrogatório, como pretende o causídico. Não há amparo jurídico para determinar o procedimento de realizar novos interrogatórios dos co-réus, que já foram ouvidos e apresentaram a sua versão dos fatos, juntamente com o embargante.

O art. 303 do CPPM prescreve: "O interrogatório será feito, obrigatoriamente, pelo juiz, não sendo nele permitida a intervenção de qualquer outra pessoa." In casu, certeira a decisão do juiz a quo em não permitir ao defensor do embargante Cb PM em fazer reperguntas no interrogatório dos outros co-réus, existentes no processo. Assim, vislumbro, como bem ressaltou o Douto Procurador de Justiça Dr. Epaminondas Fulgêncio Neto, em seu judicioso parecer, tratar-se de expediente sem qualquer sustentação legal, pelo que se apresenta correta a decisão primeva. Ante o exposto, CONHEÇO DOS EMBARGOS INFRINGENTES E NO MÉRITO, NEGO-LHES PROVIMENTO.

JUIZ CEL BM OSMAR DUARTE MARCELINO

Dou provimento aos embargos, nos termos do voto do eminente Juiz revisor.

JUIZ JADIR SILVA

Acompanho, in totum, o voto do eminente Juiz revisor.

JUIZ CEL PM RÚBIO PAULINO COELHO, VENCIDO

Acompanho integralmente o voto do eminente Juiz relator.

Belo Horizonte, sala das sessões do Tribunal de Justiça Militar do Estado de

Minas Gerais, aos 25 de abril de 2007.

Neste sentido, conforme foi mencionado por Paulo Tadeu Rodrigues Rosa no artigo publicado no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, “a falta de previsão expressa por parte do legislador quanto às modificações ora introduzidas pela Lei Federal nº 10.792/2003 trará um descompasso entre a legislação processual e a processual castrense, estabelecendo uma desigualdade entre os acusados perante a Justiça Militar e os acusados perante a Justiça Comum.

Na busca de resolver essas questões que não deveriam existir, o juiz-auditor e os juízes de direito que atuam perante as Auditorias Militares, como ocorre no Rio de Janeiro e outros Estados-membros da Federação, poderão aplicar o disposto no art. 3º, do Código de Processo Penal Militar, Decreto-lei 1002 de 1967, segundo o qual, "Art. 3º Os casos omissos neste Código serão supridos: a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar".

A previsão desta norma não significa necessariamente que na Justiça Militar o interrogatório seguirá as disposições da Lei Federal n º 10.792/2003, e não o procedimento previsto nos arts. 302 usque 306 do Código de Processo Penal Militar. Não se pode esquecer que caberá ao juiz analisar e decidir sobre a aplicação de uma Lei Federal que não fez qualquer menção a Justiça Militar.

Ao acusado perante a Justiça Militar da União ou dos Estados-membros da Federação caberá por meio de seu defensor, dativo ou constituído, pleitear tratamento semelhante aos dispensado aos acusados perante a Justiça Comum, Federal ou Estadual, com fundamento no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, e com fundamento na Lei Federal n º 10.792/2002 combinada com o art. 3º, alínea "a", do Código de Processo Penal Militar.

Os estudiosos do direito militar esperam que na edição de novas leis, que tenham conteúdo penal ou processual, o legislador infraconstitucional não se esqueça que existe em plena vigência um Código Penal Militar, Decreto-lei n º 1001 de 1967, um Código de Processo Penal Militar, Decreto-lei n º 1002 de 1969, e uma Justiça Militar prevista expressamente na Constituição Federal de 1988, que seguiu a tradição das Constituições anteriores, e que foi o primeiro Tribunal deste país criado com a vinda da família Real em 1808”.

Portanto, pode-se afirmar que a decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais é um precedente importante, que demonstra que o Poder Judiciário como guardião dos direitos e garantias fundamentais do cidadão tem buscado uma efetiva aplicação dos institutos que foram estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 e pela legislação infraconstitucional.

Nota :

1. Os grifos no texto, acórdão do TJMMG, foram feitos pelo autor do artigo e não constam do original.

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