Hobbes: - A passagem ao abstrato. Do abstrato ao sistemático.
Hobbes quis fundar a sua filosofia política sobre uma construção racional da sociedade, que permitisse explicar o poder absoluto dos soberanos. Mas as suas teses, publicadas ao longo dos anos, e apresentadas na sua forma definitiva no Leviatã, de 1651, não foram bem aceitas, nem por aqueles que, com Jaime I, o primeiro rei Stuart da Inglaterra, defendiam.
“O que diz respeito ao mistério do poder real não devia ser debatido, nem pelo clero anglicano, que já em 1606 tinha condenado aqueles que defendiam «que os homens erravam pelas florestas e nos campos até que a experiência lhes ensinou a necessidade do governo.”
A justificação de Hobbes para o poder absoluto é estritamente racional e friamente utilitária, completamente livre de qualquer tipo de religiosidade e sentimentalismo, negando implicitamente a origem divina do poder. O que Hobbes admite é a existência do pacto social. Esta é a sua originalidade e novidade.
Hobbes não se contentou em rejeitar o direito divino do soberanos, fez tábua rasa de todo o edifício moral e político da Idade Média. A soberania era em Hobbes a projeção no plano político de um individualismo filosófico ligado ao nominalismo, que conferia um valor absoluto à vontade individual.
A conclusão das deduções rigorosas do pensador inglês era o gigante Leviatã, dominando sem concorrência a infinidade de indivíduos, de que tinha feito parte inicialmente, e que tinham substituído as suas vontades individuais à dele, para que, pagando o preço da sua dominação, obtivessem uma proteção eficaz. Indivíduos que estavam completamente entregues a si mesmos nas suas atividades normais do dia-a-dia.
Não se encontra em Hobbes qualquer referência nem à célula familiar, nem à família alargada, nem tão pouco aos corpos intermédios existentes entre o estado e o indivíduo; resquícios da Idade Média. Hobbes critica às corporações em O Leviatã como pequenas repúblicas nos intestinos de uma maior, são como vermes nas entranhas de um homem natural.
Os conceitos de densidade social, de interioridade, da vida religiosa ou espiritual, das noções de sociabilidade natural do homem, do seu instinto comunitário e solidário, da sua necessidade de participação, são completamente estranhos a Hobbes.
É aqui que Hobbes se aproxima de Maquiavel e do seu empirismo radical, ao partir de um método de pensar rigorosamente dedutivo.
A humanidade no estado puro ou natural era uma selva. A humanidade no estado social, constituído por sociedades civis ou políticas distintas, por estados soberanos, não tinha que recear um regresso à selva no relacionamento entre indivíduos, a partir do momento em que os benefícios consentidos do poder absoluto, em princípio ilimitado, permitiam ao homem deixar de ser um lobo para os outros homens.
Aperfeiçoando a tese de Maquiavel, Hobbes defende que o poder não é um simples fenômeno de força, mas uma força institucionalizada canalizada para o direito positivo.Deste Estado, sua criação, os indivíduos não esperam a felicidade mas a paz, condição necessária à prossecução da felicidade. Paz que está subordinada a um aumento considerável da autoridade - a do Soberano, a da lei que emana dele.
Mas, mesmo parecendo insaciável, esta invenção humana com o nome de um monstro bíblico, não reclama o homem todo. De fato, em vários aspectos o absolutismo político de Hobbes aparece como uma espécie de liberalismo moral. Hobbes mostra-se favorável ao desenvolvimento, sob a autoridade ameaçadora da lei positiva, das iniciativas individuais guiadas unicamente por um interesse individual bem calculado, e por um instinto racional aquisitivo.
Na sua concepção de natureza humana é básico o conceito de conatus, a força genética do comportamento. É um impulso original ou "começo interno" do movimento animal para se aproximar do que lhe causa satisfação ou para fugir do que lhe desagrada. Esse conatus impulsiona o homem a vencer sempre.
A vida começa com o conatus positivo, o desejo. Em termos de vida social, ultrapassar o outro é fonte primordial de satisfação, por isso estar continuamente ultrapassado é miséria enquanto ultrapassar continuamente quem está adiante é felicidade. É da sua natureza o egoísmo, constituído por "um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder que só termina com a morte" .
O conatus provoca "guerra de todos contra todos" é o estado natural em que vivem os homens, antes de seu ingresso no estado social.
O homem é governado por suas paixões e tem como direito seu conquistar o que lhe apetecer.
Como todos os homens seriam dotados de força igual (pois o fisicamente mais fraco pode matar o fisicamente mais forte, lançando mão deste ou daquele recurso), e como as aptidões intelectuais também se igualam, o recurso à violência se generaliza .
Mas, além do conatus, governa o homem também o instinto de conservação e este leva ao desejo da paz.
Deixado meramente a si mesmo, o instinto de conservação é abertura para a violência enquanto esta não é um risco, e, ao mesmo tempo, para a paz tática que prometa conservação.
Assim se define o campo da lei natural de sobrevivência.
Por isso o instinto de conservação é peça tão fundamental na filosofia de Hobbes quanto sua ideia do conatus, porque para ele, ao contrário do pensamento aristotélico que tem o homem como um animal social, os indivíduos entram em sociedade só quando a preservação da vida está ameaçada.
E estaria ameaçada pelos próprios indivíduos, se cada qual tudo fizesse para exercer seu poder sobre todas as coisas. A paz é a dimensão mais compatível com o instinto de conservação.
Pode-se então supor algo como um contrato tácito entre os homens, implicando em que contêm os seus ânimos, como defesa interna, e que, reunidos, formarão um povo, de modo a que a multidão dos associados seja tão grande que possa garantir a defesa externa, tirando a esperança de seus adversários de que um pequeno número baste para assegurar-lhes a vitória. A vontade obedece à razão, segundo o racionalismo clássico.
Porém, para Hobbes, é apenas apetite. Um determinismo mecanicista regeria não só os movimentos do universo como também a atividade psicológica do homem. O livre arbítrio não passaria de ilusão: seria apenas uma ex pressão destinada a ocultar a ignorância das verdadeiras causas das decisões humanas. Porém, qualquer que seja seu fundamento, a contenção interna implica uma ética.
No nível das relações morais, é preciso que cada um - segundo Hobbes – “não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a si”; é preciso evitar a in gratidão, os insultos, o orgulho, enfim, tudo o que prejudique a concórdia .
As leis não são deduzidas por Hobbes de um instinto natural, nem de um consentimento universal, mas da razão que procura os meios de conservação do homem; elas seriam imutáveis por constituírem conclusões tiradas do raciocínio. Tal postulado faz de Hobbes um pioneiro do Utilitarismo, porque justificava a obediência moral como meio para uma “vida social, pacífica e confortável”.
As leis, no entanto, careceriam de um reforço como garantia de seu cumprimento em salvaguarda do pacto social. Torna-se indispensável um governo que fosse seguido por todos os componentes do corpo social, e isto haveria de requerer que esse governo tivesse toda a força, porque somente seria capaz de corresponder à sua finalidade se exercido despoticamente.
Levando em conta o desejo de ultrapassar a todos presente em cada um, sempre existiriam pessoas que, acreditando saber mais do que as outras, poderiam desencadear guerras civis a fim de conquistar o poder só para elas.
Esta é a justificativa para o absolutismo, que Hobbes não deriva o absolutismo de um direito divino, como os teólogos políticos de sua época, mas das exigências do pacto social. Hobbes não admite um governo misto como a monarquia constitucional, acreditando que esta permite competições comprometedoras da paz entre os vários detentores do poder.
O soberano não precisa dar satisfações de sua gestão, sendo responsável apenas perante Deus, sob pena de morte eterna. Não submetido a qualquer lei social, o soberano absoluto é a própria fonte legisladora.
A obediência a ele deve ser total, a não ser que ele se torne impotente para assegurar paz durável e prosperidade. A fim de cumprir sua tarefa, o soberano deve concentrar todos os poderes em suas mãos:
"Os pactos sem a espada não passam de palavras”.
Hobbes teme a eloquência, o que hoje se chamaria de demagogia. "É a loucura do vulgo e a eloquência que concorrem para a subversão dos Estados", diz Hobbes. Por isso ele prefere um rei, assessorado por um conselho secreto de homens escolhidos. Ao soberano absoluto deve pertencer, também, segundo Hobbes - todo poder de decisão em matéria religiosa.
"Não há quase nenhum dogma referente ao serviço de Deus ou às ciências humanas de onde não nasçam divergências que se continuam em querelas, ultrajes e, pouco a pouco, não originem guerras; o que não sucede por falsidade dos dogmas, mas porque a natureza dos homens é tal que, vangloriando-se de seu suposto saber, querem que todos os demais julguem o mesmo".
Hobbes não vê solução para esses conflitos a não ser pela entrega de toda autoridade religiosa ao soberano absoluto; caso contrário a religião ameaçaria a paz civil. O Estado deve instituir um culto único e obrigatório:
“porque, caso contrário, seriam encontradas em uma mesma cidade as mais absurdas opiniões referentes à natureza divina e as mais impertinentes e ridículas cerimônias jamais vistas”.