A Idéia de contrato em um duelo filosófico entre Nietzsche e Locke
Do contrato:
Em sentido amplo, diz-se de qualquer negócio jurídico; de todo acordo de vontades com o fim de adquirir, resguardar, tranferir, modificar, conservar e, mesmo, extinguir direitos. Na sua constituição entram elementos essenciais, que são os inerentes à sua subsistência e validade, como a capacidade das pessoas que contratam, o seu objeto, a prestação e a contraprestação, e o consentimento; naturais, que são os implicitamente compreendidos no ato; e acidentais, representados por cláusulas acessórias, expressamente mencionadas.
(Vocabulário Prático de Tecnologia Jurídica e de Brocardos latinos, Iêdo batista neves).
Negócio jurídico: Diz-se do ato que visa à irradiação de uma eficácia jurídica. Diz-se, também, da declaração de vontade em que há intenção de vincular.
(Vocabulário Prático de Tecnologia Jurídica e de Brocardos latinos, Iêdo batista neves).
“Quando imaginamos estas relações de contratos, acordem à nossa mente suspeitas e resistências contra a humanidade antiga que inventou ou autorizou essas relações. É precisamente a que que se promete; é precisamente aqui, que se promete, que se trata de fazer uma memória para aquele que promete; é precisamente aqui como se pode suspeitar, que se encontra em abundância o que é duro, cruel, penoso.
O devedor, para inspirar confiança em sua promessa, para dar uma garantia de sua seriedade e honradez, para gravar em sua própria consciência a necessidade de pagamento sob a forma de dever, de obrigação, compromete-se, em virtude de um contrato com o credor, a indeniza-lo, em caso de insolvência, com alguma coisa que “possui”, por exemplo, com seu cargo, sua mulher, com sua liberdade, com sua vida (ou, no caso dos pressupostos religiosos determinados, até com sua beatitude, com a salvação de sua alma, com paz de seu túmulo, por exemplo, no Egito, onde o cadáver do devedor, mesmo no túmulo, não podia escapar do credor para encontrar repouso – entre os egípcios certamente esse repouso tinha um significado considerável).”
“É nessa esfera, no direito das obrigações, portanto, que se encontra a origem, no mundo dos conceitos morais, de “falta”, de “consciência”, de “dever”, de “caráter sagrado do dever” – seu início foi, como o começo de tudo o que há de grande na terra, fundamentalmente e longamente banhado de sangue. Não se poderia acrescentar com muita razão que fundamentalmente esse mundo nunca se livrou de certo cheiro de sange e de tortura? (isso consta até no velho Kant: o imperativo categórico respira crueldade...).”
Contraposição a isso, temos nos ensinamentos judaicos:
- “Avot 1:6, há já o princípio da presunção de inocência no tratamento a ser dirigido ao acusado quando prescreve: ‘Ao julgar uma pessoa, inclina-se para a suposição de inocência’. E de maneira muito próxima, encontramos algumas recomendações de Maimônides que se inclinam para o cuidado no julgamento. Assim, recomenda o filósofo talmudista: ‘sede circunspectos nos vossos julgamentos (...)’ e ‘(...) julga todos com induilgência’. Em outro lugar, reproduz a licao de Hilel: ‘Não julgues o teu próximo até que te encontres na sua situação’”.
O homem, este zoón politikón, que inevitavelmente tem de relacionar-se com seus pares na pólis – vivendo e necessitando da pólis – adquiriu nesse seu estágio de vida gregária maiores responsabilidades que implicam graus variados de coesão e de solidariedade, segundo a configuração evolutiva da comunidade.
Ad judicia, contractus ex conventione partium legem accipiunt.
Para Locke a relação humana é por conveniência, sentimentos de necessidade, e inclinação para a vida em sociedade, como é notado na obra “Segundo Tratado Sobre o Governo”:
- “Deus fez o homem uma criatura tal que não lhe seria conveniente ficar só, e por isso instilou-lhe fortes sentimentos de necessidade, conveniência e inclinação para a vida em sociedade, provendo-o igualmente de entendimento e linguagem para que dela desfrutasse”.
Ad naturum, “A sociedade conjugal é formada mediante pacto voluntário entre homem e mulher; e embora consista principalmente na comunhão e direito ao corpo um do outro, como se exige seu fim principal, que é a procriação, traz consigo o sustento e amparo mútuos, bem como comunhão de interesses, necessária não só para o cuidado recíproco, mas também em proveito da prole comum, que tem o direito de ser alimentada e orientada por eles até ser apta para prover às próprias necessidades”.
Ad postremum, ad sumam, tudo que se engendra em termos normativos, inclusive as normas éticas que darão conteúdo aos direitos humanos, portanto, é reflexo não de uma natureza humana, mas a carga histórica de experiências, costumes, que se propagam pela tradição, até que se tornem norma normada de um corpus iuris.
No conceito de direito natural de Ulpiano, inserido no Digesto, dá-nos já uma pista para p desbaratamento do problema:
- Ius naturale est, quod natura omnia animália docuit: nam ius istud non humani propritum, sed omnium animalium, quae in terra, quae in mari nascuntur, avium quoque commune est. Hinc descendit maris atque feminae coniunctio, quam nos matrimonium appellamus, hinc liberorum procreatio, hic educatio (...).
O direito natural é, portanto, tudo aquilo que o ser humano depreende da natureza, dela decorrendo o ensinamento de que homens e mulheres devem se casar, procriar e educar seus filhos. E com esta lição dos romanos, voltamos ao ponto fundamental de que a existência humana se justifica numa missão, que é a de preservação da espécie (e disto ninguém duvidará).
É como disse Ortega y Gasset: - “A nota mais trivial, porem ao mesmo tempo a mais importante da vida, é que o homem não tem outro remédio senão fazer alguma coisa para manter-se na existência”. Já é muito, parece-nos. E quanto ao mais – o substrato que dá estofo ao homem – já será difícil demonstrar que seja elaborado a partir da mesma matéria.