Os filhos de ninguém

"Toda criança tem o direito à convivência familiar e comunitária".

Essa frase, retirada do art 227 da Constituição Federal, introduz um dos direitos fundamentais previsto no Estatuto da Criança e Adolescente - aqui denominado ECA. Além de outros direitos como educação, saúde, habitação, cuidados, lazer, convívio social e proteção, é assegurado aos menores, desde 1990, o direito de serem criados, ético-moralmente, pela instituição FAMÍLIA.

O Brasil, porém, está andando na contramão. De acordo com o IBGE (2010), o país dispõe de 7% da população infantil vivendo em abrigos, muitas vezes em condições miseráveis. Apesar da institucionalização de crianças ter surgido como uma tentativa de solucionar o problema de crianças e adolescentes abandonados, esta tentativa mostra-se extremamente ineficaz no Brasil porque não ataca as verdadeiras causas do problema (a miséria social, a carência de apoio sócio-educativo, a ausência de prevenção em relação à violência doméstica, entre outros); não possibilita qualquer tipo de reabilitação para as famílias de origem e exclui as crianças de uma convivência familiar (em sua família de origem ou família substitua) e comunitária.

Em pesquisa recente realizada pelo Ministério Público, o perfil das crianças institucionalizadas era:

64% das crianças foram internadas devido à maus tratos ou negligência dos responsáveis; 5% eram entregues espontaneamente pelos pais, que abriram mão do poder pátrio de serem guardadores legais; e o restante foi devido à abandono sem causa específica.

Acredito que a situação é mais grave do que temos conhecimento. Essas crianças são, inicialmente, amparadas pelo Estado, com a garantia de que em breve serão restituídas às suas famílias ou serão adotadas por programas desenvolvidos pela assistência social. Acontece que a burocracia prolonga e atrapalha todo esse processo.

Hoje, a média de permanência em um abrigo é de 8,7 anos (MP, 2009). Da condição de "carentes", estas crianças passam a ser abandonadas, pela ausência de uma relação de continuidade com a família e pela sua prolongada permanência nos internatos.

Ao meu ver, o maior problema dos jovens que vivem em instituições é que acabam sendo rotulados como massa. Quer dizer, ao tratá-los como massa, deixa-se de fazer o trabalho com o indivíduo. Deixa-se de projetá-lo para o futuro, deixa-se de fazer planos para essa vida. E o Brasil perde, a sociedade perde, a criança perde muito mais.

Da mesma forma, nenhum trabalho tem sido feito para as famílias dessas crianças. É fato de que elas não recebem qualquer tipo de assistência do Estado ou da sociedade civil, consolidando todos os antigos "fantasmas" que antes assombravam e fizeram com que a criança fosse entregue aos abrigos.

Parece que a negligência é ainda maior no que diz respeito à adoção. Apesar de programas de estimulação, como a "Lei Nacional de Adoção" (2010), a burocracia faz com que as nossas taxas de adoção sejam baixíssimas se comparado ao que poderíamos alcançar. Basta lembrar de quantas recusas são declaradas a casais homossexuais que tem a adoção como primeira opção de constituição familiar.

Não estou jogando a responsabilidade somente para cima do Estado. Estou me colocando como responsável e chamando o caro leitor a pensar no que poderia contribuir para diminuir essa realidade. Estamos falando de crianças e adolescentes abandonados de fato e esquecidos pela comunidade nos internatos da vida!!!

São crianças privadas do direito fundamental de ser instituído no âmbito familiar, de ter carinho, atenção, vinculação psicoafetiva, psicossocial e psicoemocional. Imagine a vida sem a tua família?

É certo que não há efeito qualquer mobilização sem ação. A causa é justa, a guerra é nossa.

Carta de divulgação do Congresso Internacional sobre o Direito da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária.

Gustavo Scalioni
Enviado por Gustavo Scalioni em 03/02/2012
Código do texto: T3478811
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