Ressocialização : Mito ou Possibilidade?
"Se todos os dispositivos do Código Penal e da Lei de Execução Penal fossem fielmente cumpridos, há muitos anos, pelo Poder Executivo, encarregado de construir, sustentar e administrar estabelecimentos penais, certamente o crime não estaria, hoje, organizado de modo que não haveria necessidade de regimes como o estabelecido pelo art. 52 da Lei de Execução Penal. A realidade distanciou-se da lei, dando margem à estruturação do crime, em todos os níveis. Mas, pior, organizou-se a marginalidade dentro do cárcere, o que é situação inconcebível, mormente se pensarmos que o preso deve estar, no regime fechado, à noite, isolado em sua cela, bem como, durante o dia, trabalhando ou desenvolvendo atividade de lazer ou aprendizado. Diante da realizada, é o denominado mal necessário, mas não se trata de uma pena cruel. Proclamar a inconstitucionalidade do regime, fechando os olhos aos imundos cárceres aos quais estão lançados muitos presos no Brasil, é com a devida vênia, uma imensa contradição. Constituição situação muito pior ser inserido em uma cela coletiva repleta de condenados perigosos, com penas elevadas, muitos deles misturados aos presos provisórios, sem qualquer regramento e completamente insalubre, do que ser colocado em cela individual, longe da violência de qualquer espécie, com mais higiene e asseio, além de não se submeter a nenhum tipo de assédio de outros criminosos". (NUCCI,pg .64)
Como é sabido, vários fatores colaboram para o fracasso na aplicação correta e eficaz da pena, o abandono, a morosidade e erros do judiciário, a falta de investimento e o descaso do poder público agravam a cada dia que passa a crise enfrentada pelo sistema carcerário brasileiro.
Contudo, a pena perde daí o sua função, que por sua vez fora criada para romper com a pena de morte, com a torturas públicas e muito cruéis, e ao invés de corrigir, ressocializar o apenado acaba matriculando-o numa verdadeira escola de aperfeiçoamento do crime.
Ainda que a própria LEP, em seu artigo 88, estabelece o cumprimento da pena se dê em cela individual , com área mínima de seis metros quadrados, e aind em seu artigo 85, aduz que deve haver compatibilidade entre a estrutura física do presídio e a sua capacidade de lotação, e por conseguinte, o artigo 5º, XLIX, da CF, assegura aos presos o respeito à integridade física e moral,é de notória sabedoria que tais garantias não afastam um dos maiores e pioneiros problemas enfrentados pelo sistema prisional: a superlotação.
Sabe-se que o Brasil é o país com maior número de encarcerados em toda a América Latina. As principais características que crescem com a superlotação, são condições físicas muito precárias na maioria das instalações;violência institucionalizada (incluindo tortura em muitas das instalações policiais); atenção médica legal inadequada; falta de oportunidade de trabalho e estudo, etc (V. CAVALLARO & CARVALHO (2000, P. 99-100).
Vale-se lembrar que a superlotação nas prisões aumenta a tensão, a violência, tentativa de fuga, ataques aos agentes penitenciários. Além disso, rebeliões,greves de fome e outras formas de protesto nos estabelecimentos prisionais do país estão sem duvidas atrelados à superlotação.
Em consequência disso o aumento da sujeira, odores, ratos tornam cada vez pior o cumprimento da pena. Em alguns estabelecimentos, onde não existe espaço livre, presos são obrigados a dormirem amarrados nas grades das celas e muitos nem dormem.
“ Se, se quer o indivíduo melhor para reinserí-lo no seio social, não é maltratando-o que se logrará êxito”.George Bernard Shaw (Nobel de Literatura em 1.925).
Diante disso, através deste exemplo de decadência do sistema prisional brasileiro, é possível saber e ver nitidamente o foco real do problema enfrentado. O Poder público deveria investir mais em suas políticas para desafogar os estabelecimentos penais e assim a pena cumpriria o seu papel principal : a ressocialização do preso.
Desta forma, “Não é suficiente o tratamento das patologias criminais após o cometimento do delito, se faz necessário um comprometimento das autoridades públicas e da sociedade antes mesmo de o delito acontecer.” (NASCIMENTO, Sandra, revista visão jurídica, Abril de 2011, pg. 69).
Pena alternativa é uma sanção de natureza criminal e deverá ser muito utilizada no futuro, pois é o modo mais justo de aplicar uma penalidade a um indivíduo que cometeu um delito de pouca gravidade . Pois não é justo colocar no mesmo convívio este condenado por crimes menores com de alta periculosidade.
Outro fator a ser observado, é que com a aplicação destas penas , o Estado reduziria seus gastos, pois com os presídios superlotados, é sabido que o encarcerado não trabalha, não traz efetivos rendimentos para o mesmo.
Com a edição das Regras Mínimas para tratamento dos Presos, de 1955, recomendou a aplicação de pena não privativa da liberdade. Em 1966, o pacto Internacional dos Direitos Políticos e Civis veio reforçar a implantação, execução e fiscalização das alternativas à pena de prisão, e também proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), com o propósito de reconhecer a dignidade como fundamento da liberdade, da justiça e da paz.
Em 1986, foi redigida as Regras Mínimas para Elaboração de Penas Não Privativas de Liberdade, conhecidas como Regras de Tóquio, que recomendam a adoção de alternativas penais como, por exemplo, a restrição de direitos, a indenização da vítima e a composição do dano causado, além de ressaltar a observância imprescindível das garantias da pessoa condenada.
No âmbito nacional, a reforma do Código Penal (1984), introduziu no ordenamento jurídico as penas restritivas de direitos, entre elas a de prestação de serviços à comunidade.
Em 1995 com o advento da lei 9.099 foram criados os Juizados Especiais Criminais (JECRIM), estabelecendo novos procedimentos para crimes de menor potencial ofensivo – transação penal e suspensão condicional do processo – aplicação imediata de penas restritivas de direito nas modalidades previstas no Código Penal. Esta lei conceituou crime de menor potencial ofensivo, como sendo aquele que a pena máxima cominada ao delito seja igual ou inferior a um ano.
O delito, fenômeno social, nasce no seio da comunidade e só pode ser controlado pela ação conjunta do governo e sociedade. Uma política de valorização da pena de prestação de serviço à comunidade visa promover essa ação conjunta.
No Estado de São Paulo, a Secretaria da Administração Penitenciária vem trabalhando em um Programa Integrado de Prestação de Serviço à Comunidade desde 1997, com a primeira iniciativa entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário no Estado de São Paulo. Esta iniciativa consolidou-se através da Vara de Execuções Criminais, mediante Portaria nº 08/97 da Corregedoria dos Presídios de São Paulo, que tornou a SAP, apta a administrar, acompanhar e fiscalizar as penas de Prestação de Serviços à Comunidade, por intermédio da Central de Penas e Medidas alternativas.
A Secretaria da Administração Penitenciária ao propor a criação das Centrais de Penas e Medidas Alternativas tem por objetivo promover a expansão quantitativa e qualitativa da aplicação das penas de prestação de serviço à comunidade no Estado de São Paulo, oferecendo ao Judiciário programas de acompanhamento e fiscalização até a efetiva execução das Penas e Medidas Alternativas bem como a elevação dos potenciais preventivos, retributivos e ressocializadores a partir da ideia de eficiência e qualidade no acompanhamento e de rigor e seriedade na fiscalização.
As 25 Centrais de Penas e Medidas Alternativas já implantadas pela Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, tem como intuito fornecer suporte técnico, administrativo, orientação e acompanhamento da prestação de serviço à comunidade, visando o autor da infração penal e a participação social.
A intervenção desenvolvida pela equipe técnica das Centrais de Penas e Medidas Alternativas visa auxiliar as Varas de Execução Criminal, JECRIM e Ministério Público, porém é vista como órgão da execução penal que está inserida em um contexto de política criminal e seu objetivo é dirigido para o fiel cumprimento das penas ou medidas alternativas.
O processo de trabalho das equipes técnicas enquadra-se dentro de uma prática de natureza psicossocial, porém a demanda e o produto desse trabalho são jurídicos, de natureza processual ou penal, e devem seguir o tratamento legal em todos os seu procedimentos e consequências, porém sempre temos em vista as necessidades apresentadas pelos infratores que em sua maioria não são jurídicas.
A pena e a medida alternativa trata-se de uma medida punitiva de caráter educativo e socialmente útil, imposta ao infrator, em substituição à pena privativa de liberdade. Portanto, não afasta o indivíduo da sociedade, não o exclui do convívio social e de seus familiares e não o expõe aos males do sistema penitenciário, que atualmente encontra-se em crise.
A criação de políticas públicas para a reintegração do ex detento é de suma importância pois, conseguir um emprego ao deixar o cárcere é uma tarefa árdua. Cada vez mais são feitas inúmeras exigências, como cursos técnicos, diplomas e alguma experiência na área na qual se pretende atuar.
Uns dos programas do governo que servem de exemplo e que deu certoé o Pró-Egresso que oferece ,através de parcerias, 5 mil vagas em cursos profissionalizantes para os que se encontram em regime semiaberto e para os que já saíram. Desta forma, o egresso tem a chance de retornar à sociedade já empregado para sustentar a si próprio e a família de maneira digna e honesta.
O acordo do Pró-Egresso foi firmado em 2009 entre as Secretarias da Administração Penitenciária (SAP), por meio da CRSC, e do Emprego e Relações do Trabalho (SERT).Trata-se do maior programa de apoio ao egresso do País. É muito importante que, ao sair da prisão, o egresso tenha como se manter na sociedade por meio de uma profissão honesta.
A SAP acredita que investir na capacitação profissional dos presos é um objetivo primordial para a reintegração plena.
O Pró-Egresso irá solidificar essas ações, pois visa estimular ainda mais a reinserção dos reeducandos das penitenciárias paulistas, por meio de programas da SERT, como o Emprega São Paulo (intermediação de mão de obra) e o Programa Estadual de Qualificação Profissional (PEQ). Os órgãos estaduais poderão exigir 5% do número total de vagas aos ex-detentos das empresas vencedoras das licitações de obras e serviços, o que pode ajudar ainda mais a vida do ex-detento.
Para o Governador José Serra,”o programa parte de uma premissa fundamental: a crença na possibilidade de recuperação das pessoas”.
Como alternativa para conseguir um emprego foi fundada a ONG Instituto de Biologia Marinha e Meio Ambiente (IBIMM) que emprega egressos para trabalharem como auxiliares de escritório, pedreiros e ajudantes gerais, além de capacitá-los, em parceria com FUNAP, para atuarem como monitores ambientais: “são iniciativas assim que levam esperança às famílias dos egressos, pois elas enxergam que a sociedade e o Governo ainda acreditam neles e,isto é muito bom! Às vezes as pessoas erram, mas elas merecem uma segunda chance”. (Edris, fundadora da ONG- IBIMM)
Diante de todos esses problemas enfrentados pelo sistema penitenciário brasileiro tornou-se clara a necessidade de um novo modelo que respondesse aos anseios da sociedade.
No ano de 1974, sob a liderança do então Juiz das Execuções Dr. Sílvio Marques Netto, foi instituída a APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, uma entidade jurídica sem fins lucrativos, que visa auxiliar a Justiça na execução da pena, recuperando o preso e protegendo a sociedade.
Pelo fato de apresentar índices de reincidência tão pequenos ( inferiores a 5 por cento ) , e tratar o preso como um ser humano detentor de direitos e deveres, tal modelo tem alcançado repercussão no Brasil e no exterior. Hoje existem cerca de 100 unidades espalhadas pelo país e outras tantas no exterior: no Equador, na Argentina, no Peru, nos EUA, na África do Sul, Nova Zelândia e Escócia.
Em 1986,a APAC filiou-se à PFI – Prision Fellowship International, Órgão Consultivo da ONU para assuntos penitenciários. A partir disso o método foi divulgado para mais de 100 países por meio de congressos e seminários internacionais.
O fundador da PFI, Charles Colson, ao visitar a unidade penitenciária onde a APAC nasceu, afirmou: ´´ Este é o único presídio do mundo do qual eu não tive vontade de sair ´´.
No Brasil, um dos melhores exemplos do método APAC é a unidade de Itaúna – MG. Onde há um reduzidíssimo número de fugas e ausência total de mortes, rebeliões ou violências. Administra há cinco anos os três regimes de cumprimento de pena: fechado, semi-aberto e aberto, sem policias civis, militares ou agentes penitenciários.
O trabalho possibilita ao condenado que ele alcance sua recuperação mais facilmente. No entanto deve fazer parte do contexto, da proposta, não deve ser o elemento principal da proposta, visto que somente o trabalho não é suficiente para recuperar o preso.
No método APAC, o regime é o tempo para recuperação, o semi-aberto para a profissionalização, e o aberto para a inserção social. Assim, o trabalho aplicado em cada um desses regimes deve ser de acordo com a finalidade proposta.
Outrora, correntes doutrinárias sustentam que a pena deve ter a função retributiva pelo dano que foi causado; outras já valorizam o aspecto intimidativo, que objetiva reprimir futuros atos ilícitos; para uma terceira corrente, a pena deve ter um caráter reeducativo, parecendo ser esta última a alternativa que mais se aproxima da realidade.
Uma pena reeducativa seria capaz de cumprir a missão de distanciar o preso do processo em que acaba sendo sua própria vítima. No entanto, é nessa prisão que o indivíduo se torna obrigado a aprender regras do bom viver, seguir normas estabelecidas pelos presos que dominam a cadeia e termina se transformando no chamado “criminoso sem recuperação”.
Para lutar contra e manter-se fora desse sistema, deverá se transformar em um “preso de bom comportamento”, aparentemente em condições para o retorno em liberdade e reconviver em sociedade, em concordância com a lei.
É fundamental, para o atual modelo, a construção de uma instituição penitenciária capacitada a educar o preso (não reeducar ou ressocializar), objetivando considerar a redução dos índices da reincidência criminal, observando que, no modelo atual, o indivíduo retornará com muito mais revoltas disposto a materializar seu aprendizado criminal; Como será possível ressocializar e reintegrar o indivíduo que nunca os foram?.
“ A prisão é talvez a maior lacra da humanidade nesta virada de século e de milênio. Na década de 50, particularmente no continente europeu, acreditava-se que o crime tinha sua origem primordialmente em causas individuais. Passava-se ao largo das causas individuais. Passava-se ao largo das causas sociais. Imaginou-se então que submetendo o recluso a um tratamento (ideologia do tratamento ressocializador) não haveria reincidência . Logo se constatou, no entanto, a absoluta inviabilidade de se ressocializar o condenado dentro da prisão”. Luiz Flávio Gomes