O uso das armas pelos órgãos de segurança
1. Introdução
A preservação da integridade física e patrimonial dos cidadãos é uma atribuição dos órgãos de segurança, pública e nacional. O desenvolvimento destas atividades exige o emprego da coação administrativa, que tem por objetivo a prevenção de atos ilegais, e situações de desordem contrarias a legalidade, mediante o uso da força. Os efeitos desta não perduram, e nesse sentido, a força deve evitar a desordem, impedindo sua ocorrência, para não infringir um mal que subsista.[1]
Em algumas situações, o uso da força estará representado pelo emprego das armas, como meio necessário ao restabelecimento da ordem, e da paz social. Os agentes policiais estarão legitimados a usarem a força por meio das armas no caso de legítima defesa, defesa de terceiros, impedir a evasão de uma pessoa determinada, vencer a resistência imposta a defesa de um posto, entre outros.[2]
O emprego das armas é uma medida grave em decorrência dos seus efeitos, mas que deve ser utilizada pelos agentes policiais quando a situação o exigir, para que possam manter ou restabelecer à ordem pública violada. Exige preparo técnico e profissional dos agentes públicos, para se evitar que pessoas inocentes sejam vítimas da repressão do Estado, que deve estar voltada apenas contra àqueles que se dedicam à prática de ilícitos.
Os agentes, que são responsáveis pela segurança pública, devem atuar com cautela ao utilizarem a força representada pelo uso de arma de fogo ou outros instrumentos destinados a preservação da ordem e de uso restrito das forças policiais. O uso das armas contra as pessoas por parte dos agentes do Estado ou das entidades públicas constitui a mais grave das medidas de coação direta, tanto por seus efeitos virtuais, normalmente irreparáveis se não é por via indenizatória, como pelo grande problema de limites que suscita dentro de um Estado que proclama entre seus direitos fundamentais, isto é, fundamento da ordem política e da paz social, o direito de todos à vida e à integridade física e moral".[3]
A polícia no Estado de Direito deve ficar sujeita a um controle externo a ser exercido pelo Ministério Público e os principais grupos que representam a sociedade civil organizada, e também deve respeitar as garantias individuais outorgadas ao cidadão e previstas na Constituição Federal, mas isso não significa que não possa utilizar a força, e quando necessário empregar as armas para combater a criminalidade, que coloca em perigo à integridade física e patrimonial do administrado. Os agentes policiais não podem ser omissos no exercício de suas funções, e não devem se entregar ao sacrifício, combatendo a violação à lei em desigualdade de condições.
A utilização de armas deve ser feita dentro da necessidade para se evitar o arbítrio e a ilegalidade, que são incompatíveis com os princípios aos quais à administração pública, civil ou militar, encontra-se sujeita em atendimento ao art.37, caput, da C.F.
2. O uso da coação pelos militares
A segurança pública é uma função reservada às forças policiais, que são responsáveis pela manutenção da ordem, tranqüilidade e salubridade pública. No exercício dessa atividade, os agentes policiais poderão utilizar a força, coação administrativa, para o cumprimento de decisões administrativas ou judiciais, ou mesmo para preservar a integridade física do cidadão, ou o patrimônio público de qualquer dos integrantes da Federação (União, Estados, Distrito Federal, e Municípios).
A segurança nacional é atividade reservada às Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) que são responsáveis pela soberania nacional, manutenção e preservação das fronteiras do território nacional, espaço aéreo, mar territorial e das instituições organizadas sob a égide do Estado de Direito (arts. 142 e 143, da C. F).
Os servidores públicos militares classificam-se em duas categorias: a.os militares federais, que são os integrantes das forças armadas (art. 142, § 2º, da C.F); b. os militares estaduais, que integram os quadros das forças auxiliares, ( art. 42, caput, da C. F).
A função dos militares federais é preservar a segurança nacional, mas existem situações em que estes poderão ser empregados nas atividades de segurança pública, como por exemplo, quando as agressões à lei, e à ordem, não tenham cedido às modalidades policiais de repressão. O art. 34, inciso III, da C.F preceitua que, "A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: III- pôr termo a grave comprometimento da ordem pública".
O uso da força pelos militares federais é legítimo e deve ser empregado para manter a integridade nacional, repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra ( art. 34, incisos I e II, da C.F), sem que isso signifique a prática de atos arbitrários ou abusivos.
Assim como os agentes policiais são responsáveis pelos danos que causarem ao particular no exercício de suas funções, o mesmo se aplica aos militares federais, que devem pautar sua conduta em atendimento ao princípio da legalidade.
Por força do art. 37, § 6º, da C.F, o administrado que sofrer um dano decorrente de atos praticados pelos militares no exercício de suas funções constitucionais poderá pleitear indenização ao Estado, bastando demonstrar o nexo de causalidade existente entre o ato e o dano suportado. O Estado, assim como ocorre nos casos decorrentes dos atos praticados pelos agentes policiais poderá demonstrar que não concorreu para a ocorrência do fato.
A inversão do ônus da prova por força da responsabilidade objetiva, impõe ao Estado o ônus de demonstrar a ocorrência de uma das excludentes de responsabilidade, que poderá excluir ou diminuir os valores a serem pagos a título de indenização pelo ato praticado pelos integrantes das forças armadas.
3. Considerações finais
O respeito à ordem pública é um direito assegurado a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, que permite inclusive a limitação dos direitos e garantias fundamentais quando a situação assim o recomendar, para se evitar possíveis violações à integridade física e patrimonial.
As forças de segurança, forças policiais e armadas, são as responsáveis pela preservação da ordem pública podendo, no exercício de suas funções empregarem a coação administrativa, uso da força, sem que isso signifique uma responsabilidade do Estado.
A coação no Estado democrático de Direito somente pode ser utilizada pelas forças de segurança, sob pena de ato arbitrário, que poderá inclusive motivar a responsabilidade civil e penal do autor do fato. O desrespeito à lei poderá trazer sérias conseqüências ao autor do ilícito, dentre elas, a obrigação de indenizar por danos morais.
Se o uso da força exige um controle por parte das forças policiais, e para muitos estudiosos um controle rigoroso das atividades policiais para se evitar o abuso de autoridade, o tráfico de influência e mesmo os excessos, o emprego das armas também exige um controle ainda mais especifico.
A possibilidade de limitar a liberdade, jus libertatis, de um cidadão mediante o emprego de armas, exige dos agentes de segurança um preparo próprio, com um constante aperfeiçoamento de suas atividades, para se evitar a prática de atos que podem levar as lesões de natureza grave, e de difícil reparação.
No Estado de Direito as forças de segurança possuem um papel de extrema relevância. Pode-se afirmar que os policiais e militares são os garantes dos direitos fundamentais assegurados aos cidadãos. Assim, o emprego da força e da coação deve ocorrer em atendimento ao disposto em lei, com observância de parâmetros que possam impedir abusos ou excessos por parte dos agentes.
O Ministério Público é o fiscal da lei e deve acompanhar as atividades desenvolvidas pelas forças de segurança na busca de um equilíbrio entre o direito de liberdade e a preservação da ordem pública em seus aspectos segurança pública, tranqüilidade e salubridade.
A sociedade necessita de um equilíbrio que possa permitir a realização dos objetivos nacionais, sendo que este tem como fundamento o respeito aos direitos e garantias fundamentais previstas no texto constitucional. As forças de segurança devem exercer suas atividades com imparcialidade e observância da lei, buscando evitar os excessos e abusos que trazem como conseqüência a responsabilidade objetiva do Estado em atendimento ao art. 37, § 6º, da Constituição Federal.
[1] AGIRREAZKUENAGA, Inãki. La Coaccion Administrativa Directa. Madrid : Editorial Civitas S.A, 1.990. p. 53.
[2] AGIERRAZKUENAGA, Inãki, op. cit., p. 54.
[3] GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo, FERNÁNDES, Tomás Ramón. Curso de Direito Administrativo. Tradução. Analdo Setti. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991. p. 714-715.
Artigo originariamente publicado no site do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCcrim, em 18/10/2002.