O Processo de Franz Kafka

Silvania Mendonça Almeida Margarida

Penetrar no mundo íntimo de Kafka, no seu mundo hermético, remete-nos a uma reflexão complexa a respeito do homem, do mundo e suas coisas. Quando se toma o homem no seu campo de experiências como problemática universal, há muito o que refletir. Na leitura de O Processo, pode-se perceber a espera de soluções, ou seja, torna-se a espera de alguma resolução do processo que o autor apresenta.

O Processo é a terrível história de personagem simplesmente denominado K., que restou condenado e executado em processo criminal sem que o protagonista, ou o leitor recebesse elementos que permitissem conhecer o processo, a acusação e até mesmo o tribunal. “K” absorve e manifesta ao público a essência do espírito kafkiano, denunciando a situação do homem como vítima de mecanismos estranhos criados pela sociedade. O personagem central é inicialmente tratado como animal em fase de adestramento.

No primeiro capítulo o cidadão foi vigiado em seu próprio aposento na pensão, por dois guardas que se apossaram de seus documentos pessoais, sem justificativa para tal atitude. O personagem de nome K, protagonista da história, é levado à detenção. Não sabia o motivo de sua detenção. Não houve nenhuma alusão ao procedimento dos dois guardas e mesmo do inspetor que foi buscá-lo. K é funcionário de um banco. Outros personagens são envolvidos na trama. No segundo capítulo K foi notificado por telefone que no domingo, aconteceria um breve inquérito sobre o caso dele. No mesmo instante o diretor do Banco em que trabalhava, com muita cortesia convidou K para uma excursão de barco. K com muito pesar recusou alegando que já havia um compromisso anteriormente assumido para esta data. Todos os outros capítulos são uma crítica ferrenha à burocracia do judiciário, crítica ao sistema proposto pelas leis (poderia se afirmar civis e penais) no qual K é julgado sem saber o porquê, de forma a atingir diretamente aos responsáveis. O processo de Kafka deixa uma interrogação a todos que se envolvem com a justiça. K é apenas um exemplo. Há de se interrogar no envolvimento do protagonista na trama: onde se encontra a justiça? Como acertar o seu manejo? Há sempre uma justificativa na morosidade da vigência dos processos...na ocorrência dos fatos...que se empilham em tempos e espaços... sem solução.

Nada até então mostra ou determina K como culpado. A narrativa toda sugere e gira em torno de um processo prolongado, misturando os feixes de inferências difusas, envolvendo o protagonista com oficiais, advogados, policiais, inspetores, funcionários de baixa e alta hierarquia judicial, sem a definida posição de um deles. Houve uma detenção de K sem a menor qualificação ou esclarecimento do caso, o que abrange o protagonista em sua personalidade natural e jurídica. As assembléias em que K compareceu eram vazias e imaturas, sem um tema proposto, ou um enfoque que partisse de uma legalidade madura ou esclarecedora.

O Processo apresenta ao leitor a narrativa carregada de uma atmosfera desorientada e avulsa na qual o personagem Josef K. está imerso. Tal atmosfera deve-se mormente à seqüência infindável de surpresas quase surreais, geradas por uma lei maior e inacessível, que está no entanto em perfeita conformidade com os parâmetros reais da sociedade moderna. O absurdo presente em toda obra é o ponto de partida, sem conclusão, da confusão que se desenrola na mente de K, assim como em todos os ambientes reais nos quais ele está inserido, o que dá ao leitor a sensação incômoda própria do estilo da obra kafkaniana.

A legislação no campo jurídico é tão extensa e variada, e conta com inovações tão constantes, que a assessoria jurídica torna-se questão de sobrevivência para as empresas e cidadãos. O Códigos e Leis, dentre outros, são avisos submersos do mundo jurídico, onde poucos tem os seus direitos esclarecidos. Com os princípios básicos do Estado Democrático de Direito, a necessidade de assessoria aumenta ainda mais. A legislação ampla faz-se num mundo à parte, em busca do clientelismo que pode pagar, em busca da máquina pública, onde os direitos fundamentais, a ética e diceologia não se filtram para resultados duradouros.

Por todo o aparato acima descrito, pode-se concluir que o personagem não teve no desenrolar da trama, direitos a recursos jurídicos, objeto natural de qualquer julgamento, não teve direito à ampla defesa e um devido representante: um advogado. Aliás, teve os seus direitos fundamentais violados, retendo o conceito do devido processo legal e a garantia de um julgamento justo, publicado, revisto e constitutivo ao arcabouço jurídico.

Até para os profissionais do Direito, que nem sempre conseguem conhecer adequadamente os atos processuais, ou entender o seu sentido, o aparelhamento judicial, seus ritos e símbolos, e caráter humano – e assim falível - tem o defeito de animar traços paranóicos que muito bem foram retratados em célebre obra de Franz Kafka. K, o personagem, restou execrado e executado em processo criminal, sem que soubesse da intenção primeira que permitiu o seu processo e a violação da sua identidade, cidadania e individualidade, até se atingir a liberdade.

Estudante de Direito...

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Silvania Mendonça
Enviado por Silvania Mendonça em 11/02/2010
Reeditado em 11/02/2010
Código do texto: T2082310
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