UM POEMA VALE MAIS QUE MIL PALAVRAS

Quadrilha

(Carlos Drummond de Andrade, 31/10/1902 - 17/08/1987)

 

João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria

que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.

João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre,

Maria ficou pra tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes

que não tinha entrado na história.

 

Andava eu, perambulando pela vida, sem saber o que fazer. Endava numa praça, escura e úmida, muitas sombras, muitas árvores. Pois é, ainda existem as praças com árvores, apesar da febre dos parquinhos e das academias da melhor idade. É moda! Nada contra, só acho que toda praça deveria ter árvores, muitas árvores, e também parquinhos e espaço para idosos, muitos parquinhos, muitos espaços!

 

Caminhei a esmo, e sem ser peripatético, sentei num banco qualquer, comecei a filosofar comigo mesmo, ou seja, pensar em tudo e em nada ao mesmo tempo (é, existe a filosofia do "nadismo"! putz, tem filosofia pra tudo!!!).

 

O tempo passava e eu filosofava; eu filosofava e o tempo passava! Noutras palavras, nesse vai e vem, eu viajava no tempo! Filosofar é viajar, sabia? Poetar também!

 

Perto de mim, rolando ao vento, passeava um pedaço de jornal. Estava velho, feio, amarelado. Curioso, juntei pra ver qual era a pauta do folhetim, excelente ocupação para quem não está fazendo nada, juntar jornal velho e ler a pauta! Só pra quem não tem o que fazer mesmo!

 

Incrível, mas parece que a poesia é uma vestal depois dos trinta que, cansada de se ocupar do culto à deusa, vive a perambular, ainda jovem, buscando o casamento com um escritor ou filósofo, o que, certamente, pra ela, talvez seja o que melhor lhe possa interpretar.

 

E olha só de onde ela veio buscar o enleio: eu aqui, isso mesmo, eu aqui, pois afinal de contas, o destino trabalha em favor dos que pensam, ou pelo menos tentam pensar, visto que dormientibus non sucurrit jus, e eu estava ali sem fazer nada, ou melhor, estava viajando nas minhas ideias fugidias e elucubrações filosóficas. Quanta viagem! É bom, mas cansa, tá?

 

Vamos ao pedaço de jornal: era um pedaço do caderno 2, de um semanário qualquer da cidade, e nele estava escrito o poema denominado "Quadrilha", de Drumond, em epígrafe, que me suscitou a curiosidade pelo título, pensando, a priori, tratar-se de alguma reminiscência às festas juninas, ou quiçá alguma referência à política do momento. Nada disso, o assunto era muito mais interessante. Vejamos.

 

Li o poema do mestre, e me imiscuindo no sentido dos versos concluí que um poema vale mais do que mil palavras, e vou provar o porquê!

 

Veja, bem, não interessa quantas palavras o poema tenha. O que interessa é o valor de cada palavra no poema, porque, embora se use palavras para escrever um poema, este, na essência, não necessariamente, fala abertamente o que as palavras dizem. Há que haver sempre uma intenção escondida, algo mostrado nas letras e nas palavras, mas escondido nos seus sentidos e metáforas. Isso é poesia!

 

O poema faz as palavras dizerem o que o poeta quer dizer, sem dizer o que foi dito. Assim, todo poeta é um alquimista das palavras, ele mistura as palavras, versos, construções vocabulares, funções sintáticas e semânticas, a fim de que digam, abertamente, o que ele quer dizer, escondidamente!

 

E passei, portanto, a pensar sobre o citado poema do grande Carlos Drummond de Andrade e comecei a perguntar o que esse poema, de fato, queria dizer. Confesso, eu não sei o que esse poema diz pra você, leitor, mas, para mim, esse poema fala muito sobre o amor, senão vejamos:

 

Apenas três pontos que me chamaram atenção:

 

1. O amor nem sempre é biunívoco, ou seja, pode ele ser correspondido ou não!

 

Disso vem as indagações: O que é o amor correspondido? Respondo: é o que há de mais doce na relação; é amor que vai e que vem, na mesma proporção ou não, e ainda assim continua sendo amor. E o que é o amor não correspondido? Respondo: é o fake news do amor, pois representa a expectativa do retorno do amor, e com isso representa a completa alienação da felicidade própria. O amor que espera retorno não é amor verdadeiro, é interesse. O amor verdadeiro não se pergunta sobre o retorno, o amor verdadeiro não necessita de correspondência, não precisa de espelho, o amor verdadeiro é gratuito e incondicional. O amor verdadeiro simplesmente ama, ponto!

 

2. As pessoas se amam, sim, isso é verdade. Mas, muitas vezes, ao amar, as pessoas se confundem sobre o que é o amor.

 

No contexto do poema analisado, é preciso ter claro que quem ama não foge, como João; não se enclausura, como Tereza; não se mata num desastre, como Raimundo; e nem se desilude e fecha o coração, como Maria.

 

Quem ama verdadeiramente enfrenta os desafios, encara as dores que vierem, não morre, mas fica vivo para amar mais. Quem ama, verdadeiramente, deixa o coração oxigenar, abre as portas e janelas da vida para novas chances e oportunidades. O amor é vida, o amor é alegria, o amor é luta diária de autoafirmação e consciência de si; o amor não é sofrimento, não é dor e não é alienação!

 

Não se aliena a prória alegria e felicidade a ninguém; isso é construção própria, é assunto que diz respeito apenas a si próprio. Ou eu sou feliz comigo mesmo, ou não serei feliz com ninguém! Ninguém é capaz de amar verdadeiramente o outro se não for capaz de amar a si próprio, em primeiro lugar! Somente quem experimenta o amor verdadeiro é capaz de distribuí-lo! Na verdade, a essência do amor é distribuição!

 

3. No poema, o poeta não fala do amor antes de João, sequer do amor inexistente de Lili. No entanto, esta se casou, aquele fugiu!

 

Verifica-se, aqui, o que o nosso poeta quer dizer: quem ama verdadeiramente não foge, e quem se casa, nem sempre é por amor, o que é uma lástima!

 

Qual amado teria um nome tão parecido com a insígnia de uma empresa “J. Pinto Fernandes”?

 

Será que Lili se casou com “José”, com “João” ou talvez com o próprio “Joaquim”, cujo sobrenome era “Pinto Fernandes”, mas que depois, por infortúnio, este veio descobrir o amor não correspondido de Lili e, por isso, se matou?

 

Tratei aqui apenas de três pontos acerca do que me impressionou nesse lindo e instigante poema do grande Carlos Drummond de Andrade.

 

E olha que pra essa empreitada já se foram mais de tantocentas palavras e mais de tantocentos caracteres, digitando tudo isso em minha mente. Quando passei pro papel, me lembrei de tudo? é claro que não!

 

Dizem que o ócio foi a condição para que os filósofos surgissem na história. Não duvido, pois se estivesse algum filósofo preso em ferrramentas e máquinas ou labutando de escriba num bureau, certamente não teria tido tempo para alcançar o mundo das ideias e sua ação seria meramnte robõtica e repetitiva.

 

Alcançar o sentido do poema de Drummond, para mim, não foi tarefa tão rápida, visto que, talvez, por isso, tenha sido necessário estar numa praça, úmida e escura, sem ter o que fazer, jogando minhas ideias e brincando no parquinho do meu filosofar.

 

Imagine tantas outras impressões e interpretações possíveis que um poema, como esse, pode causar nas pessoas! Experimente você também, quando estiver em alguma praça (física ou virtual), úmida e escura, sem ter o que fazer. Leia poesia e viaje!

 

Desta feita, está provado: um poema vale mais que mil palavras!

 

Crédito da imagem:

https://literatura-brasileira.com/2013/06/12/quadrilha-carlos-drummond-de-andrade/