Sobre a (in)definição da literatura
Quero seguir aqui os anglófonos e pensar numa palavra: 'language'. Aproximação que em nossa língua jaz cindida, exatamente a distância 'língua-linguagem'. Se tudo que fazemos é linguagem (porque possui significado e forma transacional), bem como tudo isso é língua, quer dizer, tudo isso tem nome, então como definir o que é literatura?
Tentando-se delimitar algum tipo de linguagem, como uma "linguagem poética", haverá insucesso, uma vez que basta revisitar a história para se observar tantas linguagens quanto se quiser, por um lado em obras literárias, por outro em textos de toda sorte exceto aquela (jurídicos, burocráticos, econômicos, científicos, noticiários, etc).
Se o caminho almejado for a distinção "escrito x oral", também não haverá sucesso na empreitada. Basta lembrar das tradições orais, os mitos homéricos, o viajante que narra suas travessias, a poesia cantada, o improviso de rap ou de poema, a glosa do mote. Também, pro time da escrita, terão de entrar quaisquer bulas de remédios ou manuais de instruções, etc.
Com a intenção apontada para algum procedimento, técnica ou recurso, haverá fracasso. Muitos apontam a metáfora como indicadora de poesia (não é preciso retroceder muito para recordar a equivalência poesia-literatura). O que ao olhar desatento parece verdadeiro, mostra-se falso assim que se defronta com uma criança, com as sociedades ditas primitivas, com a fala cotidiana. A metáfora é recurso extremamente comum, tendo alta recorrência em todas as línguas ("embarcar no avião", ainda que ele não seja um barco, mas um avião). Também deve-se levar em conta outros recursos irredutíveis àquele: metonímia, analepse, prolepse, assonância, etc.
Portanto, a(s) pergunta(s) permanece(m). Duplo questionamento sob o signo do Um: "o que é a literatura?"; "o que a literatura define?". Que assim permaneça, como o mistério, que não deve ser elucidado, senão adentrado, deve permanecer mistério para poder saboreá-lo.