ASSUNTOS DE LITERATURA PARA A 1ª AVALIAÇÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA I - 2º ANO E - 2013

1.10. ROMANTISMO: a poesia romântica nos “Poemas” de Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e Castro Alves; recomendas pela UEPA e pela UFPA

Você, com toda certeza, e muitas vezes, quem sabe, já deve ter ouvido falar em e até vivido um momento de romantismo. Dessa palavra provém a palavra romantismo, tão falada e buscada pelos amantes. Muitos dos nossos grandes poetas cantaram esse romantismo. Dentre esses, podemos destacar aqui o mestre do romantismo brasileiro, o cantor e compositor Roberto Carlos, que nos brindou, no final do ano passado, com uma obra que resume muito bem o seu perfil de artista romântico que é:

ESSE CARA SOU EU

O cara que pensa em você toda hora

Que conta os segundos se você demora

Que está todo o tempo querendo te ver

Porque já não sabe ficar sem você

E no meio da noite te chama

Pra dizer que te ama.

Esse cara sou eu

O cara que pega você pelo braço

Esbarra em quem for que interrompa seus passos

Está do seu lado pro que der e vier

O herói esperado por toda mulher

Por você ele encara o perigo

Seu melhor amigo

Esse cara sou eu

O cara que ama você do seu jeito

Que depois do amor você se deita em seu peito

Te acaricia os cabelos, te fala de amor

Te fala outras coisas, te causa calor

De manhã você acorda feliz

Num sorriso que diz

Esse cara sou eu

Esse cara sou eu

Eu sou o cara certo pra você

Que te faz feliz e que te adora

Que enxuga seu pranto quando você chora

Esse cara sou eu

Esse cara sou eu

O cara que sempre te espera sorrindo

Que abre a porta do carro quando você vem vindo

Te beija na boca, te abraça feliz

Apaixonado te olha e te diz

Que sentiu sua falta e reclama

Ele te ama

Esse cara sou eu

Esse cara sou eu

Esse cara sou eu

Esse cara sou eu

Neste bimestre, iremos tratar do Romantismo, e, pela grafia, já dá pra perceber que há uma grande diferença entre ambos. Mas essa diferença nós iremos descobrir através dos textos dos renomados poetas e escritores românticos que estudaremos. São eles os poetas brasileiros Gonçalves Dias, de quem estudaremos I Juca Pirama; Álvares de Azevedo, de quem estudaremos alguns dos seus Poemas Malditos, e Castro Alves, de quem estudaremos Navio Negreiro.

Antes, porém, de começarmos o nosso estudo sobre os poetas românticos, vamos ler um texto moderno do escritor Luís Fernando Veríssimo, uma particular apresentação do Hino Nacional Brasileiro, para fazermos um paralelo entre o idealismo romântico e o realismo moderno em relação ao Brasil:

HINO (MULTI)NACIONAL BRASILEIRO

Num posto da Ipiranga, às margens plácidas,

De um Volvo heróico Brahma retumbante

Skol da liberdade em Rider fúlgido

Brilhou no Shell da Pátria nesse instante

Se o Knorr dessa igualdade

Conseguimos conquistar com braço Ford

Em teu Seiko, ó liberdade,

Desafia o nosso peito a Microsoft

Oh! Parmalat, Mastercard, Sharp, Sharp.

Amil um sonho intenso, um rádio Philips

De amor e Lufthansa à terra desce

Intel formoso céu risonho Olympikus

A imagem do Bradesco resplandece.

Gillete pela própria natureza

És belo Escort impávido colosso

E o teu futuro espelha essa Grendene

Cerpa gelada!

Entre outras mil é Suvinil, Compaq amada.

Do Philco deste Sollo és mãe Doril

Coca-cola, Bombril!

Agora então vamos começar os nossos estudos sobre o Romantismo.

1.1. GONÇALVES DIAS

1.1.1. BIOGRAFIA:

Antônio Gonçalves Dias nasceu a 10 de agosto de 1823, nos arredores de Caxias, no Maranhão. Filho de um português com uma mestiça, com a morte do pai, é enviado pela madrasta a estudar Direito em Coimbra (1838). Durante o curso, escreve seus primeiros versos e participa do grupo de poetas medievistas que se reunia em torno dO Trovador. Formado em 1844, regressa ao maranhão, e conhece Ana Amélia Ferreira do Vale, que lhe inspira mais tarde o poema “Ainda uma vez – Adeus!”. Em 1846, muda-se para o Rio de Janeiro, onde se dedica ao magistério (professor de latim e História do Brasil no Colégio Pedro II), ao jornalismo (redator da revista Guanabara) e à elaboração de sua obra poética, teatral e etnográfica e historiográfica, a última das quais relacionada com as várias missões que lhe são destinadas, aqui e no estrangeiro. Faleceu ao regressar de uma viagem à Europa, no naufrágio do “Ville de Boulogne”, já próximo do maranhão, a três de novembro de 1864. escreveu: Primeiros Cantos(1846), Leonor de Mendonça, teatro (1847), Segundos Cantos e Sextilha de Frei Antão (1848), Últimos Cantos (1851), Os Timbiras (1857), Dicionário da Língua Tupi (1858), Obras Póstumas, 6 vols., organizadas por Antônio Henriques Leal (1868-1869). Primeiro poeta autenticamente brasileiro, na sensibilidade e na temática, e das mais altas vozes de nosso lirismo, dele foram selecionas algumas composições, mostra expressiva de suas duas “maneiras” fundamentais, a lírico-amorosa e a indianista.

1.1.2. OBRA A SER ESTUDADA: I JUCA PIRAMA

1.1.3. ATIVIDADE PROPOSTA:

Em prosa, elabore um resumo do poema a ser lido.

I JUCA PIRAMA

No meio das tabas de amenos verdores,

Cercadas de troncos ─ cobertos de flores,

Alteiam-se os tetos d’altiva nação;

São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,

Temíveis na guerra, que em densas coortes

Assombram das matas a imensa extensão.

São rudos, severos, sedentos de glória,

Já prélios incitam, já cantam vitória,

Já meigos atendem à voz do cantor:

São todos Timbiras, guerreiros valentes!

Seu nome lá voa na boca das gentes,

Condão de prodígios, de glória e terror!

As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,

As armas quebrando, lançando-as ao rio,

O incenso aspiraram dos seus maracás:

Medrosos das guerras que os fortes acendem,

Custosos tributos ignavos lá rendem,

Aos duros guerreiros sujeitos na paz.

No centro da taba se estende um terreiro,

Onde ora se aduna o concílio guerreiro

Da tribo senhora, das tribos servis:

Os velhos sentados praticam d’outrora,

E os moços inquietos, que a festa enamora,

Derramam-se em torno dum índio infeliz.

Quem é? ─ ninguém sabe: seu nome é ignoto,

Sua tribo não diz: ─ de um povo remoto

Descende por certo ─ dum povo gentil;

Assim lá na Grécia ao escravo insulano

Tornavam distinto do vil muçulmano

As linhas corretas do nobre perfil.

Por casos de guerra caiu prisioneiro

Nas mãos dos Timbiras: ─ no extenso terreiro

Assola-se o teto, que o teve em prisão;

Convidam-se as tribos dos seus arredores,

Cuidosos se incubem do vaso das cores,

Dos vários aprestos da honrosa função.

Acerva-se a lenha da vasta fogueira

Entesa-se a corda da embira ligeira,

Adorna-se a maça com penas gentis:

A custo, entre as vagas do povo da aldeia

Caminha o Timbira, que a turba rodeia,

Garboso nas plumas de vário matiz.

Em tanto as mulheres com leda trigança,

Afeitas ao rito da bárbara usança,

índio já querem cativo acabar:

A coma lhe cortam, os membros lhe tingem,

Brilhante enduape no corpo lhe cingem,

Sombreia-lhe a fronte gentil canitar.

II

Em fundos vasos d’alvacenta argila

Ferve o cauim;

Enchem-se as copas, o prazer começa,

Reina o festim.

O prisioneiro, cuja morte anseiam,

Sentado está,

O prisioneiro, que outro sol no ocaso

Jamais verá!

A dura corda, que lhe enlaça o colo,

Mostra-lhe o fim

Da vida escura, que será mais breve

Do que o festim!

Contudo os olhos d’ignóbil pranto

Secos estão;

Mudos os lábios não descerram queixas

Do coração.

Mas um martírio, que encobrir não pode,

Em rugas faz

A mentirosa placidez do rosto

Na fronte audaz!

Que tens, guerreiro? Que temor te assalta

No passo horrendo?

Honra das tabas que nascer te viram,

Folga morrendo.

Folga morrendo; porque além dos Andes

Revive o forte,

Que soube ufano contrastar os medos

Da fria morte.

Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva,

Lá murcha e pende:

Somente ao tronco, que devassa os ares,

O raio ofende!

Que foi? Tupã mandou que ele caísse,

Como viveu;

E o caçador que o avistou prostrado

Esmoreceu!

Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes

Revive o forte,

Que soube ufano contrastar os medos

Da fria morte.

III

Em larga roda de novéis guerreiros

Ledo caminha o festival Timbira,

A quem do sacrifício cabe as honras,

Na fronte o canitar sacode em ondas,

O enduape na cinta se embalança,

Na destra mão sopesa a iverapeme,

Orgulhoso e pujante. ─ Ao menor passo

Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra,

Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme,

Como que por feitiço não sabido

Encantadas ali as almas grandes

Dos vencidos Tapuias, inda chorem

Serem glória e brasão d’imigos feros.

"Eis-me aqui", diz ao índio prisioneiro;

"Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,

"As nossas matas devassaste ousado,

"Morrerás morte vil da mão de um forte."

Vem a terreiro o mísero contrário;

Do colo à cinta a muçurana desce:

"Dize-nos quem és, teus feitos canta,

"Ou se mais te apraz, defende-te." Começa

O índio, que ao redor derrama os olhos,

Com triste voz que os ânimos comove.

IV

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi:

Sou filho das selvas,

Nas selvas cresci;

Guerreiros, descendo

Da tribo tupi.

Da tribo pujante,

Que agora anda errante

Por fado inconstante,

Guerreiros, nasci;

Sou bravo, sou forte,

Sou filho do Norte;

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi.

Já vi cruas brigas,

De tribos imigas,

E as duras fadigas

Da guerra provei;

Nas ondas mendaces

Senti pelas faces

Os silvos fugaces

Dos ventos que amei.

Andei longes terras

Lidei cruas guerras,

Vaguei pelas serras

Dos vis Aimoréis;

Vi lutas de bravos,

Vi fortes - escravos!

De estranhos ignavos

Calcados aos pés.

E os campos talados,

E os arcos quebrados,

E os piagas coitados

Já sem maracás;

E os meigos cantores,

Servindo a senhores,

Que vinham traidores,

Com mostras de paz.

Aos golpes do imigo,

Meu último amigo,

Sem lar, sem abrigo

Caiu junto a mi!

Com plácido rosto,

Sereno e composto,

O acerbo desgosto

Comigo sofri.

Meu pai a meu lado

Já cego e quebrado,

De penas ralado,

Firmava-se em mi:

Nós ambos, mesquinhos,

Por ínvios caminhos,

Cobertos d’espinhos

Chegamos aqui!

O velho no entanto

Sofrendo já tanto

De fome e quebranto,

Só qu’ria morrer!

Não mais me contenho,

Nas matas me embrenho,

Das frechas que tenho

Me quero valer.

Então, forasteiro,

Caí prisioneiro

De um troço guerreiro

Com que me encontrei:

O cru dessossêgo

Do pai fraco e cego,

Enquanto não chego

Qual seja, ─ dizei!

Eu era o seu guia

Na noite sombria,

A só alegria

Que Deus lhe deixou:

Em mim se apoiava,

Em mim se firmava,

Em mim descansava,

Que filho lhe sou.

Ao velho coitado

De penas ralado,

Já cego e quebrado,

Que resta? ─ Morrer.

Enquanto descreve

O giro tão breve

Da vida que teve,

Deixai-me viver!

Não vil, não ignavo,

Mas forte, mas bravo,

Serei vosso escravo:

Aqui virei ter.

Guerreiros, não coro

Do pranto que choro:

Se a vida deploro,

Também sei morrer.

V

Soltai-o! ─ diz o chefe. Pasma a turba;

Os guerreiros murmuram: mal ouviram,

Nem pode nunca um chefe dar tal ordem!

Brada segunda vez com voz mais alta,

Afrouxam-se as prisões, a embira cede,

A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo.

Timbira, diz o índio enternecido,

Solto apenas dos nós que o seguravam:

És um guerreiro ilustre, um grande chefe,

Tu que assim do meu mal te comoveste,

Nem sofres que, transposta a natureza,

Com olhos onde a luz já não cintila,

Chore a morte do filho o pai cansado,

Que somente por seu na voz conhece.

─ És livre; parte.

─ E voltarei.

─ Debalde.

─ Sim, voltarei, morto meu pai.

─ Não voltes!

É bem feliz, se existe, em que não veja,

Que filho tem, qual chora: és livre; parte!

─ Acaso tu supões que me acobardo,

Que receio morrer!

─ És livre; parte!

─ Ora não partirei; quero provar-te

Que um filho dos Tupis vive com honra,

E com honra maior, se acaso o vencem,

Da morte o passo glorioso afronta.

─ Mentiste, que um Tupi não chora nunca,

E tu choraste!... parte; não queremos

Com carne vil enfraquecer os fortes.

Sobresteve o Tupi: ─ arfando em ondas

O rebater do coração se ouvia

Precípite. ─ Do rosto afogueado

Gélidas bagas de suor corriam:

Talvez que o assaltava um pensamento...

Já não... que na enlutada fantasia,

Um pesar, um martírio ao mesmo tempo,

Do velho pai a moribunda imagem

Quase bradar-lhe ouvia: ─ Ingrato! Ingrato!

Curvado o colo, taciturno e frio.

Espectro d’homem, penetrou no bosque!

VI

─ Filho meu, onde estás?

─ Ao vosso lado;

Aqui vos trago provisões; tomai-as,

As vossas forças restaurai perdidas,

E a caminho, e já!

─ Tardaste muito!

Não era nado o sol, quando partiste,

E frouxo o seu calor já sinto agora!

─ Sim demorei-me a divagar sem rumo,

Perdi-me nestas matas intrincadas,

Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo;

Convém partir, e já!

─ Que novos males

Nos resta de sofrer? - que novas dores,

Que outro fado pior Tupã nos guarda?

─ As setas da aflição já se esgotaram,

Nem para novo golpe espaço intacto

Em nossos corpos resta.

─ Mas tu tremes!

─ Talvez do afã da caça...

─ Oh filho caro!

Um quê misterioso aqui me fala,

Aqui no coração; piedosa fraude

Será por certo, que não mentes nunca!

Não conheces temor, e agora temes?

Vejo e sei: é Tupã que nos aflige,

E contra o seu querer não valem brios.

Partamos!... ─

E com mão trêmula, incerta

Procura o filho, tacteando as trevas

Da sua noite lúgubre e medonha.

Sentindo o acre odor das frescas tintas,

Uma idéia fatal ocorreu-lhe à mente...

Do filho os membros gélidos apalpa,

E a dolorosa maciez das plumas

Conhece estremecendo: ─ foge, volta,

Encontra sob as mãos o duro crânio,

Despido então do natural ornato!...

Recua aflito e pávido, cobrindo

Às mãos ambas os olhos fulminados,

Como que teme ainda o triste velho

De ver, não mais cruel, porém mais clara,

Daquele exício grande a imagem viva

Ante os olhos do corpo afigurada.

Não era que a verdade conhecesse

Inteira e tão cruel qual tinha sido;

Mas que funesto azar correra o filho,

Ele o via; ele o tinha ali presente;

E era de repetir-se a cada instante.

A dor passada, a previsão futura

E o presente tão negro, ali os tinha;

Ali no coração se concentrava,

Era num ponto só, mas era a morte!

─ Tu prisioneiro, tu?

─ Vós o dissestes.

─ Dos índios?

─ Sim.

─ De que nação?

─ Timbiras.

─ E a muçurana funeral rompeste,

Dos falsos manitôs quebrastes maça...

─ Nada fiz... aqui estou.

─ Nada! ─

Emudecem;

Curto instante depois prossegue o velho:

─ Tu és valente, bem o sei; confessa,

Fizeste-o, certo, ou já não foras vivo!

─ Nada fiz; mas souberam da existência

De um pobre velho, que em mim só vivia...

─ E depois?...

─ Eis-me aqui.

─ Fica essa taba?

─ Na direção do sol, quando transmonta.

─ Longe?

─ Não muito.

─ Tens razão: partamos.

─ E quereis ir?...

─ Na direção do acaso.

VII

"Por amor de um triste velho,

Que ao termo fatal já chega,

Vós, guerreiros, concedestes

A vida a um prisioneiro.

Ação tão nobre vos honra,

Nem tão alta cortesia

Vi eu jamais praticada

Entre os Tupis, ─ e mas foram

Senhores em gentileza.

"Eu porém nunca vencido,

Nem nos combates por armas,

Nem por nobreza nos atos;

Aqui venho, e o filho trago.

Vós o dizeis prisioneiro,

Seja assim como dizeis;

Mandai vir a lenha, o fogo,

A maça do sacrifício

E a muçurana ligeira:

Em tudo o rito se cumpra!

E quando eu for só na terra,

Certo acharei entre os vossos,

Que tão gentis se revelam,

Alguém que meus passos guie;

Alguém, que vendo o meu peito

Coberto de cicatrizes,

Tomando a vez de meu filho,

De haver-me por se ufane!"

Mas o chefe dos Timbiras,

Os sobrolhos encrespando,

Ao velho Tupi guerreiro

Responde com tôrvo acento:

─ Nada farei do que dizes:

É teu filho imbele e fraco!

Aviltaria o triunfo

Da mais guerreira das tribos

Derramar seu ignóbil sangue:

Ele chorou de cobarde;

Nós outros, fortes Timbiras,

Só de heróis fazemos pasto. ─

Do velho Tupi guerreiro

A surda voz na garganta

Faz ouvir uns sons confusos,

Como os rugidos de um tigre,

Que pouco a pouco se assanha!

VIII

"Tu choraste em presença da morte?

Na presença de estranhos choraste?

Não descende o cobarde do forte;

Pois choraste, meu filho não és!

Possas tu, descendente maldito

De uma tribo de nobres guerreiros,

Implorando cruéis forasteiros,

Seres presa de via Aimorés.

"Possas tu, isolado na terra,

Sem arrimo e sem pátria vagando,

Rejeitado da morte na guerra,

Rejeitado dos homens na paz,

Ser das gentes o espectro execrado;

Não encontres amor nas mulheres,

Teus amigos, se amigos tiveres,

Tenham alma inconstante e falaz!

"Não encontres doçura no dia,

Nem as cores da aurora te ameiguem,

E entre as larvas da noite sombria

Nunca possas descanso gozar:

Não encontres um tronco, uma pedra,

Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,

Padecendo os maiores tormentos,

Onde possas a fronte pousar.

"Que a teus passos a relva se torre;

Murchem prados, a flor desfaleça,

E o regato que límpido corre,

Mais te acenda o vesano furor;

Suas águas depressa se tornem,

Ao contacto dos lábios sedentos,

Lago impuro de vermes nojentos,

Donde fujas com asco e terror!

"Sempre o céu, como um teto incendido,

Creste e punja teus membros malditos

E oceano de pó denegrido

Seja a terra ao ignavo tupi!

Miserável, faminto, sedento,

Manitôs lhe não falem nos sonhos,

E do horror os espectros medonhos

Traga sempre o cobarde após si.

"Um amigo não tenhas piedoso

Que o teu corpo na terra embalsame,

Pondo em vaso d’argila cuidoso

Arco e frecha e tacape a teus pés!

Sê maldito, e sozinho na terra;

Pois que a tanta vileza chegaste,

Que em presença da morte choraste,

Tu, cobarde, meu filho não és."

IX

Isto dizendo, o miserando velho

A quem Tupã tamanha dor, tal fado

Já nos confins da vida reservada,

Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias

Da sua noite escura as densas trevas

Palpando. ─ Alarma! alarma! ─ O velho pára!

O grito que escutou é voz do filho,

Voz de guerra que ouviu já tantas vezes

Noutra quadra melhor. ─ Alarma! alarma!

─ Esse momento só vale a pagar-lhe

Os tão compridos trances, as angústias,

Que o frio coração lhe atormentaram

De guerreiro e de pai: ─ vale, e de sobra.

Ele que em tanta dor se contivera,

Tomado pelo súbito contraste,

Desfaz-se agora em pranto copioso,

Que o exaurido coração remoça.

A taba se alborota, os golpes descem,

Gritos, imprecações profundas soam,

Emaranhada a multidão braveja,

Revolve-se, enovela-se confusa,

E mais revolta em mor furor se acende.

E os sons dos golpes que incessantes fervem,

Vozes, gemidos, estertor de morte

Vão longe pelas ermas serranias

Da humana tempestade propagando

Quantas vagas de povo enfurecido

Contra um rochedo vivo se quebravam.

Era ele, o Tupi; nem fora justo

Que a fama dos Tupis ─ o nome, a glória,

Aturado labor de tantos anos,

Derradeiro brasão da raça extinta,

De um jacto e por um só se aniquilasse.

─ Basta! Clama o chefe dos Timbiras,

─ Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste,

E para o sacrifício é mister forças.

O guerreiro parou, caiu nos braços

Do velho pai, que o cinge contra o peito,

Com lágrimas de júbilo bradando:

"Este, sim, que é meu filho muito amado!

"E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,

"Corram livres as lágrimas que choro,

"Estas lágrimas, sim, que não desonram."

X

Um velho Timbira, coberto de glória,

Guardou a memória

Do moço guerreiro, do velho Tupi!

E à noite, nas tabas, se alguém duvidava

Do que ele contava,

Dizia prudente: ─ "Meninos, eu vi!

"Eu vi o brioso no largo terreiro

Cantar prisioneiro

Seu canto de morte, que nunca esqueci:

Valente, como era, chorou sem ter pejo;

Parece que o vejo,

Que o tenho nest’hora diante de mi.

"Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!

Pois não, era um bravo;

Valente e brioso, como ele, não vi!

E à fé que vos digo: parece-me encanto

Que quem chorou tanto,

Tivesse a coragem que tinha o Tupi!"

Assim o Timbira, coberto de glória,

Guardava a memória

Do moço guerreiro, do velho Tupi.

E à noite nas tabas, se alguém duvidava

Do que ele contava,

Tornava prudente: "Meninos, eu vi!".

1.2. ÁLVARES DE AZEVEDO

1.2.1. BIOGRAFIA:

Manuel Antônio Álvares de Azevedo foi um escritor da segunda geração romântica (Ultra-Romântica, Byroniana ou Mal-do-século), contista, dramaturgo, poeta e ensaísta brasileiro, autor de Noite na Taverna.

Filho de Inácio Manuel Álvares de Azevedo e Maria Luísa Mota Azevedo, passou a infância no Rio de Janeiro, onde iniciou seus estudos. Voltou a São Paulo, em 1847, para estudar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde, desde logo, ganhou fama por brilhantes e precoces produções literárias. Destacou-se pela facilidade de aprender línguas e pelo espírito jovial e sentimental.

Durante o curso de Direito traduziu o quinto ato de Otelo, de Shakespeare; traduziu Parisina, de Lord Byron; fundou a revista da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano (1849); fez parte da Sociedade Epicureia; e iniciou o poema épico O Conde Lopo, do qual só restaram fragmentos.

Não concluiu o curso, pois foi acometido de uma tuberculose pulmonar nas férias de 1851-52, a qual foi agravada por um tumor na fossa ilíaca, ocasionado por uma queda de cavalo, falecendo aos 21 anos.

A sua obra compreende: Poesias diversas, Poema do Frade, o drama Macário, o romance O Livro de Fra Gondicário, Noite na Taverna, Cartas, vários Ensaios (Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla) e Lira dos vinte anos.

Suas principais influências são: Lord Byron, Goethe, François-René de Chateaubriand, mas principalmente Alfred de Musset.

Figura na antologia do cancioneiro nacional. Foi muito lido até as duas primeiras décadas do século XX, com constantes reedições de sua poesia e antologias. As últimas encenações de seu drama Macário foram em 1994 e 2001. É patrono da cadeira 2 da Academia Brasileira de Letras. Sua principal obras obras é Lira dos Vinte Anos.

LIRA DOS VINTE ANOS

inicialmente planejada para ser publicada num projeto - As Três Liras - em conjunto com Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães, é o título da principal obra do autor. Segundo alguns pesquisadores, o nome da coleção de poesias se dava ao fato de ter existido uma garota - a qual, até hoje, ninguém sabe a identidade, muito bem escondida pelo Dr. Jaci Monteiro - que tocava esse instrumento.

É evidente a explicitação de Álvares de Azevedo na postura consciente do fazer poético, afinal em seus prefácios há um alto grau de conhecimento quanto à proposta ultra-romântica, a qual exibe um certo metarromantismo marcada pelo senso crítico.

É o primeiro a incorporar o cotidiano na poesia no Brasil, com o poemas Ideias íntimas, da segunda parte da Lira. O autor de Lira dos Vinte Anos estabelece valores e critérios a sua obra. Revela-se assim, uma verdadeira teorização programada da obra, transformando-se numa verdadeira teoria do conhecimento dos textos poéticos apresentados.

No segundo prefácio de Lira dos Vinte Anos, o seu autor nos revela a sua intencionalidade e o vincula de tal maneira ao texto poético, que a gratuidade e autonomia perde espaço e revela a intencionalidade do poeta, isto é, explicação de temas, motivos e outros elementos.

Críticas

Um aspecto característico de sua obra e que tem estimulado mais discussão, diz respeito a sua poética, que ele mesmo definiu como uma "binomia", que consiste em aproximar extremos, numa atitude tipicamente romântica. É importante salientar o prefácio à segunda parte da Lira dos Vinte Anos, um dos pontos críticos de sua obra e na qual define toda a sua poética.

Machado de Assis publicou no jornal “Semana Literária”, em 26 de junho de 1866 uma análise de Lira dos vinte anos.

Atualmente tem suscitado alguns estudos acadêmicos, dos quais sublinham-se "O Belo e o Disforme", de Cilaine Alves Cunha (EDUSP, 2000), e "Entusiasmo indianista e ironia byroniana" (Tese de Doutorado, USP, 2000); "O poeta leitor. Um estudo das epígrafes hugoanas em Álvares de Azevedo", de Maria C. R. Alves (Dissertação de Mestrado, USP, 1999); "Álvares de Azevedo: A busca de uma literatura consciente", de Gilmar Tenorio Santini (Dissertação de Mestrado, UNESP, 2007).

O crítico literário Alexei Bueno faz uma interessante observação sobre a "característica quase esquizoide da alma de Álvares de Azevedo", a dissociação entre sua obra "onde não faltam bebedeiras e orgias altamente byronianas" e sua vida pacata de "excelente e responsabilíssimo aluno, de enorme afeição familiar e provavelmente bastante casto".

1.2.1. OBRA A SER ESTUDADA: POEMAS MALDITOS (Alguns poemas)

SOLIDÃO

Nas nuvens cor de cinza do horizonte

A lua amarelada a face embuça;

Parece que tem frio, e no seu leito

Deitou, para dormir, a carapuça.

Ergueu-se, vem da noite a vagabunda

Sem xale, sem camisa e sem mantilha,

Vem nua e bela procurar amantes;

É douda por amor da noite a filha.

As nuvens são uns frades de joelhos,

Rezam adormecendo no oratório;

Todos têm o capuz e bons narizes.

E parecem sonhar o refeitório.

As árvores prateiam-se na praia,

Qual de uma fada os mágicos retiros

O lua, as doces brisas que sussurram

Coam dos lábios teus como suspiros!

Falando ao coração que nota aérea

Deste céu, destas águas se desata?

Canta assim algum gênio adormecido

Das ondas mortas no lençol de prata?

Minha alma tenebrosa se entristece,

É muda como sala mortuária

Deito-me só e triste, e sem ter fome

Vejo na mesa a ceia solitária.

Ó lua, ó lua bela dos amores,

Se tu és moça e tens um peito amigo,

Não me deixes assim dormir solteiro,

À meia-noite vem cear comigo!

MEU ANJO

Meu anjo tem o encanto, a maravilha

Da espontânea canção dos passarinhos;

Tem os seios tão alvos, tão macios

Como o pêlo sedoso dos arminhos.

Triste de noite na janela a vejo

E de seus lábios o gemido escuto

É leve a criatura vaporosa

Como a frouxa fumaça de um charuto.

Parece até que sobre a fronte angélica

Um anjo lhe depôs coroa e nimbo...

Formosa a vejo assim entre meus sonhos

Mais bela no vapor do meu cachimbo.

Como o vinho espanhol, um beijo dela

Entorna ao sangue a luz do paraíso.

Dá morte num desdém, num beijo vida,

E celestes desmaios num sorriso!

Mas quis a minha sina que seu peito

Não batesse por mim nem um minuto,

E que ela fosse leviana e bela

Como a leve fumaça de um charuto!

VAGABUNDO

Eat, drink and love; what can the rest avail us!

BYRON

Eu durmo e vivo no sol como um cigano,

Fumando meu cigarro vaporoso,

Nas noites de verão namoro estrela;

Sou pobre, sou mendigo, e sou ditoso!

Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;

Mas tenho na viola uma riqueza:

Canto à lua de noite serenatas,

E quem vive de amor não tem pobreza.

Não invejo ninguém, nem ouço a raiva

Nas cavernas do peito, sufocante,

Quando à noite na treva em mim se entornam

Os reflexos do baile fascinante.

Namoro e sou feliz nos meus amores;

Sou garboso e rapaz... Uma criada

Abrasada de amor por um soneto

Já um beijo me deu subindo a escada...

Oito dias lá vão que ando cismado

Na donzela que ali defronte mora.

Ela ao ver-me sorri tão docemente!

Desconfio que a moça me namora!..

Tenho por meu palácio as longas ruas;

Passeio a gosto e durmo sem temores;

Quando bebo, sou rei como um poeta,

E o vinho faz sonhar com os amores.

O degrau das igrejas é meu trono,

Minha pátria é o vento que respiro,

Minha mãe é a lua macilenta,

E a preguiça a mulher por quem suspiro.

Escrevo na parede as minhas rimas,

De painéis a carvão adorno a rua;

Como as aves do céu e as flores puras

Abro meu peito ao sol e durmo à lua.

Sinto-me um coração de lazzaroni;

Sou filho do calor, odeio o frio;

Não creio no diabo nem nos santos.

Rezo à Nossa Senhora, e sou vadio!

Ora, se por aí alguma bela

Bem doirada e amante da preguiça

Quiser a nívea mão unir à minha

Há de achar-me na Sé, domingo, à Missa.

A LAGARTIXA

A lagartixa ao sol ardente vive

E fazendo verão o corpo espicha:

O clarão de teus olhos me dá vida

Tu és o sol e eu sou a lagartixa.

Amo-te como o vinho e como o sono,

Tu és meu copo e amoroso leito

Mas teu néctar de amor jamais se esgota,

Travesseiro não há como teu peito.

Possa agora viver: para coroas

Não preciso no prado colher flores;

Engrinaldo melhor a minha fronte

Nas rosas mais gentis de teus amores.

Vale todo um harém a minha bela,

Em fazer-me ditoso ela capricha;

Vivo ao sol de seus olhos namorados,

Como ao sol de verão a lagartixa.

LUAR DE VERÃO

O que vês, trovador? — Eu vejo a lua

Que sem lavor a face ali passeia;

No azul do firmamento inda é mais pálida

Que em cinzas do fogão uma candeia.

O que vês, trovador? — No esguio tronco

Vejo erguer-se o chinó de uma nogueira.

Além se entorna a luz sobre um rochedo

Tão liso como um pau-de-cabeleira.

Nas praias lisas a maré enchente

S'espraia cintilante d'ardentia

Em vez de aromas as doiradas ondas

Respiram efluviosa maresia!

O que vês, trovador? — No céu formoso

Ao sopro dos favônios feiticeiros

Eu vejo — e tremo de paixão ao vê-las —

As nuvens a dormir, como carneiros.

E vejo além, na sombra do horizonte,

Como viúva moça envolta em luto,

Brilhando em nuvem negra estrela viva

Como na treva a ponta de um charuto.

Teu romantismo bebo, ó minha lua,

A teus raios divinos me abandono,

Torno-me vaporoso, e só de ver-te

Eu sinto os lábios meus se abrir de sono.

O POETA MORIBUNDO

Poetas! amanhã ao meu cadáver

Minha tripa cortai mais sonorosa!

Façam dela uma corda, e cantem nela

Os amores da vida esperançosa!

Cantem esse verso que me alentava...

O aroma dos currais, o bezerrinho,

As aves que na sombra suspiravam,

E os sapos que cantavam no caminho!

Coração, por que tremes? Se esta lira

Nas minhas mãos sem força desafina,

Enquanto ao cemitério não te levam

Casa no marimbau a alma divina!

Eu morro qual nas mãos da cozinheira

O marreco piando na agonia...

Como o cisne de outrora... que gemendo

Entre os hinos de amor se enternecia.

Coração, por que tremes? Vejo a morte

Ali vem lazarenta e desdentada...

Que noiva!... E devo então dormir com ela?...

Se ela ao menos dormisse mascarada!

Que ruínas! que amor petrificado!

Tão antediluviano e gigantesco!

Ora, façam idéia que ternuras

Terá essa lagarta posta ao fresco!

Antes mil vezes que dormir com ela,

Que dessa fúria o gozo, amor eterno. . .

Se ali não há também amor de velha,

Dêem-me as caldeiras do terceiro Inferno!

No inferno estão suavíssimas belezas,

Cleópatras, Helenas, Eleonoras;

Lá se namora em boa companhia,

Não pode haver inferno com Senhoras!

Se é verdade que os homens gozadores,

Amigos de no vinho ter consolos,

Foram com Satanás fazer colônia,

Antes lá que no Céu sofrer os tolos!

Ora! e forcem um'alma qual a minha

Que no altar sacrifica ao Deus-Preguiça

A cantar ladainha eternamente

E por mil anos ajudar a Missa!

É ELA! É ELA! É ELA! É ELA!

É ela! é ela! — murmurei tremendo,

E o eco ao longe murmurou — é ela!

Eu a vi — minha fada aérea e pura —

A minha lavadeira na janela!

Dessas águas-furtadas onde eu moro

Eu a vejo estendendo no telhado

Os vestidos de chita, as saias brancas;

Eu a vejo e suspiro enamorado!

Esta noite eu ousei mais atrevido

Nas telhas que estalavam nos meus passos

Ir espiar seu venturoso sono,

Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!

Como dormia! que profundo sono!...

Tinha na mão o ferro do engomado...

Como roncava maviosa e pura!...

Quase caí na rua desmaiado!

Afastei a janela, entrei medroso:

Palpitava-lhe o seio adormecido...

Fui beijá-la... roubei do seio dela

Um bilhete que estava ali metido...

Oh! de certo... (pensei) é doce página

Onde a alma derramou gentis amores;

São versos dela... que amanhã de certo

Ela me enviará cheios de flores.

Tremi de febre! Venturosa folha!

Quem pousasse contigo neste seio!

Como Otelo beijando a sua esposa,

Eu beijei-a a tremer de devaneio. .

É ela! é ela! — repeti tremendo;

Mas cantou nesse instante uma coruja...

Abri cioso a página secreta...

Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!

Mas se Werther morreu por ver Carlota

Dando pão com manteiga às criancinhas,

Se achou-a assim mais bela, — eu mais te adoro

Sonhando-te a lavar as camisinhas!

É ela! é ela! meu amor, minh'alma,

A Laura, a Beatriz que o céu revela. . .

É ela! é ela! — murmurei tremendo,

E o eco ao longe suspirou — é ela!

1.3. CASTRO ALVES

1.3.1. BIOGRAFIA:

Antônio de Castro Alves nasceu a 14 de março de 1847, na fazenda Cabaceiras, interior da Bahia. Feitos os estudos secundários no Ginásio Baiano, em 1864 ingressa na Faculdade de Direito do Recife, onde granjeia desde cedo notoriedade como poeta inflamado. Apaixona-se pela atriz Eugênia Câmara, com ela ruma para o Rio de Janeiro, em fevereiro de 1868, e é festivamente recebido por Alencar e Machado de Assis. Vai para São Paulo a fim de prosseguir o curso jurídico, e lá continua a gozar da mesma aura de vate genial. Todavia, separa-se de Eugênia Câmara e entra a desanimar. Numa caçada, fere o pé acidentalmente. Segue para o Rio, onde lhe operam o membro gangrenado, e de lá para a Bahia, já minado pela tuberculose que o vitimaria a seis de julho de 1871. Seu espólio literário consta do seguinte: Espumas Flutuantes (1870), Gonzaga ou A Revolução de Minas, teatro (1876), A Cachoeira de Paulo Afonso (1876), Os Escravos (1883). Suas Obras Completas foram reunidas pela primeira vez em 1898.

1.3.2. OBRA A SER ESTUDADA: O NAVIO NEGREIRO (Tragédia no Mar)

1.3.3. ATIVIDADES PROPOSTAS:

Em prosa, elabore um resumo do poema a ser lido.

O NAVIO NEGREIRO (Tragédia no Mar)

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço

Brinca o luar — dourada borboleta;

E as vagas após ele correm... cansam

Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento

Os astros saltam como espumas de ouro...

O mar em troca acende as ardentias,

— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos

Ali se estreitam num abraço insano,

Azuis, dourados, plácidos, sublimes...

Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas

Ao quente arfar das virações marinhas,

Veleiro brigue corre à flor dos mares,

Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai? Das naus errantes

Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?

Neste saara os corcéis o pó levantam,

Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora

Sentir deste painel a majestade!

Embaixo — o mar em cima — o firmamento...

E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!

Que música suave ao longe soa!

Meu Deus! como é sublime um canto ardente

Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros,

Tostados pelo sol dos quatro mundos!

Crianças que a procela acalentara

No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba

Esta selvagem, livre poesia,

Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,

E o vento, que nas cordas assobia...

..........................................................

Por que foges assim, barco ligeiro?

Por que foges do pávido poeta?

Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira

Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,

Tu que dormes das nuvens entre as gazas,

Sacode as penas, Leviathan do espaço,

Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.

II

Que importa do nauta o berço,

Donde é filho, qual seu lar?

Ama a cadência do verso

Que lhe ensina o velho mar!

Cantai! que a morte é divina!

Resvala o brigue à bolina

Como golfinho veloz.

Presa ao mastro da mezena

Saudosa bandeira acena

As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas

Requebradas de langor,

Lembram as moças morenas,

As andaluzas em flor!

Da Itália o filho indolente

Canta Veneza dormente,

— Terra de amor e traição,

Ou do golfo no regaço

Relembra os versos de Tasso,

Junto às lavas do vulcão!

O Inglês — marinheiro frio,

Que ao nascer no mar se achou,

(Porque a Inglaterra é um navio,

Que Deus na Mancha ancorou),

Rijo entoa pátrias glórias,

Lembrando, orgulhoso, histórias

De Nelson e de Aboukir.. .

O Francês — predestinado —

Canta os louros do passado

E os loureiros do porvir!

Os marinheiros Helenos,

Que a vaga jônia criou,

Belos piratas morenos

Do mar que Ulisses cortou,

Homens que Fídias talhara,

Vão cantando em noite clara

Versos que Homero gemeu...

Nautas de todas as plagas,

Vós sabeis achar nas vagas

As melodias do céu!...

III

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!

Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano

Como o teu mergulhar no brigue voador!

Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!

É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...

Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

IV

Era um sonho dantesco... o tombadilho

Que das luzernas avermelha o brilho.

Em sangue a se banhar.

Tinir de ferros... estalar de açoite...

Legiões de homens negros como a noite,

Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas

Magras crianças, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mães:

Outras moças, mas nuas e espantadas,

No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais ...

Se o velho arqueja, se no chão resvala,

Ouvem-se gritos... o chicote estala.

E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,

A multidão faminta cambaleia,

E chora e dança ali!

Um de raiva delira, outro enlouquece,

Outro, que martírios embrutece,

Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,

E após fitando o céu que se desdobra,

Tão puro sobre o mar,

Diz do fumo entre os densos nevoeiros:

"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!

Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais...

Qual um sonho dantesco as sombras voam!...

Gritos, ais, maldições, preces ressoam!

E ri-se Satanás!...

V

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus?!

Ó mar, por que não apagas

Co'a esponja de tuas vagas

De teu manto este borrão?...

Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados

Que não encontram em vós

Mais que o rir calmo da turba

Que excita a fúria do algoz?

Quem são? Se a estrela se cala,

Se a vaga à pressa resvala

Como um cúmplice fugaz,

Perante a noite confusa...

Dize-o tu, severa Musa,

Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,

Onde a terra esposa a luz.

Onde vive em campo aberto

A tribo dos homens nus...

São os guerreiros ousados

Que com os tigres mosqueados

Combatem na solidão.

Ontem simples, fortes, bravos.

Hoje míseros escravos,

Sem luz, sem ar, sem razão...

São mulheres desgraçadas,

Como Agar o foi também.

Que sedentas, alquebradas,

De longe... bem longe vêm...

Trazendo com tíbios passos,

Filhos e algemas nos braços,

N'alma — lágrimas e fel...

Como Agar sofrendo tanto,

Que nem o leite de pranto

Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,

Das palmeiras no país,

Nasceram crianças lindas,

Viveram moças gentis...

Passa um dia a caravana,

Quando a virgem na cabana

Cisma da noite nos véus ...

...Adeus, ó choça do monte,

...Adeus, palmeiras da fonte!...

...Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...

Depois, o oceano de pó.

Depois no horizonte imenso

Desertos... desertos só...

E a fome, o cansaço, a sede...

Ai! quanto infeliz que cede,

E cai p'ra não mais s'erguer!...

Vaga um lugar na cadeia,

Mas o chacal sobre a areia

Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,

A guerra, a caça ao leão,

O sono dormido à toa

Sob as tendas d'amplidão!

Hoje... o porão negro, fundo,

Infecto, apertado, imundo,

Tendo a peste por jaguar...

E o sono sempre cortado

Pelo arranco de um finado,

E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,

A vontade por poder...

Hoje... cúm'lo de maldade,

Nem são livres p'ra morrer. .

Prende-os a mesma corrente

— Férrea, lúgubre serpente —

Nas roscas da escravidão.

E assim zombando da morte,

Dança a lúgubre coorte

Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus,

Se eu deliro... ou se é verdade

Tanto horror perante os céus?!...

Ó mar, por que não apagas

Co'a esponja de tuas vagas

Do teu manto este borrão?

Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!...

VI

Existe um povo que a bandeira empresta

P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...

E deixa-a transformar-se nessa festa

Em manto impuro de bacante fria!...

Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,

Que impudente na gávea tripudia?

Silêncio. Musa... chora, e chora tanto

Que o pavilhão se lave no teu pranto!...

Auriverde pendão de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra

E as promessas divinas da esperança...

Tu que, da liberdade após a guerra,

Foste hasteado dos heróis na lança

Antes te houvessem roto na batalha,

Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!

Extingue nesta hora o brigue imundo

O trilho que Colombo abriu nas vagas,

Como um íris no pélago profundo!

Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga

Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!

Andrada! arranca esse pendão dos ares!

Colombo! fecha a porta dos teus mares.

Bom estudo!

Prof. Ezequias Moreira