Considerações sobre a poesia concreta
Considerações de J B PEREIRA à luz de Philadelpho Menezes na esteira da poesia concreta:
Segundo Elba Carvalho, em Da Poesia concreta ao poema-processo: um passeio pelo fio da navalhava, São Paulo, 2002: p 125 "... Encontra-se uma complacência exagerada na aceitação de poemas que nada têm a ver com a teoria. o rótulo ‘poema-processo’ tenha se tornado mais importante que o poema-processo. (...) a gula rotulatória (...) faz crer que tudo aquilo que não fosse verso na poesia era concretismo como miscelânea visual que assolou a poesia na década de 60, uma descabida gritaria pelo anexo de quinhões maiores do território poético ao feudo do poeta, uma espécie de enfoque privilegiado da ‘força política’ desconexa do fenômeno poético.” (desculpe-me, sem fonte)
O poema-processo, com jogo gráfico que plástico, está próximo da poesia concreta, pois privilegia a visualidade estrutural e a formal útil do objeto útil. Práxis é a leitura do processo, síntese do concretismo, neoconcretismo e práxis; e o prático é a poesia sem palavras. Tentaram uma nova poesia deste grupo sem algo abstrato, sem definição. O livro de Wladimir Dias-Pino, Processo: linguagem e comunicação, contem os poemas-processo, colocados de modo insólito e sem data, mas dão a ideias de evocação desta modalidade poética. O movimento como tal não tem líder, é aberto. Ele é mais técnoico e coletivo. Mas, há poetas que se destacaram como Dias-Pino, Álvaro de Sá, Moacy Cirne e Neide de Sá. Em 1967, foi o bom ano deste movimento.
Poema-práxis, encabeçado por Mário Chamie, pode ser definido como repetição fonética e vocabular na estruturação do texto, sem se prender a mecanismo fixo. Isso é visível nos poemas de Lavra Lavra: Compra e Venda II e Plantio. No primeiro, pelo jogo de palavras, há o intuito de denunciar a fone dos que trabalham para produzir o pão que lhe é negado pelos poderosos, que enchem os seus celeiros: "O roceiro de sol a sol e a mão ao pão esconde/ De grão em grão, pleno é o celeiro pleno." O mesmo espírito de denúncia está em Plantio: destacando em proposital gradação a degradação/exploração dos lavradores - cujo contrato é um farsa. Cabe-lhes apenas cavar sua própria cova e morrer de trabalhar. Não se cabe o controle de seu trabalho, mas a outrem. É seu carma o trabalho: "Calca e não relembra. Demênci; mão de louco planta o vau de perto e talha, três. Três de paus. Cova."
Pretendiam que essa linguagem fosse aceita por intelectuais e povo. Este tipo de poema é uma extroversão. O autor faz seu texto para ser lido pelo seu leitor. Mas todos são leitores na prática, são consumidores da literatura como recepção de textos. Exige-se uma semiótica derivada das postulações de Charles Morris recebida por Décio Pignatari, Luiz Ângelo Pinto e Mario Chamie. Este, em 1962, faz um manifesto em seu livro Instauração práxis (São Paulo, 1974, v. I, p. 21-41). Devido ao grau avançado de jogo de palavras, o leitor comum viu no texto um jogo hermético. A leitura do texto pode ser bem sucedida de trás-para-frente. O autor esconde nas entrelinhas sua intencionalidade mesmo no ato de compor.
O neoconcretismo teve em Ferreira Gullar sua maior expressão. Nos poemas Verde erva e olho-alvo, a apreensão de tempo, espaço e estrutura do poema estão subordinados à transfiguração evidenciada pela atuação do leitor nos textos, em que o objeto exposto deve ser manipulado para se ter os sentidos de que neles foram inseridos pelo autor em cada poema. Atrás dos objetos, há um não-objeto de sentido. Por exemplo, nas tampas sobrepostas do poema-ato de Roberto Pontual está o ato do leitor pegar cada tampa e deslocá-la de seu lugar- este é o sentido mesmo de Ato. Tudo tem um propósito verbal. Os elementos visuais e plasticos ou letras evocam o sentido verbal. A noção de não-objeto foi retirada por Gullar de pesquisas em Monet, Mondrian, Malevitch, Tatlin e Rocchenko. Tal conceito é visualizado em Lygia Clark e Amilcar de Castro. Ferreira Gullar contextualiza suas colocações no aparato de artistas e poetas, cujas obras incitam abertamente ao leitor a participação manual de suas produções como é o caso dos bichos de Lygia Clark. Assim, enquanto a episteme concreta incluia o homem como agente social e econômico da cultura, o neoconcretismo coloca-o como ser no mundo e como participante da arte. O homem deve ser visto como um todo subjetivo na objetividade concreta. Enquanto o concretismo apela ao quase-corpus como um entre-lugar entre o material e não tácito - transcendendo as relações puramente mecânicas como na Gestalt, o neoconcretismo afirma-se na fenomenologia de Merleau-Ponty como significação tácita que emerge pela primeira vez. O poema neoconcreto quer-se além de maquina e objeto na percepção fenomenológica. Esta foi a saída que Ferreira Gullar encontrou para os mecanismos limitados nos truques concretistas, valorizando mais o seu formato inventivamente artesanal que semântico. Mas, ambos caíram no lugar-comum justamente quando queriam fugir dele, mesmo desejando o novo habitat vital, cotidiano, afetivo, intuitivo da palavra na experiência do leitor. Ambos não conseguiram a tão desejada realidade transcendente da poesia e da subjetividade. A objetividade de seus poemas se esvaziou. Ficou o desafio de Maximo de expressão com mínimo de palavras a meio caminho. Assim, podemos nos valer das próprias palavras de Ferreira Gullar contra o poema-concreto para lhe aplicar o mesmo efeito: A poesia neoconcreta - 'não é nem superior ou inferior a outras formas de poetar. Nem uma invenção caprichosa de A ou B, mas uma necessidade que escapa à orbita individual: é o resultado de uma evolução verificável da linguagem do poeta." (em Jornal do Brasil, 23 jun. 1957. Suplemento Dominical, p. 1). Vilém Flusser vê os esforços concretistas como tímidos e o chama de poesia híbrida. ("Concreto-abstrato". O Estado de São Paulo, 6 jun., 1964. Suplemento Literário, p. 1). Nos poemas de Decio Pignatari aparece sempre uma chave léxica que a partir da qual se dá para decifrar o sentido do poema visual concreto.
Por enquanto, ficam-nos estas questões de Haroldo de campos: Pode um pais subdesenvolvido produzir uma literatura de exportação? Em que medida uma vanguarda universal pode ser também nacional ou regional? Pode-se imaginar uma vanguarda engajada? (Revista Tendência, BH, nº 4, , 1962, p. 83.). De um lado, os filósofos e escritores da critica social ou dúvida como Marx, G. Rosa, de outro, o engajamento de Maiakóvski. sem esquecer também o dialeto nacional-regional em G. Rosa, João Cabral e Enza Pound.