A BARCA DE AEOLOS
A BARCA DE AELOS I – 6 JUN 21
Se observares o mapa das alturas,
verás que as nuvens buscam mais a terra
que a superfície que no mar se encerra:
sobe o vapor da terra e das planuras.
Esse vapor do mar traz mais agruras,
pois logo se condensa e forte berra
do furacão o uivo e então se emperra
na tromba d’-água, em violências duras.
Pois até mesmo o tornado ao continente
prefere, que às planícies desse mar;
percorre a terra em gigantesco parafuso,
tudo desmancha no fragor mais impaciente,
enquanto apenas pode naufragar
uns poucos barcos em rodopiar confuso.
A BARCA DE AELOS II
Itens perdidos numa enciclopédia
que ninguém consulta nunca, esta cultura
humana que se esvai na sepultura,
que tantos denunciam qual tragédia
e outros tantos chamaram de comédia,
assim a nivelar qualquer altura,
ou então a enfeiar a formosura,
pois o tempo nos tange, mas a rédea
firme está presa no pulso da vaidade,
cujo apelido é morte e que saudade
teve só por sobrenome e já o perdeu,
quando se entrega ao estranho casamento,
vidas inteiras nos verbetes de um momento,
itens perdidos que ninguém nunca mais leu.
A BARCA DE AELOS III
Formam-se às vezes, nos gatos e ovelhas
bolas de pelos, por tanto se lamber,
aos poucos o estômago a encher
por tal massa crescente de guedelhas.
Denominam bezoar tais bolas velhas;
calcificadas, são jóias de se ter
em vitrinas de museus e a recolher
para bruxedos de malevolentes grelhas.
Já nos humanos a coisa é diferente:
há quem se calcifique inteiramente,
por mais bondade possa te mostrar
e a lástima que tenho assim consiste
pelo destino dessa gente triste,
que em lugar de um coração têm bezoar.