FANTASMAS VAZIOS

FANTASMAS VAZIOS I – 22 MAR 2021

É nestas horas em que fico sozinho,

enquanto escuto tinidos na vidraça

e a brisa leve pelo rosto me perpassa

que escrevo meus versos de mansinho.

Segundos passam por mim, devagarinho,

mentindo um beijo que velozmente passa,

talvez profetas apenas de desgraça,

por desgastarem meu tempo sem carinho.

Mas não desgostam. Aqui estou, igual que antes

olhando apenas o perpassar que me esvazia,

durante o lento desdobrar de minha sentença;

bem preferia passasse esses instantes

livre do corpo, envolto em luz do dia,

como um raio de sol de pura crença.

FANTASMAS VAZIOS II

Se após minha morte um dia publicarem

esses milhares de poemas que já fiz,

o que eu faria? Pois ninguém me diz

ser importante para os restos que ficarem.

Eu vejo os outros ao redor buscarem,

como é importante o seu ideal de giz!

Logo se apagam da face dos lambris

quantos grafites por ali deixarem...

Depois da morte, não há a menor questão,

se quiserem publicar os meus bolores,

então que o façam, terão plena permissão,

mas não invejo em nada esses autores

que vejo a meu redor em sua ambição,

serão fantasmas vazios os seus pendores.

FANTASMAS VAZIOS III

Vejo as cadeiras vazias de minha sala,

quantos fantasmas se assentaram nelas!

Recordo os rostos, vejo as formas belas

e as formas feias, tudo em sonho estala...

Lembro os alunos que a memória embala,

velhos amores, pálidas estrelas,

busco as feições, já esqueci-me delas,

corpos perdidos que a lembrança cala!

Os companheiros de orquestra por metade,

Os da ribalta, em memórias desgastadas,

gatos minguados de uma classe morta,

tantos se foram dessa humanidade

que fez parte de mim, vistas coladas

no que escrevia com minha letra torta!

FANTASMAS VAZIOS IV

Vejo crianças a correr nos corredores

de meus devaneios, nesse estranho,

imenso prédio, que não vi no antanho,

buscando fadas e monstros nos odores

que permeiam por ali, belos amores,

angústias do momento mais tacanho,

nem durmo e nem me acordo, nesse banho

de suor a constelar velhos favores...

São corredores da memória, impregnados

das horas mortas em mil artes perdidas,

sem que se possa julgar o que ficou;

tine a vidraça nesses sonhos desgastados,

vazios fantasmas como as mil feridas

de tantos rostos que o tempo já apagou!...