UM SOL ADQUIRIDO
UM SOL ADQUIRIDO I – 15 MAR 21
recebi uma tradução e comprei raios de sol
para enfeitar a casa; dispuz por toda a volta,
nas janelas da frente e nas do lado; à solta
flutuou a maior parte, à guisa de arrebol;
à porta da cozinha, qual cortina do jardim,
os raios entremedos em teia de alcaçuz,
os raios replantados, guirlanda que reluz,
na espera do sorriso que vais mostrar a mim.
teu jardim resplandece entre a cidade gris,
as flores agradecem ao sol tal como à chuva,
embora o povo marche em ruas lamacentas;
o novo sol eu comprei com a tradução que fiz,
gastei todo o dinheiro no sol que foi tua luva,
no caule do sorriso com que a vida me acalentas.
UM SOL ADQUIRIDO II
não é estranho que palavras virem flores,
pois se transformam em moedas primeiro;
raios de sol entre as árvores, bem ligeiro,
cobrem o solo com seus rápidos fulgores,
acesos e apagados em breves estertores,
enquanto o vento aplica o seu fervor arteiro,
a folhagem agitando para esconder luzeiro
e a seguir dando passagem para novas cores.
as palavras descreveram nem sei quê,
tantos os livros por que já percorri;
saco de letras nessa tradução mandei
ganhei em troca um belo vaso com buquê
de notas de real, que em breve consumi
nos cem raios de sol com que a casa decorei.
UM SOL ADQUIRIDO III
foram palavras a se tornar raios de sol,
raios de noite também podendo ser,
espelho e imagem totais de teu viver,
palavras vivas em jato ardente de farol;
e da Trindade, a Palavra é o arrebol
que se fez carne para te compreender,
a humanidade iletrada a proteger,
pairando a seu redor qual girassol.
toda palavra portanto algo sagrado,
cada palavra com um singular poder,
nome do mal ou nome do teu bem,
mas seu fulgor tão pouco respeitado,
sem que nela o divinal consigam ver,
ainda iletrada essa alma com que a vêem.