AMOR-IMPERFEITO &+
AMOR IMPERFEITO I – 2 NOV 20
Amor não é palavra, flor apenas,
Que brota de uma boca descuidada;
Palavra só não nos conduz a nada,
Apenas peça de tablado em cenas
De ato interrompido, são verbenas
Que se escuta em canção apaixonada
E amor se mostra qual atriz enamorada,
Tal como o orvalho beija as açucenas.
Mas os passos desse amor eu não bebi
Pelos montes e vales do caminho,
Por todo o amor que eu dei, um som
Tão somente de palavras recebi,
Sem desfrutar do mais real carinho
E só me resta dizer um Kyrie Eleison! (*)
(*) Senhor, tem piedade, em grego.
AMOR IMPERFEITO II
Muito apropriado pedir a Deus piedade
Na data que o dia de hoje comemora,
Recordação de quem já foi embora,
Sem que saibamos para onde, na verdade;
A Escritura Sagrada, em sua veracidade,
Consolação bem fraca nos aflora:
“A duração de nossos dias,” tempo a fora,
“Reduz-se a setenta anos”, de boa atividade.
“E se o vigor de alguns os leva a oitenta,
Em trabalho e tristeza reduz-se seu orgulho,
Pois tudo passa depressa e nós voamos...”
E quão mais flébil a vida amor nos apresenta!
Talvez com sorte, em sete anos, tenha esbulho,
Pois depressa passou e então mais amamos...
AMOR IMPERFEITO III
Melhor amar assim quando o vigor existe,
Mesmo limites tendo em retribuição,
Já que o amor nos apresenta indicação
De que a vida mais longa ser insiste;
Quando em um ano amor décadas enquiste,
Na intensidade de sua realização,
Na pertinácia de sua completação,
Que já em momento do porvir se aviste.
Porém me queixo apenas de contente,
Pois muito amor recebi na realidade
E se enfim se mostrou sua brevidade,
Foram cada intenso no seu dia presente
E nos meus vasos de flores ainda ajeito
Os secos caules de amor tão imperfeito.
CARO DATA-VENIA I – 3 NOV 2020
Assim tudo começa: pelo olhar
Eu a contemplo: então a vejo bela
E logo, num repente: qual estrela,
Que a mente inteira me pode calcinar.
E ela também olha: mais a calcular
Se posso ser amigo: e dar a ela
Casa e ninho: e ali erguer-lhe estela,
Para que possa na vida se implantar.
Acompanhando da raça o velho trilho
Que da humanidade ainda mais dura,
Entre seus braços o corpo inteiro ensilho
E com seus óvulos meu sêmen se mistura,
Passados nove meses, surde um filho,
Que é pouco mais que proteína pura...
CARO DATA-VENIA II
Com a devida permissão, portanto,
Reconheço que o amor tem seu destino
E se por esse amor eu me fascino,
A perspectiva não perco nesse encanto:
Ele nos chega, envolto em rico manto
De olhar brilhante e odor suave e fino,
Entre carícias e ternuras jóias mino,
Há diamantes no cristal do amargo pranto.
E por certo, amor é parte, integralmente
Dessa razão pela qual aqui vivemos,
Nessa armadilha renova-se o vigor;
Mas é o protoplasma, certamente,
Que através desse amor transmitiremos,
Para que outra geração conheça o amor.
CARO DATA-VENIA III
É com olhares que se fabrica a tela
E com carícias suportes para os cantos
E no momento dos estáticos encantos,
A fechadura é instalada firme nela;
Muitos se iludem nessa falsa estrela
E por isso tanto amor acaba em prantos,
Cada qual a percorrer outros recantos,
Já apagada em suas mãos a triste vela.
Porém quando realmente se compreende
Por que razão existe amor, ele perdura
E a gaiola não cessamos de dourar
E com a lucidez da compreensão se acende
Uma tocha tão viva que nos dura,
Sem ilusões, mas nem por isso se apagar.
O DIAPASÃO DA BRISA I – 4 NOV 20
Temos dois braços, igual que um diapasão,
Que vibram juntos quando há excitação,
O ar rarefeito se altera em compressão,
Bem mais intenso entre quatro braços.
Magnifica assim o ar do amor os traços,
Todos mais são repelidos, que os abraços
Se limitam ao casal preso nos laços,
Para os demais só haverá a rarefação.
Como brilham os dois seres em harmonia,
Nesse som de argentina nota pura,
Não se escuta desarmonia ou discordância!
Mas cessada a excitação, o amor esfria,
Ficam os dois afastados na obscura
Proximidade constituída por distância.
O DIAPASÃO DA BRISA II
Na realidade, apenas serve o diapasão
Para indicar do Lá o tom exato,
Para indicar o cá tem mais recato,
Porque só vibra para nos dar indicação
De como o amor em cada relação
Vibrar devia, sem falha ou desacato,
No seu vibrar, autentica cada ato,
Aos instrumentos indica a afinação.
Porém diverso é o diapasão da brisa,
O vento sopra onde quer, é caprichoso,
Às vezes queima, outra vez a pele alisa,
Mas em suas notas apresenta variação
E nem sempre mostra tom mais carinhoso,
Mas tão somente nos desperta excitação.
O DIAPASÃO DA BRISA III
Sempre é inútil esperar que os corações
Possam sempre ritmo idêntico mostrar;
Amor, às vezes, é um simples latejar,
Mas afinado por diferentes diapasões
E dissonâncias se refratam em ocasiões,
Querendo mais receber que podem dar
E por menos receber a se queixar
E em se queixar, mostrar variadas emoções.
A brisa sopra onde quer, às vezes gela,
Caso do amor exista pouca calidez
E de outras até apaga a nossa vela,
Ou nos refresca a lástima que exista,
Na contingência que mostra a palidez
De morto amor, porém no qual se insista.