ESTRANHEZAS &+
estranhezas 1 – 1º setembro 2020
sempre achei engraçada essa expressão,
até corrente, de “plantar-se bananeira”.
a explicação que há mais corriqueira
é que a bananeira, para ter reprodução
não tem semente e por essa razão
deve-se a planta revirar inteira,
depois de dar seu cacho, hospitaleira,
e de cabeça para baixo, na ocasião
enfiar na terra... mas não é a sua cabeça!
será a copa da bananeira, apenas,
antes que o pé inteiro se apodreça...
isto é questão de simples semelhança:
algum gaiato que assistiu tais cenas
e que de fazer troças não se cansa!
estranhezas 2
nunca eu tal posição experimentei
quando era moço e não será agora;
bananeira no pátio, em certa hora,
até já tive, mas de nada aproveitei;
logo depois que para a casa me mudei,
a minha esposa, sempre firme esta senhora,
mandou a árvore cortar, sem mais demora;
ou é um arbusto? de fato, já nem sei.
a bananeira já tinha dado cacho
e embora fosse até decorativa,
pelo menos, a meu modo de encarar,
não nos daria novas frutas para o tacho
e deu lugar a decoração mais viva:
flores bonitas para o nosso olhar!...
estranhezas 3
comum também é o termo despectivo
com que às vezes se marca pessoa
que já não pode realizar uma obra boa,
seja escritor ou poeta meio esquivo,
seja um cientista não mais produtivo,
seja operário a quem cansaço roa
e hoje só possa fazer serviço atoa:
também se diz do aposentado ou do inativo...
seria bom que, após seu falecimento,
de cabeça para baixo esse defunto
pudesse ser plantado e assim ressuscitar,
mas nunca soube desse acontecimento
e o melhor é concluirmos este assunto,
que já ficou de pernas para o ar!...
OBESIDADE I – 2 SETEMBRO 2020
Não me recordo jamais que a obesidade
tema frequente da poesia tenha sido
e muito menos que este tema proibido
seja estético em nossa atual normalidade.
Mas ocorre que por mim foi traduzido
um artigo sobre a felina integridade:
gatos obesos em “regimicidade”...
(E é nisso que meu tempo vai perdido!
Que sirva ao menos para este soneto
de inspiração humilde e até furtiva;
desses serzinhos gorduchos num momento
talvez até me identifique em tom secreto:
quem sabe eu queira uma dieta esquiva
de WhiskasTM a ganhar bom tratamento!
OBESIDADE II
Por muito tempo, certo grau de obesidade
sinal foi tido de ter-se boa saúde;
tuberculose a causar magreza rude,
que as magras transmitiam na verdade!
Demonstrou Rubens bastante afinidade
pelo tecido adiposo, que assim escude
os ossos da modelo a quem desnude,
senhoras gordas e cheias de vaidade!
Mas geralmente se associa à gravidez
esse aumento do abdômen em geral;
quando os “desejos” são bem satisfeitos,
cresce a gordura com desfaçatez;
também as mamas, de um modo natural,
já que do leite nenês têm reais direitos!...
OBESIDADE III
Entre os povos mais antigos, igualmente,
as “Vênus”, estatuetas primitivas,
apresentavam belas curvas incisivas,
fertilidade imaginando-se evidente...
depois modelo foi sendo imposto à gente,
quais helênicas esbeltezas redivivas,
em certas épocas tornadas excessivas:
mostrava Twiggy cada osso saliente!...
a seguir surgiu a AIDS e outra vez
pessoas magras pareciam afetadas,
nos demais a causar certa apreensão...
e de biquínis nas praias hoje vês
essas robustas formas ostentadas,
do próprio corpo a mostrar aceitação!
OBESIDADE IV
“Nem tanto ao mar, nem tanto à terra”,
há muito reza para nós velho ditado,
quem sabe a resmungar “velho deitado”, (*)
que certamente sabedoria encerra.
(*) Expressão de meu amigo Manuel Oscarino da Luz.
O meu instinto, às vezes, quase berra,
ao ver o ideal por Hollywood proclamado:
seios imensos sobre quadril afunilado,
visto de costas, o feminino enterra!...
Parece haver certo hermafroditismo,
nesta atual moda pelo transexual,
não que eu condene o gosto individual,
mas a presença de moderado “obesidismo”
também ressalta um belo feminismo
e me parece ser bem mais natural!...
SAFIRAS DE GELO I – 3 SET 20
Folha seca que o vento quase leva,
num bafejar mais forte de carinho,
só não se vai por prender-se num espinho,
que a dilacera um pouco, mas conserva.
Branco floco que tomba quando neva
e em sua frieira congela o azevinho,
balouça ao vento em seu fado mesquinho
e se derrete em qualquer haste de erva.
Assim é a vida, igual que folha seca:
são os espinhos que nos ferem e nos salvam,
antes que o vento nos leve para o mar.
E quais flocos de neve, a vida peca
e ao lançar-se para a terra se ressalvam
as pobres almas que deixam de voar...
SAFIRAS DE GELO II
Inutilmente, no decorrer dos dias,
buscamos todos safiras apanhar;
em um reflexo de luz seu arroxear,
enganam flocos nas burlas de elegias.
São de algodão de gelo essas folias
e quando estendes a mão para as tocar,
em cem estrelas irão se separar...
talvez safiras em seu meio alcançarias?
Ou pendurados dos marcos das vidraças
descem pingentes, que sob a luz do sol
também assumem as cores de um arco-íris.
Se fossem jóias, não teriam quaisquer jaças,
mas se derretem ao abraço do arrebol,
por mais que a breve permanência mires.
SAFIRAS DE GELO III
De semelhante forma, cada folha,
um dia verde, no outro já encarnada,
em mais dois dias inteira amarelada,
breve adquire as vestes de uma rolha.
Quando a serapilheira em que pisas a acolha,
já vai ficando toda ali fragmentada,
por seu espinho protetor abandonada,
não mais safira, mas apenas uma bolha.
E cada dia que viveste é folha seca
e quando pensas lastimar teus dissabores,
lembra que estes lhe firmam os tremores.
talvez sem dores fosse levada à breca
e assim aprende cada folha a entesourar,
para as páginas de teu livro acastanhar.
(Três Sonetos Nefelibáticos)(*)
GRANADAS I – 4 SET 20
EM COMENTÁRIOS CONTRÁRIOS MIL FADÁRIOS
SE MENEIAM ESPERNEIAM E SE ESTEIAM
RODEIAM REVOLUTEIAM REBOLEIAM
HERBANÁRIOS ERÁRIOS FIDUCIÁRIOS
SÃO PERFUMES ALUMES DE AZEDUMES
DE EMOÇÃO GERAÇÃO CONSAGRAÇÃO
DA INAÇÃO EM EXECUÇÃO DA CASTRAÇÃO
CORTUMES DE COSTUMES VAGALUMES
SÃO VIDRAÇAS ESTILHAÇAS DE PIRRAÇAS
SÃO GEMIDOS PERDIDOS DEMOLIDOS
INCONCRETAS SECRETAS BORBOLETAS
SÃO PASSAS EM MASSAS DE DESGRAÇAS
SÃO AMIDOS CONTIDOS EM MUGIDOS
NAS ALETAS DE POETAS PREDILETAS
(*) Para o nefelibático, o que importa é o som e não o significado.
GRANADAS II (*)
PORÉM VEJO QUE ARRECÉM O AZEVÉM
MOSTROU-SE REVELOU-SE DOMINOU-SE
DANOU-SE PROVOCOU-SE MAS CANTOU-SE
COMO REFÉM QUE O VAIVÉM CONTÉM
NA DIGESTÃO CONCOCÇÃO DA PERSUASÃO
TORNOU-SE E EM ALCOUCE DEMONSTROU-SE
POSPÔS-SE RENOVOU-SE CONSAGROU-SE
REPTAÇÃO CONTINUAÇÃO DA MALDIÇÃO
NESSES VULTOS DE ADULTOS INSEPULTOS
HEREDITÁRIA LATIFUNDIÁRIA PERDULÁRIA
A TERRA EM QUE SE ENTERRA APÓS A GUERRA
EM CULTOS OS INDULTOS MAIS INCULTOS
ATRABILIÁRIA A MALÁRIA MAIS PRECÁRIA
NA SERRA QUE SE AFERRA AO QUE SE ENCERRA
(*) Sem intimações ao rap.
GRANADAS III (*)
E NESSA REMESSA SEM PROMESSA
A ARTE SE COMPARTE NO DESCARTE
REPARTE PARTE A PARTE SEU INFARTE
QUE A PEÇA CRESCE À BEÇA E NUNCA CESSA
A FLOR EMITE ODOR CONDENADOR
CONTÊ-LO SEM APELO EM SEU DESVELO
POLICHINELO DO CASTELO BELO
POLINIZADOR E SENHOR DE SEU FRESCOR
E NESSA DANÇA BALANÇA E NÃO SE CANSA
O MENINO PEREGRINO COM SEU SINO
ARMADOR COMPLETADOR DE SEU AMOR
MAS NÃO SE ALCANÇA A TRANÇA DA MUDANÇA
NO REFINO DO GIRINO PEQUENINO
NO VIGOR REPETIDOR DE SEU VALOR
(*) Qualquer interpretação do leitor é válida e igualmente seu oposto.