RELÓGIO EM OITO &+

Relógio em Oito 1 – 30 jun 2020

Não bate o pêndulo sempre a hora exata,

Exceto quando tange só uma hora;

Alguns segundos transcorrem na demora

Em que cada badalada se desata;

Assim quem quer precisão se desacata,

A hora já perdeu-se para o outrora,

Tão rápido o passado nos devora,

Tão veloz é esta vida que nos mata...

Nos dias de hoje a vasta maioria

Usa nos pulsos relógios digitais

Ou já escrava se tornou do celular,

Que para mim é de mínima valia,

Tenho relógios de pilha nos beirais

E não me importo se algum deles se atrasar!

Relógio em Oito 2

Tenho na sala este relógio antigo.

É um pêndulo de parede, não de pé,

Cento e cinquenta anos tendo até

E dar-lhe corda com devoção consigo.

Suas badaladas me advertem do perigo;

De que se atrasa um pouco tenho fé,

Da precisão eu não lhe exijo a sé,

Pois mais me empurra para o meu jazigo!

O som que me transmite é bem dourado,

Ressoa brando dentro das cocleias

E faz vibrar o tímpano em gentil

Demarcar do quanto já foi desgastado

Desse diário entretecer das epopeias:

Mil já passaram, já não me restam mil.

Relógio em Oito 3

Porém meus netos adoram escutar

As badaladas que só marcam seu futuro,

O som de bronze deste destino puro:

Ficam eretos, os toques a escutar!...

E outra menina vi tambem arregalar

Os seus olhos azuis, permeio ao escuro,

Quando seu pai a trouxe além do muro:

De fato, pela calçada os vi chegar...

Mas esses toques são tão sugestivos,

Uma carícia que de escutar não canso,

Por isso as cordas giro num remanso,

Para escutar quais mistérios têm cativos,

Nessas rodas denteadas de cem anos,

Que já tangeram para tantos desenganos...

KRÓSIS I – 1º JULHO 2020

(Máscara, em Grego)

Antigamente, nos filmes de “mocinho”,

os bandoleiros apareciam mascarados;

os lenços dos pescoços eram puxados:

“A Bolsa ou a Vida!” – gritava o bandidinho.

Claro um herói já estava bem vizinho

e fuzilava os assaltantes tão malvados;

os que sobravam, eram encarcerados

e ali esperavam pela forca, bem quietinhos!

Os mocinhos muita vez os derrotavam,

dando um tiro em suas armas, bem certeiro;

a mão ou o pulso podiam até sangrar,

mas esses eram os mocinhos e só matavam

em duelos bem leais, pois cada justiceiro

era um modelo para os jovens educar!...

KRÓSIS II

Não obstante, muitas mortes ocorriam.

Claro que as vítimas podiam levantar

e noutro filme, mais uma vez, tombar,

baleados pelos mocinhos que lá haviam.

Uma estatística eu li, em que teriam,

pelos Anos Quarenta, podido já contar,

uns dois milhões de mortos, assim a superar,

de longe, as populações que ali viviam...

É claro que os ameríndios mais sofriam,

o que, de fato, chegou a acontecer,

dessas doenças europeias a morrer;

segundo dizem, até presentes recebiam

contaminados com varíola a lhes trazer:

não sei de fato se cobertores transmitiam!

KRÓSIS III

Mas hoje aumentou muito a bandidagem!

Por onde eu passo, enxergo salteadores,

o meu Colt já empunho com tremores:

nem sei se de alvejar teria coragem!...

Uso máscara transparente, não a bandagem

que ostentam hoje tantos moradores;

de alguns assaltos ocorrem os terrores,

em lotéricas, com grande malandragem!...

As mocinhas se rendem num instante

e o dinheiro das caixas esvaziam!...

Descrever já não conseguem assaltantes;

Tomara passe a pandemia delirante:

quando sem máscara sorrisos se assistiam,

só os bandidos a usá-las como dantes!...

blandícia i – 2 julho 20

amor é esse cristal tão multifacetado

que mostra iridescente fulgor poligonal

tanto pode limitar-se a amor carnal

quanto insistir em ser somente amor sagrado

cada faceta esconde algo de encantado

cada aresta tem seu talho individual

cada ângulo um esplendor piramidal

é no conjunto líquido solar airado

seu reflexo em blandícia é iridiado

sendo maior que o koh-i-noor diamante

pode mostrar para ti tua própria face

porque o amor não é nos outros encontrado

talvez recebas de outrem tal brilhante

mas sempre é algo que em ti mesma já se achasse

blandícia ii

esse amor de cristal brota de ti

de teu sangue a condensar-se inicialmente

a aglutinina já se encontra em ti presente

o aglutinogênio o catalisa num rubi

quando o cristal reflete algo que ali

já se encontrava em teu olhar ardente,

de tua íris duplicação fremente

tomou teu brilho e devolveu-o aqui

em uma aresta cortaste tuas papilas

e pela face derramou-se a esperança

verde reflexo a corromper o arco-íris

das facetas preenchendo as longas filas

em topázio e crisopraso de bonança,

qual calcedônia em pó no sangue aspires

blandícia iii

porque o amor de cristal sempre reflete

a cor da alma que sopra sobre ele

esse vestígio carinhoso de tua pele

que em gotas de ametista se repete

no cristal de um anel faz-se confete

branda promessa que um destino sele

doce mentira que o porvir te gele

tanta minúcia que a teu humor afete

também insetos têm olhos de cristal

cores e luzes a seu redor percebem

mas não contemplam teus olhos com calor

só os meus olhos não te fazem mal

novos cristais te projetam e concebem

a variegada explosão de um novo amor