CARISMA &+

CARISMA I – 27 JUN 2020

Somente em tua presença encontro-me completo.

quando me afasto, é de mim que me separo,

qualquer sinal se perde, qualque sintoma raro

que só encontro em mim mesclado a teu afeto.

Não que isso que falta seja algo de concreto,

é um toque de indizível que enfim nem sei se aparo,

tal pedaço de mim que percebo ser mais caro,

já que não perco ou ganho realmente um objeto.

Nem é que algo me dês ou mesmo que me tires,

pois vejo me conservo do mesmo modo igual,

talvez melhor dissera que então me catalisas

por vastidão do olhar gracioso em que me mires,

deixando-me permeado de um estímulo irreal

e nesse amor bizarro é que então me sensitivas...

CARISMA II

Tu me estimulas tanto e sei sempre estar contigo,

mesmo quando me encontro em um estranho abrigo:

mesmo beijando a outros, eu sei que estás comigo

e somos um do outro, sem pejo e sem remédio!

E sei que te estimulo, recalcitrante embora:

querias ser mais tu, igual que em teu outrora,

mas esta absorção que sofres nesta hora

te enche de inquietude, sem desvaziar do tédio!

Bem sabes não precisas de lutar contra o aguilhão,

nem fingires pose alheia, tão só teu coração

mostrares para mim, com dores e desejos,

coragens e fraquezas, lascívia e pundonor,

que tanto se assemelham a meus ideais almejos,

que emergem para ti nessa implosão de amor.

CARISMA III

Amor despertas dentro, na febre mais profunda,

sem se perder alhures em incauta radiação

e a mim me contaminas em longa duração,

em cósmico esplendor de mística iracunda!

Que a carne internamente altera e me fecunda,

somente em ti achando essa estranha comunhão,

esse calor de espanto em tua fresca viração,

que a um tempo se revela impudica e pudibunda.

Não sei se poderia este meu ritmo manter,

se não te visse perto, mesmo estando indiferente:

para assim me estimular já basta o ser presente,

meu cérebro e minha mente em constante florescer

medianto o teu carisma em mim feito onipresente,

pelos confins da alma e por artérias a escorrer.

AMOR FECHADO I – 28 JUN 2020

É nessa convivência diária que eu insisto,

não que te pretenda junto de mim prender,

se assim fizera, acabaria por perder

o teu amor afável que diariamente avisto.

Desses momentos teus, sem queixas, eu me disto,

podes sair à rua, se me deixares ver

tua face de carinho meus sonhos a aquecer,

que não serei tua carga em desgastante quisto.

Porém eu te agrilhoo no íntimo do peito,

ali estás fechada e as grades não te abro,

pois dessa imagem tua conservo meu direito

e quando me retornas, sou eu que me sujeito

e o resto de minhas horas somente a ti consagro,

e o quanto me exigires em complacência aceito.

AMOR FECHADO II

Sei bem que tu és minha, por menos que admitas,

por isso, justamente, me buscas e me evitas;

embora, em vias traversas, a teu amor me incitas,

bem raro em minha presença confessarás o teu...

Quiçá seja maior, quem sabe, que o que sinto;

talvez por isso mesmo, amor maior eu pinto,

sabendo, lá no fundo, que num ardil eu finto,

tentando exagerar, bem mais, qual seja o meu...

Por certo bem o sabes, por isso me estimulas,

enquanto permaneces em mil e mais negaças,

buscando alhures outros, à cata de confiança...

Enquanto apenas mordo, em singulares gulas,

essas promessas leves que, às vezes, até faças,

que negas quando aparas os fios de uma esperança.

AMOR FECHADO III

Mas mesmo que esse amor que mostras seja aberto,

o meu amor por ti fechou-se plenamente;

não me importa de fato teu amor condescendente

o meu é integral, estejas longe, estando perto.

Por tua intermitência, às vezes, desconcerto,

mas aguardo teus lampejos de amor luminescente

quando, maugrado teu, te abres completamente

e então de meu amor te fecha o pleno acerto.

Na verdade, pouco ou nada eu creio na abertura

de teu amor leal ante qualquer desejo alheio,

é mais teu próprio amor que ao peito te tortura

sem querer admitir teu coração teres fechado

a qualquer outro que peça o dom que tens no seio

só aberto para mim teu irreal sonho encantado.

ESCONDERIJO I – 29 JUN 20

Às vezes sinto estar inteiro na cabeça

e ser forçado o corpo a transportar;

só me alimento para a carne sustentar,

que de líquidos pedir-me nunca cessa.

A carne sinto sobre mim espessa.

em cada vez que a mente quer andar;

também me prende de forma singular

a ossatura que o passo me enrijece.

Que não se diga ser a terceira idade

que em mim provoca esse ardiloso efeito:

desde criança encontro-me na mente,

muito mais que no corpo; em agilidade,

ao corpo carregar achava-me sujeito:

a massa muscular com trabalho fiz potente!

ESCONDERIJO II

Pois trabalhei com muitas ferramentas,

com pá e picareta e com enxada;

com machado e machadinha fiz lenhada,

com enxó e com serrote as obras lentas.

Também pintei com tintas suculentas:

gula sentia mesmo da nuance amarelada,

a cor então só era com brochas espalhada,

passada com pincel nas partes mais atentas.

Trabalhei com argamassa e com cimento,

ervas cortei com foice e com gadanha,

o tempo todo minha mente a exercitar,

vivia mesmo então no pensamento,

embora ao corpo assim queimasse a banha,

rádio de pilha sempre ao lado a descantar...

ESCONDERIJO III

Pois nesse tempo era fácil sintonizar

as transmissões de música erudita;

mas da aposentadoria tive a dita

e as emissoras já não posso mais pegar;

na parte antiga da cidade vim morar,

que é a mais baixa e também a mais bonita,

passando então a escutar em fita

ou em LP’s os meus clássicos tocar.

E em todo o tempo na mente me escondia,

mesmo nos braços de mulher amada,

nos intervalos da faina e após o banho;

e perlustrava das veredas o tamanho,

enquanto a mente se elançava desvairada

impaciente nessa espera do corpo que a seguia!...