internet.com E MAIS QUATRO SÉRIES
internet.com I – 26 set 2019
o digital me deveria, com frequência,
facilitar minha vida e resolver
os meus problemas e não me preencher
com sentimento vago de impotência,
quanto me causa sua falaz subserviência;
para o trabalho poderoso devia ser
o meu computador, em simpatia me envolver
na incolor ilusão de firme permanência;
mas ao invés de me agradar, serva é teimosa,
não me deixa tranquilo um só instante,
passa empacando e atenção reclama
máquina esta, que enfim, é pretenciosa:
que insiste em se mostrar tão importante,
mas não passa de garota de programa!...
internet.com II
quase tudo se baseia na memória,
mesmo os programas ali são registrados,
não ultrapassa os limites programados
e ainda insiste em corrigir-me, peremptória!
mas a memória não merece a falsa glória:
tão facilmente se corrempem dados,
tão comumente são erros aplicados,
tanta instrução a perder-se nessa escória!
não obstante, de uma lógica é o efeito,
que certa vez se demonstra incompreensível,
por ser produto da atividade humana,
do programador tudo à memória assim sujeito,
sua capacidade de errar é inexaurível,
sem ser regida por intenção profana.
internet.com III
certa família ouvi dizer que se gabava
da mesma faca utilizar duzentos anos;
uma geração sua lâmina trocava,
cabia à seguinte executar seus novos planos,
ao cabo gasto volvendo seus afanos,
que com máximo cuidado então mudava,
deixando a faca renovada, sem enganos,
constantemente sendo assim reutilizada!
nossa memória é tratada de igual forma:
se o que lembramos recordarmos com frequência,
sua lâmina desgasta e então embota;
mas executa o inconsciente igual reforma:
troca-lhe o gume com a máxima eficiência –
perdeu-se o original, mas nem se nota!
internet.com IV
mas noutro ano, sua lâmina não serve
maIs no coto de memória que ficou,
mas nem por isso em nada atrapalhou
nosso inconsciente que novo cabo ferve
e então o adapta a essa lâmina de novo!
e assim por diante, atingindo ponto tal
em que, sem a intenção de fazer mal,
veraz nosso consciente afirma tal renovo!
mas se acaso um dia anotamos em diário,
ler tal registro até nos causa um choque:
“porém não foi assim! como escrevi
tal relato detalhado nesse ossário,
de tantos dias mortos final toque,
tão diferente do que lembro que vivi?”
internet.com V
naturalmente, caso exista sensatez,
a mente para e tudo considera;
mas é preciso persistência nessa espera,
certa revolta mostraremos desta vez!
a história toda que nos livros lês
depoimento testemunhal nos gera,
mas não se encontra falsidade nessa esfera,
tuas memórias se transformam se as revês.
pior ainda, a sacrossanta fé
vai sendo, sem querer, modificada
ou por ocultas intenções é reformada,
sua lâmina então cortada no sopé,
substituída por um dogma recente,
que então se troca por uma bula divergente.
internet.com VI
mas quem nos diz que as santas escrituras,
o que já mais de uma vez foi sugerido,
não nos expõem qualquer versículo inserido,
modificando suas frases mais impuras?
algum monge até sincero em tais torturas,
em sua consciência a acreditar ter resolvido
algum dilema por um erro introduzido
por copistas já dormindo em sepulturas...
sem se esquecer que as redigiram de memória
os quatro evangelistas tão sinceros,
dois dos quais só de outrem as ouviram...
e sempre volta essa suspeita merencória
das interpolações de vícios feros,
que através de hierarquias persistiram!...
RAZÕES I – 27 set 19 (*)
(*) Em resposta a certos elogios descabidos.
Apenas um gênio tais versos faria
de ardor e despeito e fragrância de encanto,
com tanta freqüência e brutal agonia,
composto casual em total desencanto...
Apenas em versos de geada e de pranto,
cabelos grisalhos, visões de harmonia,
suspiros de carne, desgostos de fada,
retalhos de trevas reunidos num canto...
Apenas um gênio, ou antes, quem sabe?
Algum que sofreu tão mais que os demais,
que o próprio sofrer não se abranda jamais...
E apenas nos versos sua pena se acabe,
apenas nos versos de ardor e de encanto
que descrevem quem ama e o recama de pranto...
RAZÕES II
Se gênio eu fora, como falam tantos,
a cada leitora três desejos daria:
amor e saúde, palácio ergueria,
fartura e riqueza, nobreza de cantos...
Mas caso mos peçam, talvez alguns bancos
de madeira bem rústica somente eu faria;
nem choupana sequer eu erguer saberia,
ao invés de saúde, só um par de tamancos...
Somente consigo escrever estes versos,
que Dionysos me assopra, são bem numerosos
e a ele se devem, se encontrares beleza,
porém genialidade efeitos diversos
teria na vida, momentos ditosos,
tornado em estilhas o vigor da trizteza...
RAZÕES III
Se gênio eu fora, bem mais eu teria
que casa modesta, amor e jardim,
teleporte inventando, quem sabe, pra mim
talvez magicamente aonde estás viajaria;
vergonha não tendo, eu te espiaria,
de cada mulher me faria arlequim,
segredos dos quartos, das bocas carmim,
talvez nem notasses, mas te beijaria...
mas íntegro sendo, tão só inventasse
a genial propulsão que as naus lançaria
através do universo, igual que sonhei
e mesmo no tempo talvez caminhasse
e em versos somente não me limitasse
a possuir tantas coisas que nunca terei.
MAGMA I – 28 setembro 19
Revesti-me de amores, lentamente,
Em melopéia rubra de guirlandas,
Grinaldas puras de emoções mais brandas,
Quanto o desejo explode mais frequente...
Meu amor em quimeras a tornar-se somente,
A conter aprendi emoções mais nefandas,
Para servir mansamente os desejos que mandas
No perdurar das lavas em cratera fervente...
Que em mim se acumulam, rubras, trovejantes,
Respiram cinzas, enviam gases sulfurantes
Em piroplástica, férvida e súbita explosão...
Sopitando os anseios até então sufocados,
Até não mais contê-los, em versos extasiados,
Que explodem para ti em cálida emoção!...
MAGMA II
Revesti-me de dores, certamente,
As dores físicas de que o mundo é cheio,
Dores morais em farpas de permeio,
Dores da alma no espírito plangente...
Mas estas dores que afetam tanta gente,
Às quais reagem, talvez, de modo feio,
Eu as peneiro em cuidadoso asseio
E as classifico em cada ideal pungente.
Cada uma delas a traduzir-se em versos,
Ou quem sabe, só na alma a abrir canal,
Por minhas células guarnecido sideral.
E sendo assim guardadas, até é bom sofrer,
As veias a verter coágulos conversos
Em mensagens vitais que possa receber.
MAGMA III
Revesti-me de ardores, mais frequente:
Não me levaram às raias da loucura,
Cada soneto alegoria sendo pura
Representando emoção adstringente.
Nessa ereção de um cone sou potente,
De lava revestida até a planura,
De ácido sulfúrico a fervura,
A vida inteira explodindo intermitente.
E se os versos revelam o interior,
Talvez pudesse te enviar retalhos
De certa alma tranquila ou atribulada...
Mas tanta vez já protestei não ser o autor,
São de Apollo e Dionysos os puros talhos
E eu... só fumaça em centelhas dispersada.
ESCARAMUÇA I – 29 set 19
Pois quantas vezes a mente me perpassa
um movimento de fugaz ternura,
um regravar sutil de canelura,
que nas colunas alheias se entrelaça...
Pois sem vestígio cada um por outros passa
toca de leve, sem sopro de amargura (as)
ninfas da mente, num rumor que não perdura,
até que o orgulho inteiro se desfaça...
Pois quantas vezes um assomo de vaidade
capitaneia audaz nosso batel
e nos restaura a antiga virgindade
de nossa vida toda; o capitel
feito de egoísmo voraz, sem saciedade,
que nunca pede e nem dará quartel!...
ESCARAMUÇA II
As colunas da vida se constroem
ano após ano, em luta singular,
contra nós mesmos combate a se travar,
mas não batalha que os membors nos destroem.
Antes feroz tocaia e nela os sonhos doem,
alguns são feitos prisioneiros a guardar,
outros deixados no abandono a lastimar,
à mercê postos das tentações que roem...
mas tais colunas se erguem lentamente,
frequentemente as laterais são ruças,
pedra após pedra a sobrar de escaramuças...
talvez nem tu percebas essa ingente
transformação da alvenaria da criança
pelos tijolos abstratos da esperança.
ESCARAMUÇA III
A cada vez que por outros nós passamos,
algo nos deixam, mesmo sem saber:
um certo odor inodoro a perceber,
um certo gosto insípido provamos;
a visão cega de inopino já enxergamos,
o tato ausente sem tocar a receber,
sons do silêncio assim podemos ter,
calhaus e seixos aos poucos coletamos;
e tantas impressões não devolvemos,
é cal e areia cada personalidade,
contudo, através delas nos formamos...
mas eu devolvo a argamassa resultante
a quem quiser através da humanidade,
em algum poema infantil, porém vibrante!
BÁSCULA I – 30 set 19
ME PONHO EM TEU LUGAR,
DEIXAR-SE PENETRAR
POR UM OUTRO QUALQUER É TRÁGICO DESTINO
AMAR É POR AMOR
AMAR SÓ POR CALOR
NADA MAIS É QUE PURO DESATINO
AMOR AMA OUTRO AMOR
AMAR SEM TER AMOR
SÓ SATISFAZ DESEJO PEQUENINO
AMOR CURA OUTRO AMOR
E AMOR QUE É SÓ SEXOR
NÃO TE FAZ ESQUECER O SONHO PEREGRINO
DE VIVER A EMOÇÃO
DE TER NO CORAÇÃO
UMA PAIXÃO QUE FOI AVASSALADORA
MAIOR QUE TENHA SIDO
O PESAR DE TER SOFRIDO
ULTRAJE HUMILHAÇÃO E DOR DEVASTADORA
UM CORPO NÃO SERÁ
UM CORPO NÃO DARÁ
CONSOLAÇÃO POR GOLPE TÃO TERRÍVEL
NÃO ADIANTA BUSCAR
NÃO ADIANTA ENTREGAR
TEU CORPO APENAS A UM MERO SUCEDÂNEO
TERÁ TERRÍVEL CUSTO
ALÉM DE SER INJUSTO
ENTREGAR-SE A UM ARDOR CONTEMPORÂNEO
SOMENTE TE ENCHERÁ
TUA DOR APAGARÁ
UM NOVO AMOR QUE TE PAREÇA INEXAURÍVEL
BÁSCULA II
ENTÃO, COMO QUERER
QUE SEJA O PRÓPRIO SER
O RESULTADO DOS ENCONTROS DE PASSAGEM
QUE VENHA NOS FORMAR
QUALQUER VELADO OLHAR
QUAL ETIQUETA COLADA NA BAGAGEM
QUEREMOS ESCOLHER
SOMENTE ENTÃO RETER
O QUE PUDEMOS ADQUIRIR APÓS CONTAGEM
E NÃO ESSE CONTÁGIO
EMPRÉSTIMO SEM ÁGIO
QUE REJEITAR PREFERES COM CORAGEM
E TAL PROMISCUIDADE
TE FERE NA VAIDADE
A IMPRESSÃO TE DÁ DE CORROMPER
OS TRAÇOS DA MEMÓRIA
OS FATOS DE TUA HISTÓRIA
TAL QUAL SE A OUTREM PUDESSEM PERTENCER
É UM FATO EMOCIONAL
UM NOJO NATURAL
COMO SE UM SELO SE FOSSE RECEBER
MESMO SEM TOQUE
LEVARMOS A REBOQUE
TRAÇO NOJENTO DE UMA VIDA ALHEIA
E SENTES A REVOLTA
POR CADA IMAGEM SOLTA
QUE EM TI SE ACOLHE E A ALMA TE INCENDEIA
TALVEZ TEU PRÓPRIO CORPO
TAL ATO DEIXE TORTO
E NUNCA MAIS SAIR CONSIGAS DESSA TEIA
BÁSCULA III
CONTUDO É BEM VERDADE
QUE TODA A HUMANIDADE
COMPARTILHA ENTRE SI TRAÇO COMUM
HÁ NINFAS DE BONDADE
QUIMERAS DE IMPIEDADE
A SE EXALAR DO BAFEJAR DE CADA UM
TALVEZ DOR INCONSCIENTE
TALVEZ RANCOR PREMENTE
CADA TRANSEUNTE TE DEIXARÁ ALGUM
DE SEUS FORMOSOS FEITOS
DA CRUZ DE SEUS DEFEITOS
ISOLAR-SE DOS QUAIS NÃO PODERÁ NENHUM
POIS SOMOS UM REBANHO
A ALMA TRAZ AMANHO
CADA OLHAR DE PASSAGEM A PALPITAR
POSSUÍMOS IGUAL LÃ
QUALQUER TOLICE VÃ
E A TRANSMISSÃO NUNCA PODEMOS EVITAR
E É BOM QUE TE RECORDES
MESMO QUE NÃO CONCORDES
QUE TUA INFLUÊNCIA IGUAL ESTÁS A DAR
DOS OUVIDOS A BROTAR
DO SOM DO PALADAR
ALGO TUA MENTE ESTÁ SEMPRE A PROJETAR
E ASSIM COMPARTILHAMOS
DE CERTO MODO AMAMOS
CADA CRIANÇA E CADA VELHO A SE ENCONTRAR
NA AUSÊNCIA DO DESEJO
HÁ PROJETAR DE UM BEIJO
SEM AO MENOS OS TEUS LÁBIOS A ESTALAR