OPRESSÃO

OPRESSÃO I – 11 MAIO 2019

Eu mal percebo dos anos a passagem,

Mas sim do escoar de meus sonetos,

Empoeirados em seus desvãos secretos,

Quais hieróglifos esquivos à contagem.

Tal qual o efeito de arcana beberagem,

Nos transes reservados aos adeptos,

Correm das unhas os mil rascunhos pretos

Ou azulados de artimanhosa aragem.

Pois nem sempre me disponho a digitar,

Em ocasiões deixo que passem meses

E se acumulam a me fitar ressentimento,

Até chegar-me esse estrídulo momento,

Que põe de lado, como outras tantas vezes

Tudo o mais em que deva trabalhar.

OPRESSÃO II

É quando chega essa tarefa multifaz

De entre vinte pilhas desvendar

Quais os que devam primeiro se afirmar,

Quebrando as datas em que essa pilha jaz.

Porém seus gritos já me não dão paz,

Nessa luz de seu primeiro despertar,

Pois todos querem em luzeiros se encontrar,

Mesmo os vulgares ou de passagens más.

Curvo-me então aos mais amarelados,

Datas encontro dos sonhos mais perdidos

E trago a carga a meu computador,

Sem ao menos relembrar fatos passados

Enquanto eram os cuneiformes redigidos

Nas tabuinhas de argila de minha dor.

OPRESSÃO III

Minha pele toda de rascunhos recoberta,

Por mais que queira ler ou trabalhar

Ou de retorno a meu piano batucar,

Jorram de mim como em ferida aberta!

Somente espero que tua mente seja alerta

E saibas meus restolhos respigar;

Nem tudo deve-se datilografar,

Que ao esquecido boa parte se reverta!

Mas hoje a tudo se dispõe o digital,

Há tanta gente a escrever agora

Que não o faria com qualquer pena de ganso!

E então rumino que só adiciono ao mal,

Vejo-me escuso a plagiar o meu outrora,

Que melhor fora espuma frágil em remanso!